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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Compreender a fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e medidas de prevenção das hepatites virais. 2- Discutir a fisiopatologia, diagnóstico e manejo da insuficiência hepática. 3- Apresentar as medidas preventivas para as infecções sexualmente transmissíveis (IST). 4- Conhecer comportamentos de riscos para acidente ocupacional. Hepatites virais ↠ O termo “hepatite viral” é mais comumente utilizado no contexto do comprometimento hepático por vírus hepatotrópicos, que incluem os vírus das hepatites A, B, C, D e E (KUMAR et. al., 2023). ATENÇÃO: Embora todos esses vírus causem hepatite aguda, eles diferem quanto ao mecanismo de transmissão e ao período de incubação; ao mecanismo, à gravidade e à cronicidade da lesão hepática; bem como à capacidade de evoluir a um estado de portador (NORRIS, 2021). OBS.: Outros vírus podem infectar o fígado, mas este órgão não é nem o local primário de suas replicações, nem o seu alvo principal. Nessa condição, incluem-se o citomegalovírus, o herpes simples, o Epstein-Barr, o vírus da febre amarela e da dengue, assim como outros flavivírus (DANI; PASSOS, 2011). O diagnóstico preciso e precoce desses agravos permite um tratamento adequado e impacta diretamente a qualidade de vida do indivíduo, sendo ainda um poderoso instrumento de prevenção de complicações mais frequentes, como cirrose avançada e câncer hepático (BRASIL, 2018). ↠ A infecção por um vírus hepatotrópico provoca um episódio agudo de inflamação hepática, designada como hepatite aguda (até 6 meses), que pode levar à eliminação espontânea do agente infeccioso ou à sua persistência, que, por sua vez, resulta em infecção crônica (depois de 6 meses) por um subgrupo desses vírus (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: Existem dois mecanismos de lesão hepática com as hepatites virais: agressão celular direta e indução de reações imunes contra os antígenos virais. Os mecanismos de lesão hepática foram estudados com mais detalhes na hepatite B (HBV) e acredita-se que a magnitude da inflamação e da necrose dependa da reação imune do paciente. Desse modo, uma reação imune imediata durante a fase aguda da infecção poderia causar lesão celular, mas ao mesmo tempo erradicar o vírus. Por isso, pacientes que respondem com menos sintomas e reação imune limítrofe têm menos tendência de erradicar o vírus e seus hepatócitos expressam níveis persistentes de antígenos virais, resultando em doença crônica ou estado de portador. A hepatite fulminante poderia ser explicada por uma reação imune acelerada seguida de necrose hepática grave (NORRIS, 2021). OBS.: A evolução clínica das hepatites virais caracteriza-se por algumas síndromes, inclusive infecção assintomática apenas com indícios sorológicos da doença; hepatite aguda; estado de portador sem doença clinicamente evidente ou com hepatite crônica; hepatite crônica com ou sem progressão para cirrose; ou doença fulminante com início rápido de insuficiência hepática. Nem todos os vírus hepatotóxicos causam todas essas síndromes clínicas (NORRIS, 2021). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: As manifestações clínicas das hepatites virais agudas podem ser divididas em três fases: pródromo ou período pré-ictérico, fase ictérica e período de recuperação (NORRIS, 2021). • Período prodrômico podem ter início súbito ou insidioso de mal-estar, mialgia, artralgia, fadiga aos mínimos esforços e anorexia. Também podem ocorrer queixas gastrintestinais como náuseas, vômitos e diarreia ou constipação intestinal. Os níveis séricos de AST e ALT mostram elevações variáveis durante a fase pré-ictérica da hepatite aguda e as alterações destas enzimas precedem a elevação da bilirrubina, que acompanha o início da fase ictérica da infecção. • Quando ocorre, a fase ictérica geralmente começa em 7 a 14 dias depois do período prodrômico. Os pacientes têm hipersensibilidade na região ao redor do fígado, emagrecimento discreto e hemangiomas aracneiformes. Aproximadamente 80% das pessoas com hepatite C aguda são assintomáticas. • A fase de recuperação caracteriza-se por sensação crescente de bem-estar, recuperação do apetite e desaparecimento da icterícia. Em geral, a doença aguda regride gradativamente ao longo de um período de 2 a 12 semanas, com recuperação clínica completa depois de 1 a 4 meses, dependendo do tipo de hepatite. Hepatites Virais e Insuficiência Hepática MARC 11 – “FOI SEM QUERER” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck OBS.: As infecções pelo HBV e HCV podem levar a um estado de portador, no qual o indivíduo não tem sintomas, mas é portador do vírus e consequentemente pode transmitir a doença. Também existem evidências sugestivas de que o HDV possa causar estado de portador, mas isto não ocorre com o HAV. Existem dois tipos de estado de portador: portadores saudáveis, que mostram pouco ou nenhum efeito da doença, e portadores crônicos, que podem ter sintomas ou não. Entre os fatores que aumentam o risco de tornar- se portador estão a idade por ocasião da infecção e estado imune. A taxa de portador das infecções que ocorrem nos primeiros anos de vida (p. ex., filhos de mulheres infectadas pelo HBV) pode chegar a 90%. Outros grupos com risco elevado de tornar-se portadores são pacientes imunossuprimidos, indivíduos que receberam várias transfusões de sangue ou hemocomponentes, pacientes em hemodiálise e dependentes químicos (NORRIS, 2021). Hepatite A ↠ A infecção pelo vírus da hepatite A (HAV) é uma doença autolimitada que não leva à hepatite crônica (KUMAR et al., 2023). ↠ O VHA está classificado