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Devolutiva 4 Adenocarcinoma Gástrico → O adenocarcinoma constitui a neoplasia gástrica epitelial mais frequente e é responsável por 95% dos tumores malignos que acometem o estômago humano. → Constitui a 2ª causa de óbito por câncer no mundo, sobretudo pela dificuldade de se detectar a doença em fases iniciais. → Em geral, sua magnitude é de 2 a 3 vezes maior nos países em desenvolvimento e é mais comum no sexo masculino que no feminino. → A diminuição na incidência de câncer de estômago tem sido observada em vários países, inclusive no Brasil, e pode ser explicada por reduções nas taxas de fatores de risco: → Nos EUA, a maioria dos casos originava-se no estômago distal, ou seja, no antro. Entretanto, tem havido uma redução do número das lesões distais e um aumento contínuo e gradativo da incidência do adenocarcinoma proximal, ou seja, da junção esofagogástrica e cárdia. Fatores de Risco • Dieta: consumo aumentado de frutas e vegetais é fator capaz de reduzir o risco de desenvolvimento de câncer gástrico. Assim como a suplementação de vitaminas na dieta • Apesar dos estudos avaliando o papel do consumo de álcool e da ingestão de sal e nitratos na dieta, não existe consenso estabelecido no efetivo papel desses fatores no câncer gástrico • Tabagismo: O hábito de fumar constitui um fator de risco estabelecido para o câncer gástrico. Recentemente, um extenso estudo europeu estimou que 17,6% dos casos de câncer gástrico são atribuídos ao tabagismo • Gastrectomia parcial: empregada antigamente no tratamento da úlcera péptica, associada com o aumento de incidência de câncer gástrico. Na patogênese desse tipo de neoplasia, assume importância a gastrite crônica atrófica, que surge devido ao refluxo duodenogástrico, inevitável nas ressecções. A ação detergente dos sais biliares, rompendo a barreira mucosa, acelera o aparecimento da gastrite crônica atrófica, a qual, em razão de seu baixo poder cloridopéptico, favorece a proliferação de bactérias, que, transformarão os nitratos alimentares em nitritos, criando condições para a síntese de nitrosaminas, substâncias carcinogênicas • Gastrite autoimune e anemia perniciosa: aumento no risco de câncer gástrico de até 3 vezes • Herediatariedade: Ocasionalmente, o carcinoma gástrico pode se desenvolver em famílias com mutações genéticas nos genes p53 (síndrome de Li-Fraumeni) e BRCA2. É estimado que 1 a 3% dos tumores gástricos derivem de mutações no gene codifcador E-cadherina, proteína de adesão celular, originando uma predisposição ao câncer gástrico (câncer gástrico hereditário difuso). O câncer gástrico pode também se desenvolver como parte da síndrome do câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC) e de outras síndromes polipoides gastrointestinais, como a polipose adenomatosa familiar e a síndrome de Peutz-Jeghers. • H pylori: maior fator de risco para o desenvolvimento do carcinoma distal de estômago. Sua presença no estômago eleva cerca de 6 vezes a incidência do tumor - Mecanismos de carcinogênese gástrica pela infecção por H. pylori parecem relacionados com a capacidade de promover desequilíbrio entre proliferação celular e apoptose, liberação de citocinas pró-infamatórias, formação de radicais livres, desregulação da Cox-2, subversão da imunidade e estimulação da angiogênese. - No ambiente intragástrico, a proteína CagA é introduzida nas células epiteliais gástricas por meio do sistema de secreção tipo IV do H. pylori (como uma “seringa molecular”). Uma vez injetada no interior da célula epitelial, essa proteína é fosforilada pelas cinases da família SRC e ativa a fosfocinase SHP2, que atua como oncoproteína humana, e, em conjunto com outras cinases, são capazes de subverter a fisiologia celular gerando processos pré-neoplásicos como ativação de receptores de fatores de crescimento, proliferação celular aumentada, evasão de apoptose, angiogênese sustentada, dissociação celular e invasão tecidual, entre outros. → A carcinogênese gástrica constitui processo multifatorial que se desenvolve em etapas sucessivas ou sequenciais a partir da gastrite crônica induzida pela bactéria. → As lesões evoluiriam progressivamente e culminariam no adenocarcinoma gástrico do tipo intestinal ou difuso. → Naqueles do tipo intestinal a mucosa se assemelha, em seu aspecto, ao intestino delgado, localiza-se com mais frequência no antro, não está associado a grupos sanguíneos definidos, é mais frequente em homens de idade avançada e predomina em populações de alto risco. Está ainda relacionado com a presença de