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O significado dos alimentos

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O significado dos alimentos
Objetivo da aula: compreender as relações simbólicas de cada grupo alimentar como as carnes, verduras, legumes, frutas, grãos, cereais, líquidos, óleos, etc. 
 
Claude Levi-Strauss, antropólogo francês que morou e trabalhou no Brasil ao escrever “O cru e o Cozido” mostra que esses dois estados dos alimentos reflete também as transformações sociais. As classificações cru e cozido, alimento e comida, doce e salgado classificam não só alimentos como coisas, pessoas e até comportamentos morais. Por exemplo a mulher é simbolicamente equacionada como “comida” e o feminino é simbolicamente “doce”, assim o salgado e o indigesto são coisas duras e cruéis. Algo muito caro é salgado, uma vida difícil e cheia de sofrimentos é uma vida amarga.
O cru se liga ao estado de selvageria, de estado de natureza; já o cozido depende de uma sociedade organizada socialmente, com técnicas mais elaboradas. No dito popular “o apressado come cru” a relação entre cru e pressa mostra que o ato social de comer exige uma pausa, um momento de preparo e atenção a alimentação, um modo civilizado de se alimentar, quando não há essa pausa se retorna a um estado de selvageria.
Comer o cozido exige calma e transformação de um alimento em comida, essa transformação e preparo da comida deve ativar o olhar, o cheiro e o gosto, ou seja, provoca nossos sentidos através dos olhos, do nariz e da boca para então entrar no estômago e “encher a barriga”, trazer saciedade.
Sendo assim, a comida no seu aspecto simbólico faz a mediação entre a cabeça e a barriga, entre o corpo e a alma, ou seja, conecta em um só ato códigos sociais normalmente separados como o gustativo ou o paladar (doce, salgado, amargo, ácido, picante, bom-ruim; e tato quente-frio), código de odores ou olfativo (bom cheiro, alimento sadio e bom), código visual (aparência, comer com os olhos, “olho maior que a barriga”), código digestivo (fácil ou difícil digestão).
A comida cozida está associada ao lar, aos parentes e amigos, às intimidades da mesa, ao afeto. O cozido é o nome de um prato muito comum nas refeições brasileiras, onde se junta, vegetais, legumes, carne inventados na própria ocasião com os alimentos disponíveis. Ou seja, é a mistura de coisas que estavam eventualmente separadas no mundo, é a união e a celebração de alimentos diversos em um só prato, pessoas diversas em uma só casa. Já o cru está fora no universo do lar, no trabalho, na desarmonia, da “realidade crua e nua”.
 
Outros ditos populares que estão associando comida com coisas ou pessoas:
Pão-duro = avarento
comer o pão adormecido = fazer economia, ter pouco dinheiro;
pão, pão; queijo, queijo = separar as coisas que não são iguais;
dar água na boca = quando queremos muito algo;
estar com a faca e o queijo na mão = ter a vitória certa;
estar por cima da carne seca = ter poder;
ser convidado para comes e bebes = ser convidado para uma festa, reunião;
falar da boca pra fora = falar algo impossível, absurdo, que não será digerido (da boca pra dentro);
comer do bom e do melhor = vida boa, rica, saborosa
Algo sem sal = algo sem graça;
cuspir no prato que comeu = desdenhar ou ignorar algo ou alguém que já lhe fez bem;
Não só de pão vive o homem = não basta só uma coisa para satisfazer o homem
Segundo Montanari, o assado e cozido possuem papéis opostos no plano simbólico, a oposição entre cultura e natureza, doméstico e selvagem. O assado enquanto técnica de cozimento está mais para o lado da natureza do selvagem, uma vez que necessita apenas do fogo sobre o qual a carne cozinha diretamente, um animal colocado no espeto girando sobre a chama viva. A carne mantém seu gosto forte. “Os comportamentos alimentares são frutos não apenas de valores econômicos, nutricionais, salutares, racionalmente perseguidos, mas também de escolhas (ou de coerções) ligadas ao imaginário e aos símbolos de que somos portadores e, de alguma forma, prisioneiros” (p. 79)
O cozido, que se transforma por meio da água, exige um recipiente culturalmente construído para conter a carne, por isso assume, o valor simbólico de uma sociedade mais domesticada, mais cultural que natural, longe da floresta. A casa parece o ambiente natural desse tipo de preparação, ou seja, a cozinha ao interno da casa. A panela do cozido era o centro da cozinha camponesa, burguesa e monásticas, seja para cozinhar a carne como os legumes. Cozinhar em panela significa também não perder o suco nutritivo da carne, retê-lo e concentrá-lo na água. O caldo obtido poderia ser reutilizado em outros preparos junto com outras carnes, legumes, verduras, cereais. A panela traz a ideia da economia, da conservação e não desperdício do alimento.
Na oposição cozido/assado há também a oposição de gêneros. O assado é masculino, típico do caçador, o cozido é feminino, típico da cozinheira doméstica que vive na cozinha. É o homem que acende e mantém o fogo do assado aceso, o domínio sobre as forças da natureza o controle do fogo. Como no churrasco ao ar livre, ambiente tipicamente masculino que se contrapõe a complexidade da cozinha doméstica.
 
