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Neutropenia febril CONCEITO Embora a quimioterapia (QT) tenha melhorado o prognostico de pacientes com neoplasia, um importante efeito colateral limita o uso de esquemas mais potentes (com maior chance de cura ou controle da doença), a NEUTROPENIA (queda de polimorfonucleados + bastões). Isso deixa o paciente predisposto a infecções principalmente bacteriana, visto que esse tipo de linfócito defende as barreiras mucocutâneas com sua habilidade fagocítica e grande poder contra bactérias e fungos. Obs.: PMF são os neutrófilos maduros, os bastões são as formas jovens e imaturas Pela relação da neutropenia com o risco de infecção, as causas infecciosas correspondiam a 75% das mortes associadas à QT, antes do advento da antibioticoterapia EMPÍRICA → o curso dessas infecções, no neutropênico, costumava ser fulminante, levando à morte em 12-24h em um paciente que até então encontrava- se em regular estado clinico → a neutropenia febril é uma emergência médica! ! • Conceito de febre: temperatura axilar ≥ 37.8 ºC • Conceito de neutropenia: definida quando a contagem de neutrófilo está abaixo de 1.500 células/ mm3 Recomendações práticas: se quando o paciente entrar no serviço de saúde, não possuir resultado de hemograma para confirmar a neutropenia, ou se após a coleta existe previsão de demora de mais de 30 min para o resultado, o paciente deve ser considerado neutropênico se estiver entre o 10o e o 20o dia pós-QT (pois a maioria dos esquemas quimioterápicos atuais induz neutropenia com duração de 2-3 semanas) Isso porque o NADIR da QT (queda máxima de neutrófilos) ocorre aproximadamente 14 dias após o início do ciclo da QT, sendo o ponto mais baixo da curva de contagem de células sanguíneas → dessa forma, se um paciente no D7 pós-QT, por ex., estiver com 65 anos é um fator de risco independente • Sexo feminino: relacionado com o aumento do risco de NF, mas não das complicações por causa da doença • Tipo e estágio da neoplasia: pacientes com neoplasias hematológicas apresentam incidência 5x maior, quanto mais avançado o estágio, maior o risco • Esquema da quimioterapia e intensidade: pacientes que fazem QT + radioterapia apresentam maior risco, aqueles que são imunossuprimidos possuem aumento do risco de infecções por microrganismos atípicos • Episódios prévios de neutropenia ou de NF: aqueles que receberam antibioticoterapia prévia apresentam maior risco de infecções por fungos e microrganismos resistentes • Fatores associados: baixo nível de albumina (coli Streptococcus (graves) Klebisiella Enterococcus fecalis (graves) Enterobactérias Neutropenia febril As infecções fúngicas raramente são a causa de um primeiro episódio febri l no doente neutropênico, geralmente ela ocorre no evoluir da situação clínica do paciente, como a febre persistente ou recorrente após 1 semana de neutropenia Se a duração da neutropenia for prolongada (> 7 dias), o risco de infecções fúngicas aumenta, inicialmente por “leveduras” presentes na microbiota intestinal, como Candida sp., e posteriormente por “bolores” inalados do meio ambiente, como Aspergillus e Fusarium As infecções virais são raras em doentes de baixo risco, já nos de alto risco, são comuns episódios de reativação de vírus herpes simplex 1 e 2 ou varicela-zoster. Inclusive, a reativação da varicela-zoster é muito mais potente, sendo que o paciente pode possuir mais de 2 dermátomos sendo acometidos A fisiopatologia da neutropenia febril decorre de 2 motivos: do efeito da QT no sistema imune e na barreira mucosa do paciente, além de alterações na imunidade relacionados à própria neoplasia de base EFEITO DA QUIMIOTERAPIA A quimioterapia, que visa destruir células tumorais, também afeta as células saudáveis em rápido crescimento, como as células da medula óssea e os queratinócitos (por isso os cabelos caem) isso porque ela não é seletiva. Isso resulta em uma diminuição na produção de células sanguíneas, incluindo os neutrófilos, tipo de linfócito com função de fagocitose e combate principalmente em infecções bacterianas. Por isso, a neutropenia compromete a resposta imune inata, prejudicando a fagocitose e a produção de mediadores inflamatórios (por isso os sinais de inflamação são pouco evidentes nesses pacientes) Além de afetar a produção de células pela medula, os esquemas com a quimioterapia afeta também a barreira mucosa, levando à lesões na mucosa do TGI que resulta