gastrite crônica com atrofia, metaplasia intestinal e displasia epitelial antecedendo o aparecimento do câncer. É um tumor bem diferenciado, com formação de estruturas glandulares → Nos tumores do tipo difuso (menos frequente que o tipo intestinal) a localização principal é o fundo gástrico, acomete pacientes mais jovens, é ligeiramente mais frequente em homens e pode estar associada ao grupo sanguíneo A. É um tumor indiferenciado sem formações glandulares, apresentando as famosas células em anel de sinete (acúmulo de muco no citoplasma deslocando o núcleo para a periferia). Histologicamente, é composto por focos de células malignas com infiltração infamatória mínima, em uma quantidade substancial de tecido fibroso, e é mais frequente em populações de baixo risco para carcinoma gástrico. → Embora algumas vezes a classificação dos adenocarcinomas como difusos ou intestinais não seja possível, esses dois tipos de tumores parecem representar desordens distintas, com diferentes fatores epidemiológicos e etiológicos. → Macroscopicamente, a classificação morfológica de Borrmann, divide os adenocarcinomas gástricos em quatro grupos: Tipo I: polipoide, exofítico, papilar ou vegetante, correspondente às lesões que se projetam para a luz gástrica e que, variando de tamanho, podem atingir grandes proporções. Tipo II: são os cânceres ulcerados medindo mais de 3 cm de diâmetro, bem delimitados, sem infiltração do tecido vizinho. Suas bordas são caracteristicamente elevadas, irregulares e mamelonadas. Apresentam fundo de cor acinzentada, com tecido necrótico mesclado com coágulos de sangue, podendo apresentar ilhas de mucosa normal. Tipo III: câncer ulcerado e infiltrante, com bordas menos salientes que no tipo II e com disseminação parcialmente difusa. Tipo IV: é a infiltração neoplásica difusa de um segmento da parede gástrica ou de toda essa parede, podendo ocorrer ulcerações de profundidade variável. Quando a infiltração se estende por todo o estômago, os limites não são distinguidos pela palpação, tampouco por métodos radiológicos ou endoscópicos; é a chamada linitis plastica, na qual as paredes do estômago tornam-se rígidas e o órgão toma forma tubular sugestiva de uma bota de couro para vinho → As manifestações clínicas do adenocarcinoma gástrico precoce são tipicamente vagas e inespecífcas, raramente provocam sintomas que possam induzir a um diagnóstico precoce da doença, ocasião em que o tumor é superficial e potencialmente curável pela cirurgia ou procedimentos endoscópicos. → O tumor torna-se sintomático, na grande maioria dos casos, em uma fase avançada da doença, ou quando já existem metástases. Perda de peso, desconforto abdominal insidioso, acompanhado de plenitude pós-prandial e dor epigástrica tipo úlcera ou incaracterística, de intensidade variável, são os sintomas mais comumente referidos pelos pacientes → Anorexia e náuseas leves são comuns, mas não representativos da doença. O vômito pode ocorrer quando o tumor invade o piloro, a disfagia é o principal sintoma associado à lesão da cárdia. Hematêmese e melena são relatados em 20% dos casos. Podem ocorrer, eructações, flatulência e distúrbios do hábito intestinal. Entre os sintomas dependentes da disseminação metastática, destacam-se dores ósseas, sintomas pulmonares,hepáticos e neurológicos. → Nas formas mais avançadas do tumor constatam-se caquexia, icterícia e palidez cutânea com pele de tonalidade amarelo-pálida. Às vezes, evidencia-se a presença de massas palpáveis, dolorosas ou não, no epigástrio, bem como ascite e edema de membros inferiores. Pode ocorrer a disseminação por invasão direta através da parede do estômago, com adesão ou invasão de estruturas subjacentes, como pâncreas, fígado e cólon. Quando a doença se estende para o cólon transverso, podem surgir vômitos fétidos, fecaloides, e, alimentos recentemente ingeridos nas fezes. A doença também pode se disseminar, através dos linfáticos, para os linfonodos intra e extra-abdominais, destacando-se os linfonodos palpáveis na fossa supraclavicular esquerda (gânglio de Virchow-Troisier), nódulos ou empastamento do fundo-de- saco de Douglas ao toque retal (sinal de Blumer), aumento do volume do ovário ao exame ginecológico (tumor de Krukenberg). → Podem ocorrer síndrome paraneoplásica, anemia hemolítica microangiopática, glomerulopatia membranosa, ceratose seborreica, acantose nigricans (lesões filiformes e papulares com pigmentação nas dobras da pele e de membranas mucosas), coagulação intravascular crônica causando trombose arterial e venosa e, em raras ocasiões, dermatomiosite. → Nos