Já Lígia Santos analisa os símbolos em outros alimentos como:
Os líquidos:
As bebidas alcoólicas são um grande desafio na mudança de hábitos, principalmente para homens adultos das camadas mais populares, sendo a cerveja a bebida de preferência nacional nos finais de semana.
 
Bebidas alcoólicas como cerveja e vinho são símbolos de comunhão divina e social. Em algumas culturas ela permite a ligação entre o profano e o sagrado, entre o homem e o mundo superior devido ao êxtase, representa um transporte ao sagrado.
No mundo contemporâneo a embriaguez é repreensível e prejudicial à saúde, por isso o consumo do álcool é controlado e disciplinado por meio de campanhas e leis de restrição e proibição do consumo, seja por faixa etária (sendo permitido apenas para maiores de 18 anos), seja por atividades a serem realizadas após o consumo como dirigir. No mais toda bebida alcoólica possui uma mensagem educativa de alerta quanto à moderação, idade e proibições. O vinho é uma bebida alcoólica que possui uma certa liberação devido a pesquisas que mostram seus efeitos benéficos para a prevenção de doenças cardiovasculares.
 
A cerveja faz parte do processo de socialização em períodos de lazer para o brasileiro, possuindo consumidores mais controlados e moderados até os excessivos. O consumo de cerveja está associado ao crescimento da barriga, e por isso é um dos principais alvos quando se quer uma dieta e reeducação alimentar, pois além de engordar é um produto com “calorias vazias”, ou seja, sem nutrientes que o corpo precisa, somente calorias que rapidamente se transformam em açúcar no sangue. Deixar de beber é um processo que envolve não só a saúde, mas o controle do vício, a socialização, a estética corporal e até a moral religiosas em alguns casos.
 
O refrigerante é a bebida da juventude, tão viciante e “vazia” como a cerveja. Historicamente associado a um produto artificial, altamente calórico, engorda, nada nutritivo, faz mal e “dá celulite”. Os refrigerantes ligths são aceitos pois engordam “menos”. Normalmente os refrigerantes estão restritos aos finais de semanas ou dias de festas para crianças e adolescentes.
 
A agua-ardente era muito consumida antes da chegada da cerveja, hoje estão restritas às caipirinhas nos churrascos ou feijoadas, que são refeições mais raras.
 
Outras bebidas estimulantes como café, chá e chocolate também tem seu consumo controlado para efeitos de estética e saúde. São bebidas estimulantes do corpo e também da economia pré-industrial e comércio internacional. Novas formas de preparo são introduzidas a fim de diminuir a cafeína e o açúcar.
 
As recomendações em relação às bebidas visam a diminuição dos alcoólicos e refrigerantes e um aumento dos sucos e água desde que sem açúcar e de boa procedência não existe restrições.Sucos engarrafados, em caixinha, em polpa e em outras formas de conservação se difundem e passam a fazer parte do dia a dia, mesmo que se tenha perdido o sabor, a cor, o frescore os nutrientes.
 