em MUCOSITE. O dano direto às células epiteliais leva a uma alteração na produção de peptídeos antimicrobianos que regulavam a flora local, assim, o comprometimento da barreira mucosa acarreta em múltiplas soluções de descontinuidade e abertura de “portas de entrada” para os microrganismos ali presente. O principal efeito é a translocação bacteriana A translocação bacteriana ocorre quando bactérias presentes no intestino, normalmente restritas ao TGI, conseguem atravessar a barreira mucosa e entrar na corrente sanguínea e em outros tecidos. Isso pode levar a complicações sérias, como sepse e inflamação generalizada.Além disso, a quimioterapia também pode afetar negativamente a flora intestinal saudável (microbiota), que desempenha um papel fundamental na manutenção da integridade da barreira mucosa e no equilíbrio do sistema imunológico intestinal. A disbiose, que é um desequilíbrio na composição da microbiota, pode facilitar a translocação bacteriana EFEITO DA PRÓPRIA NEOPLASIA O risco de diferentes tipos de infecção é influenciado pela neoplasia subjacente e pelos déficits imunológicos associados: • Linfomas (defeitos a função de células T): prejudica a produção de anticorpos, destruição dos complexos imunes e levam a um risco aumento de infecções por organismos intracelulares, ou seja, os atípicos. Como mycobacterium tuberculosos, salmonela, listeria monocytogenes etc • Mieloma múltiplo ou leucemia linfocítica crônica: o defeito nas células do sistema imune, principalmente para a produção de anticorpos aumenta o risco de sepse por organismos encapsulados, como: strepto pneumoniae, hemófilos influência, neisseria meningiditis etc • Uso de altas doses de corticoide: desenvolvem maior risco de desenvolver pneumonia pela pneumocystis jirovecii Esther Santos - Medicina Unimontes T77 Infecções fúngicas Infecções virais FISIOPATOLOGIA DA NEUTROPENIA FEBRIL Neutropenia febril Pacientes com neutropenia febril costumam se apresentar sem sinais ou sintomas localizadores, além de febre, em decorrência de incapacidade de desencadear uma resposta inflamatória gerada por neutrófilos. Até mesmo a febre pode não existir, principalmente naqueles pacientes que estiverem recebendo corticosteroides. Importante realizar uma anamnese e exame físico completo, investigando sinais de DOR, ERITEMA, FEBRE, possíveis sítios de infecção (pele, cavidade oral, seios nasais, pulmão, períneo, sítio de inserção do cateter, região perianal etc). A dor e a vermelhidão, mesmo que discretos, devem ser valorizados e ser considerados como provável celulite, assim como meningite pode ocorrer sem pleocitose (aumento de leucócitos no LCR) e ITU sem piúria (presença de leucócitos na urina) ANAMNESE • Saber o tipo de quimioterapia, o tempo da última sessão e a expectativa do NADIR na contagem de neutrófilos • Paciente faz associação com drogas imunossupressoras? • Pesquisar causas não infecciosas da febre (medicações) • Na HP: infecções passiveis de reativação (herpes, varicela- zoster), comorbidades presentes Obs.: Um dado que não pode ser menosprezado é a história de colonização ou infecção prévia documentada por germes multirresistentes ou fungos, assim como a história de hospitalização recente, que também aumenta a chance de colonização por tais germes. Nestas situações é mandatório AMPLIAR O ESPECTRO antimicrobiano do tratamento empírico (cobrindo os referidos germes multirresistentes), especialmente se o paciente estiver instável EXAME FÍSICO No exame físico, deve-se buscar sinais que auxiliem na identificação do foco (pele, cavidade oral, pulmão, períneo, local de inserção do cateter, região perianal), mas também buscar identificar marcadores de gravidade que identifiquem disfunções orgânicas e sepse. Isso porque, como a resposta inflamatória é pouco exuberante, não são incomuns pacientes sépticos sem alterações clínicas sugestivas de resposta inflamatória sistêmica (taquicardia, taquipneia) → assim, a piora do estado geral, alteração do nível de consciência e outros sinais inespecíficos podem ser as únicas manifestações observadas ⚠ # recomenda-se reavaliar o paciente com maior frequência devido à mutabilidade do quadro clínico. Mesmo que ele esteja estável, deve ser reavaliado +1 vez ao dia O reconhecimento de um foco infeccioso é muito importante porque isso pode modificar a duração do tratamento antimicrobiano. Ou seja, se a infecção for identificada, o prazo para o tratamento vai