casos de doença precoce o diagnóstico é possível apenas quando se realizam programas de rastreamento ou por acaso durante exame endoscópico em pacientes com outras queixas. → Nos casos de doença avançada, os exames laboratoriais podem demonstrar anemia (42% dos casos), sangue oculto nas fezes (40%), hipoproteinemia (26%) e anormalidades das provas de função hepática (26%). A determinação dos níveis plasmáticos do pepsinogênio A e C em combinação com a soropositividade do H. pylori tem sido sugeridas como exames promissores para o rastreamento de lesões pré-malignas do estômago. → Embora o estudo contrastado do estômago possa contribuir para o diagnóstico, a endoscopia digestiva alta constitui o procedimento mais empregado, por sua segurança e especificidade. Quando associada a biópsias múltiplas, com retirada de múltiplos fragmentos tanto da base como da borda da lesão para estudo anatomopatológico, a sensibilidade ultrapassa 98%. → Tomografia computadorizada do abdome, pode delimitar a extensão do tumor primário, e presença de metástase para linfonodos regionais ou a distância. → O ultrassom endoscópico é capaz de determinar a profundidade e a penetração do tumor na parede gástrica e revelar a presença de metástases para linfonodos regionais, sendo útil no estadiamento de tumores precoces. Marcadores tumorais sorológicos não têm ajuda no diagnóstico de tumores precoces. Os níveis de alfa-fetoproteína e CA 19-9 utilizados comumente como marcadores de tumores hepáticos e pancreáticos, respectivamente, elevam-se em 30% dos casos de adenocarcinoma gástrico, sobretudo nos pacientes com tumores incuráveis, e, portanto, não são úteis na detecção precoce ou nos casos de tumores curáveis cirurgicamente. → Outras opções propedêuticas utilizadas no estadiamento do tumor gástrico incluem a ressonância magnética do abdome, pet-scan, US de abdome e laparoscopia. Correlação do aspecto endoscópico com a possibilidade de invasão linfática → 5.265 pacientes gastrectomizados com dissecção linfonodal para câncer gástrico precoce. Estratificaram as lesões segundo a morfologia, o tamanho, o grau de diferenciação celular e o tipo histológico e correlacionaram com os achados de invasão linfonodal. Observaram que nenhum dos cânceres intramucosos diferenciados, com tamanho ≤ 30 mm, apresentou metástase linfonodal, ao passo que para o mesmo grupo com lesões > 31 mm a metástase linfonodal ocorreu em 1,7% dos casos. Ainda nesse grupo, para as lesões indiferenciadas, a metástase linfonodal variou de 1,3 a 7,3%. Quando o câncer invadiu a submucosa, dependendo do tamanho da lesão, a metástase linfonodal ocorreu em 6,9 a 22,4% dos tumores diferenciados. Entretanto, quando se estratificaram as lesões acometendo até o terço superior da submucosa (Sm1), bem diferenciadas, sem invasão linfovascular, a metástase linfonodal ocorreu em 0,9%. Nesse grupo, nas lesões ≤ 30 mm, nenhuma apresentava metástase linfonodal Endoscópico → O princípio básico para a ressecção endoscópica da neoplasia gástrica superficial é quando a possibilidade de comprometimento linfonodal for mínima ou inexistente. Há diversas técnicas endoscópicas para remoção dessas lesões, mas o desejável é que o espécime seja removido em monobloco, com margens macroscópicas livres e fixado adequadamente para uma avaliação precisa por parte do patologista. Este deverá avaliar a profundidade de invasão da lesão, o grau de diferenciação e se há invasão linfovascular, permitindo, predizer o risco de metástase para linfonodo. Análise final dos dados permitirá ao médico definir se o paciente está adequadamente tratado por endoscopia ou se deverá redirecionar para outro tratamento – mais frequentemente uma gastrectomia com esvaziamento linfonodal seguida ou não de quimioterapia. Cirúrgico → Na ausência de metástase a distância, está indicada a ressecção cirúrgica que constitui a forma eficaz de tratamento com finalidade curativa. Esta inclui a exérese de tumor com margens de segurança proximal e distal, bordas de secção cirúrgica livres de neoplasia e remoção dos linfonodos locorregionais, independentemente de serem suspeitos ou não de acometimento. Inclui, também, a ressecção, em monobloco, de estruturas, órgãos ou segmentos de órgãos eventualmente envolvidos por contiguidade, além da remoção de ambos os omentos, da lâmina anterior do mesocólontransverso e do peritônio pré-pancreático. → A ressecção gástrica, para tornar-se efetiva, deve ser capaz de tratar a disseminação horizontal do tumor, ou seja, aquela que se dá por continuidade na parede gástrica, no esôfago (tumores do terço proximal) e no duodeno (tumores do terço distal). → O respeito a essas margens deve garantir, além da ressecção de todo o tumor primário, a remoção de eventuais lesões acessórias (tumores multicêntricos sincrônicos) e de metástases linfáticas intramurais geralmente circunvizinhas ao tumor principal. → O CG precoce, definido como aquele que se limita à mucosa e submucosa, independente do envolvimento linfonodal, conta com duas possibilidades terapêuticas. A endogastrocirurgia ou a ressecção endoscópica curativa, também chamada de mucosectomia, são indicadas para aqueles bem diferenciados (tipo intestinal), limitados à mucosa e menores que 3cm de diâmetro. O CG precoce que não se enquadra nessa descrição deve ser submetido a tratamento cirúrgico radical, isto é, a gastrectomia com linfadenectomia a D1 (linfonodos perigástricos). A gastrectomia pode ser subtotal em caso de câncer distal ou total em caso de câncer proximal → Os tumores que ultrapassam a submucosa devem ser tratados com gastrectomia e linfadenectomia a D2 (linfonodos extragástricos), que é a mais utilizada no Brasil. Além disso, tumores localmente avançados (com invasão da serosa, invasão de estruturas adjacentes ou metástase ganglionar e sem metástase à distância) podem receber quimioterapia neo- adjuvante ou peri-operatória → A cirurgia radical do CG pode ser realizada tanto por via laparoscópica como por via aberta. Já foi demonstrado que a primeira opção está menos associada a complicações pós- operatórias, dor e perda sanguínea, além de uma mortalidade menos expressiva do que a via aberta em alguns estudos. E a reconstrução do trânsito gastrointestinal é feita pela técnica de Y de Roux, a técnica mais indicada até então → A doença metastática recebe diferentes abordagens de acordo com o estado do paciente, a expectativa de vida, entre outros. Algumas possibilidades são quimioterapia paliativa, radioterapia, cirurgia paliativa de ressecção ou de derivação digestiva,em caso de obstrução do órgão pelo tumor O sistema de estadiamento mais utilizado é o TNM (Tumor, Linfonodos e Metástases) e para seu estabelecimento são necessários exames adicionais. A US endoscópica é utilizada para avaliar a profundidade do tumor e sua relação com estruturas adjacentes e linfonodos peritumorais. A Tomografia computadorizada (TC) de abdome, tórax e pelve possibilitam a visualização de metástases. Além desses, em casos muito avançados, podem ser realizados laparoscopia, citologia do lavado peritoneal e PET-CT (tomografia por emissão de pósitrons) → A sequência carcinogenética de infecção pelo H. pylori → gastrite crônica → atrofia glandular → metaplasia intestinal → displasia → adenocarcinoma do tipo intestinal, constitui o fundamento inicial para os estudos de prevenção do adenocarcinoma gástrico baseado na erradicação do H. pylori. No ser humano, a gastrite crônica ativa reverte ao normal após a erradicação do microrganismo. Entretanto, há dúvidas sobre uma eventual regressão da atrofia gástrica e da metaplasia intestinal, lesões consideradas condições pré-neoplásicas. → Alguns estudos sugerem que a regressão possa ocorrer em pacientes acompanhados por longos períodos, ao passo que outros sugerem que a erradicação da bactéria seja capaz de impedir a progressão das lesões atrófcas e metaplásicas. Vale lembrar que nos pacientes em que a bactéria não é erradicada as lesões progridem ou não se alteram → Um ponto fundamental para o estabelecimento de estratégias de prevenção é a definição exata do ponto, dentro da cascata evolutiva da gastrite crônica, a partir do qual não mais se observa regressão das alterações histológicas com a erradicação do microrganismo. Os resultados obtidos nos diferentes estudos realizados com o objetivo de analisar as alterações histológicas e ocorrência de câncer gástrico após a erradicação do H. pylori mostram que, em relação às condições pré-neoplásicas (atrofia e metaplasia intestinal), a erradicação do microrganismo, embora não tenha promovido a sua regressão, é capaz de impedir a progressão. → A erradicação do H. pylori é capaz de reduzir a incidência de câncer gástrico apenas nos indivíduos sem alterações histológicas (atrofia e metaplasia) prévias. No Brasil, do ponto de vista prático, dentro de uma estratégia de prevenção, deve-se considerar a erradicação de H. pylori em pacientes ou grupos de pacientes com risco aumentado de câncer gástrico, ou seja, pacientes com história familiar de câncer gástrico e após gastrectomia subtotal ou remoção de câncer gástrico precoce por meio de endoscopia ou cirurgia