A água que acompanha o estilo de vida saudável serve tanto para hidratar, energizar e purificar o corpo como para enganar a fome. A garrafinha de água é simbólica e apresenta normalmente uma menção atlética com saís minerais “repositores” da perda diária, acompanhando o consumidor como parte de sua aparência. Por não possuir calorias a água substitui qualquer outra bebida.
 
A água de coco é um produto natural que também está se industrializando, mas mantém seu simbolismo de bebida leve, saudável, hidratante e revigorante.
 
 
Alimentos industrializados: a industrialização dos produtos alimentícios provocou uma grande mudança no modo de ver e pensar a comida no pós 1° Guerra Mundia. Aumentou-se a disponibilidade e quantidade de alimentos, a distinção passava a ser de qualidade (de 1ª, 2ª, sem qualificação ou falsificados), a cozinha passa a ter uma dispensa para alimentos em caixas e latas, ao invés do alimento fresco e natural. Ao mesmo tempo vieram os problemas de excesso, veneno e toxidade. A qualidade não é mais visível na aparência devido aos aditivos. O alimento passa a ser inteiramente manipulado e alterado para atingir sua qualidade e nutrição ideal. Não se sabe mais o que se come, pois o alimento vem completamente refigurados, com isso se tenta reidentificar o produto com rótulos, etiquetas e garantias. O alimento industrializado em relação ao natural é fraco, sem sustento e sem gosto, seja o leite, ou o frango. Em contrapartida cresce o mercado de alimentos naturais: o natural artesanal, o natural nutritivo, o natural sem agrotóxico, e o natural publicitário (sem conservantes, sabor natural de laranja, etc). O sanduíche “natural” muitas vezes é recheado de produtos industrializados enlatados como milho, atum, ervilha, etc.
 
Os produtos diet/light: identificados como saudáveis, mesmo que a etiqueta seja uma função da própria publicidade, independente de regras para tal. E as propagandas vinculam esses produtos a um estilo de vida feliz e do mundo feminino.
 
Açúcares, doces e chocolates: o açúcar foi um marco de distinção social por ser raro e caro, foi identificado como marca do “bom gosto”, usado também contra o stress, fadiga mental e para acalmar os nervos, por isso a oferta de “água com açúcar” para quem está nervoso. As cozinheiras portuguesas trouxeram várias receitas de doces e bolos que depois cresceram com a entrada das africanas na cozinha: quindins, cocadas, bolos. Atualmente se faz uma grande campanha para a redução da quantidade de açúcar em todas as comidas doces, bem como a redução ou extinção do consumo de doces e chocolates. Em alguns casos o adoçante artificial entra como estratégia de restrição do açúcar refinado. As barras de cereais ricas em fibras e de baixo teor calórico entrou como um substituto do chocolate, as gelatinas também são vistas como uma sobremesa leve e saudável, apesar dos corantes e aromatizantes.
 
Peixe = ômega 3 = saúde
castanhas = bom colesterol
alimentos novos e crus = vitalidade, energia vital
laranja = vitamina C
feijão/ fígado = ferro = força
gordura = colesterol = doença
frutas e verduras = vitaminas = saúde
 
Os alimentos estão se transformando em seus nutrientes, assim comer e nutrir-se começam a se unir num só ato, as pessoas passam a gostar das vitaminas, do ferro e do ômega 3.
 
A gordura: no século XX estava associada ao tempero que dá sabor à comida, uma mandioca ou batata assada não tem o mesmo sabor que as mesmas fritas. Com as relações entre gordura e doenças cardiovasculares começou a lipofobia (medo da gordura) seja ela visível ou invisível como os lipídios. Os churrascos passaram a ser condenados. A gordura perde status.
Bibliografia sugerida:
SANTOS, L. A. S O corpo, o comer e a comida, “Os líquidos”; “outros gêneros alimentícios”; “Representações dos nutrientes”. p. 300-315. 
 
Leitura complementar:
MONTANARI, M. Comida como cultura. “Assado e cozido”, p. 77-81.
 O significado da alimentação - Geraldo Romaneli

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