ser o mesmo para tratar a infecção. Porém, se não encontrar o sítio, manteremos o antibiótico até que a neutropenia se resolva • atenção cautelosa para os sinais vitais, pele (incluindo dobras cutâneas, orifícios corporais, locais de infusão intravenosa e locais de biópsia prévia ou feridas – observar sinais de infecção como eritema, induração ou secreção), tratos sinusais, orofaringe, genitália e área anal. Esther Santos - Medicina Unimontes T77 QUADRO CLÍNICO DIAGNÓSTICO • Obs.: pacientes com neutropenia tem um risco aumentado de infecção em qualquer parte do TGI no trato urinário e na pele. Por isso, o TOQUE RETAL, colonoscopia e retossigmoideoscopia devem ser EVITADOS nesses pacientes pelo risco de introduzir bactérias na corrente sanguínea (translocação bacteriana) • EDA e broncofibroscopia acarretam risco relativamente baixo de bacteremia, logo, podem ser realizados Neutropenia febril EXAMES COMPLEMENTARES De acordo com recomendações da Infectious Diseases Society of América (IDSA), os exames complementares inicias incluem (obrigatórios e não obrigatórios): Esther Santos - Medicina Unimontes T77 OBRIGATÓRIOS Hemograma - único exame que confirma o diagnostico (neutropenia) Culturas - hemocultura (2 amostras, mesmo horario, sítios diferentes, antes do antibiótico) - Cultura de sangue refluido do cateter quando presente Função renal e hepática - renal: ureia e creatinina - Hepática: TGO, TGP, BB total e frações Urina rotina e eletrólitos Uteis para definir os agentese comorbidades associadas, para ajuste de dose de terapia NÃO OBRIGATÓRIOS (SÓ SE SUSPEITA) Exames de imagem - raio x de tórax: se sinais de acometimento, HP de doença respiratória, febre > 5 dias - TC de tórax: se não melhorar depois de 5 dias d tratamento ou HP de infec por fungo - US ou TC de abdome: se dor abdominal Punção liquórica Se paciente com alteração nível de consciência Marcadores inflamatorios VHS e PCR não não obrigatórios Neutropenia febril DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Existem outras causas de neutropenia e quase todas NÃO implicam em sérios riscos de infecção e/ou mortalidade, diferentemente do que ocorre em pacientes que fazem QT. De maneira geral, a neutropenia ocorre por 4 motivos: - diminuição na produção de neutrófilos - Granulopoiese ineficaz - Desvio para endotélio vascular - Destruição periférica de neutrófilos Dessa forma, existem diversas causas de neutropenia, tais como: medicamentos (clozapina, tionamidas, suldassalazina), doenças autoimunes (LES), causas congênitas, infecções da cavidade oral (causam neutropenia cíclica em intervalos de 21-21 dias) e doenças da medula óssea (como leucemia) Atualmente, recomenda-se que o PRIMEIRO PASSO na abordagem ao neutropênico febril seja a estratificação do risco. Em função do grau de risco, definiremos a melhor estratégia terapêutica, por exemplo: antibiótico IVxVO, internação hospitalar x tratamento ambulatorial. Existem 2 maneiras igualmente aceitas de se realizar essa tarefa: A primeira é puramente “clínica”, através do reconhecimento de fatores que mostraram aumentar o risco de óbito na neutropenia febril. A segunda se vale de um escore de risco especificamente projetado e validado para tal. ESTRATIFICAÇÃO CLÍNICA ESTRATIFICAÇÃO POR ESCORE DE RISCO Uma maneira mais “formal” de se estratificar o risco de óbito na NF é pelo ESCORE MASCC: um valor 500 em 2 exames consecutivos Definida quando há presença de FEBRE PERSISTENTE depois dos 3-5 dias de tratamento. Quando isso acontecer, a avaliação para infecção FÚNGICA ou bacteriana oculta ou com organismos resistentes deve ser imediata. Tem que ASSOCIAR um antifúngico rapidamente. Ou seja, o tratamento antifúngico “empírico” deve ser iniciado nos pacientes que permanecem ou apresentam recidiva da febre após 4-7 dias de tratamento antimicrobiano ou nos pacientes que se encontram clinicamente instáveis entre o 2o-4o dia de tratamento. Esther Santos - Medicina Unimontes T77 TRATAMENTO NEUTROPENIA FEBRIL ANTIBIÓTICOS QUE COBREM PSEUDOMONAS Penicilinas Ticarciclina e piperacilina (chamadas de penicilinas anti-pseudomonas) - via iV penicilina + inibidor de b-lactamase Ticarcilina + clavulanato OU Piperacilina + tazobactam ambas via IV Cefalosporina de 3 Ceftazidima - via IV Cefalosporina de 4 Cefepima - via IV Monobactâmicos Aztreonam - via IV Carbapenêmicos Imipeném/cilastatina OU meropeném - via IV Quinolonas Levofloxacino OU ciprofloxacino - via ORAL ALTO RISCO (MASCCos bolores (aspergillus) → a droga de escolha nesse caso é o VORICONAZOL - Paciente não recebe fluconazol profilático → possui chance aumentada de infecção pelo fungo candida sp → a ANFOTERICINA B é a droga mais usada, mas pode-se usar voriconazol também USO DE FATORES HEMATOPOIÉTICOS EXÓGENOS O G-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos) é um medicamento que pertence à classe das citocinas, e é utilizado para estimular a produção de neutrófilos. O G-CSF age estimulando a medula óssea a produzir mais neutrófilos, acelerando o processo de maturação e liberação dessas células na corrente sanguínea. Isso ajuda a restaurar os níveis de neutrófilos no sangue e, assim, reduz o risco de infecções em pacientes com neutropenia febril, muitos dos quais são submetidos a tratamentos como quimioterapia. Geralmente NÃO SE RECOMENDA o uso de G-CSF em pacientes com NF No entanto, existem algumas recomendações da sociendade de clínica oncológica americana de 2015 para CONSIDERAR o uso de fatores estimuladores de colônia em: • pacientes de ALTO risco para complicações associadas à infecção OU • Apresentam fatores preditores de desfechos desaforáveis: expectativa de neutropenia profunda (10 dias), + 65 anos, pneumonia, disfunção orgânica múltipla, infecção fúngica invasiva e doença primária não controlada INFECÇÃO DE CATETER VENOSO CENTRAL Na infecção de cateter venoso central, existem 2 locais que mais se infectam: o túnel subcutâneo e seu lúmen • Infecção do Túnel Subcutâneo: Geralmente, a infecção no túnel subcutâneo pode ser identificada pelo exame físico pela presença de sinais flogísticos. Mas, como no paciente neutropênico esses sinais costumam estar ausentes ou atenuados, a inexistência desses sinais não descarta o diagnóstico da infecção • Infecção do Lúmen: A infecção no lúmen do cateter pode ser mais difícil de identificar apenas com base nos sinais clínicos. Por isso, pede-se a HEMOCULTURA do sangue coletado dentro do lúmen do cateter. Sabemos que a fonte de bacteremia é o cateter quando a hemocultura do sangue do seu lúmen se torna positiva > 120 minutos ANTES da hemocultura coletada na veia periférica ao mesmo tempo - isso ocorre porque a concentração de microrganismos nele é maior que a concentração no sangue periférico → encurta o tempo para detecção dos mesmos • O que fazer? Na maioria, recomenda-se a retirada, mas quando se opta pela manutenção, é recomendável que a administração do antimicrobiano seja feita através do lúmen • Como prevenir? Higienizar as mãos antes e depois de manipular o cateter $ % , fazer assepsia e antissepsia rigorosas durante sua implantação e sempre usar a clorexidina como degermante Embora a mortalidade por neutropenia febril tenha diminuído de forma constante, a condição ainda está associada a morbidade e mortalidade consideráveis → aproximadamente 20-30% dos pacientes com neutropenia febril apresentam complicações que requerem tratamento hospitalar. Esther Santos - Medicina Unimontes T77 PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO Neutropenia febril Relatos apontam que a mortalidade relacionada à infecção em pacientes com tumores sólidos é próxima de 2%, já para neoplasias hematológicas, ao redor de 5%. Casos com bacteremia por gram + apresentam menor mortalidade que por gram- (5% vs. 18%, respectivamente). PREVENÇÃO DA NEUTROPENIA FEBRIL • Higienização das mãos com álcool gel $ & (por todos os que lidam diretamente com o doente, antes e depois do contato) é a PRINCIPAL medida preventiva para se evitar a disseminação de germes hospitalares multirresistentes • Cuidados com a pele: eles precisam tomar banho todos os dias, limpando bem a região perineal. Se ele tiver mucosite, tem que manter uma boa higiene oral, enxaguando a boca de 4-6 vezes por dia, com SF ou solução bicarbonato ' & • Nos cuidados de rotina dos pacientes com NF, o uso de barreiras de contato pelos profissionais de saúde (gorro, máscara capote, luva) NÃO é obrigatório. Só se tiver possibilidade de contato com secreções do paciente (banho, IOT etc) ( ) * • Podem ser internados na enfermaria comum (exceto o receptor de transplante de células hematopoiéticas e pacientes com herpes-zoster) • Em relação a dieta do neutropênico, ela deve ser com alimentos bem cozidos + • USP. Medicina de emergência: abordagem prática. 14 ed. • 2020 BMJ Best Practice. Neutropenia febril. 2019 Esther Santos - Medicina Unimontes T77 REFERÊNCIAS