na família Picornaviridae como representante único do gênero Hepatovirus (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). ↠ A infecção pelo HAV apresenta distribuição mundial, e as infecções podem ser esporádicas, ou podem ocorrer em surtos epidêmicos. A incidência de casos agudos e a soroprevalência variam de acordo com a higiene, o saneamento, a moradia e os padrões socioeconômicos de determinada região (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ↠ Em geral, o HAV é transmitido por via fecal-oral, com mais frequência diretamente de uma pessoa para outra ou por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes. Já foi relatada a transmissão do vírus por transfusão de sangue, e foram descritos casos isolados de transmissão perinatal aparente (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ATENÇÃO: Os grupos de alto risco para a hepatite A aguda incluem viajantes para países em desenvolvimento, crianças em creches e seus pais, homens que fazem sexo com homens, usuários de substâncias injetáveis, pacientes que recebem derivados do plasma para hemofilia e indivíduos em instituições (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ↠ O período de incubação da hepatite A é de 15 a 45 dias (média de 4 semanas). É nessa fase que temos maior viremia e maior eliminação do vírus nas fezes. O paciente excreta nas fezes o vírus da hepatite A (HAV) 1 a 2 semanas antes do início dos sintomas e essa excreção permanece por 1 a 2 semanas (geralmente 1 semana) após o início das manifestações clínicas (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ Na maioria dos casos, a infecção aguda segue uma evolução leve e que passa despercebida. A incidência de casos ictéricos sintomáticos aumenta com a idade do indivíduo por ocasião da infecção. A hepatite A aguda em adultos exige hospitalização em até 13% dos casos. A hepatite A é a causa mais comum de hepatite colestática recidivante (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). • Na fase prodrômica, os pacientes podem apresentar um quadro viral inespecífico, que tem duração de 1 semana, em média. Nela podemos encontrar fadiga, mal-estar, náuseas, vômitos, redução do apetite, alterações do paladar e do olfato, dores articulares, dores musculares, cefaleia, fotofobia, faringite, tosse, coriza e febre. Esses achados clínicosgeralmente ocorrem 1 a 2 semanas antes do aparecimento da icterícia (ESTRATÉGIAMED). • Após essa primeira fase, tem início a fase ictérica, em que o paciente apresenta icterícia, com ou sem prurido, acolia fecal e colúria e, geralmente, há melhora dos sintomas da fase prodrômica. Os pacientes também podem apresentar rash cutâneo, hepatomegalia, hipersensibilidade hepática, esplenomegalia e linfadenopatia cervical (ESTRATÉGIAMED). ATENÇÃO: É importante frisar que, dentre as hepatites virais, a hepatite A é a que mais tem características colestáticas, justificando o aparecimento de icterícia, colúria, acolia fecal e prurido intenso (ESTRATÉGIAMED). Pacientes com HA podem ter manifestações clínicas extra-hepáticas, que ocorrem por deposição de imunocomplexos, sendo as mais comuns o rash cutâneo e a artralgia. Também podemos encontrar: vasculite leucocitoclástica, artrite, glomerulonefrite, púrpuras, 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck crioglobulinemia, neurite óptica, mielite transversa, miocardite, trombocitopenia e anemia aplástica (ESTRATÉGIAMED) OBS.: A hepatite fulminante (insuficiência hepática aguda e encefalopatia) é rara e ocorre em 0,1 a 0,5% (por sintomas inespecíficos, como mal-estar, astenia, febre baixa, mialgia, dor abdominal, náuseas e vômitos; • Fase ictérica: pode ou não ocorrer após a fase prodrômica; caracterizada pela melhora dos sintomas inespecíficos e piora dos sintomas gastrointestinais, associada ao aparecimento de icterícia, com ou sem os outros achados da síndrome colestática (prurido, colúria e acolia fecal); • Fase de convalescença: ocorre melhora dos sintomas e entende-se que a hepatite aguda chegou ao fim; o paciente pode evoluir com clareamento viral espontâneo e cura ou com cronificação da hepatite B. É importante sabermos que a hepatite B é a hepatite viral com maior risco de evoluir para a forma grave, com hepatite fulminante ou subfulminante. Até 5% dos pacientes com hepatite B aguda podem apresentar quadro de fulminação e esse risco é maior naqueles indivíduos com coinfecção com hepatite D (ou delta), HIV e/ou hepatite C (ESTRATÉGIAMED). Quando a infecção ocorre na vida adulta, 5-10% dos pacientes vão evoluir com doença crônica. Quando ocorre em recém-nascidos, o 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck risco de cronificar é de 90-95%, e quando a contaminação é na criança, esse risco é de 25-50% (ESTRATÉGIAMED). Quando há evolução para doença crônica, há quatro fases evolutivas possíveis: a fase de imunotolerância; imunoeliminação ou imunorreativa; soroconversão ou portador crônico inativo; e fase de reativação (ESTRATÉGIAMED). DIAGNÓSTICO ↠ Inicialmente, após a exposição de um paciente ao HBV, pode ser detectado no sangue o DNA viral (HBV-DNA) em até 1 mês, mas esse teste raramente é realizado na prática clínica para o diagnóstico de hepatite B aguda (ESTRATÉGIAMED). ↠ Após, é possível detectar o antígeno de superfície (HBsAg) e esse, sim, é considerado o primeiro marcador a aparecer. Sua positividade representa infecção pelo HBV e geralmente aparece dentro de 1-2 a 10 semanas (em média, 30 dias) após a infecção, até mesmo antes do aparecimento dos sintomas. O HBsAg está presente em altos títulos após a infecção e é marcador de doença atual. Se permanecer positivo por mais de 6 meses ou 24 semanas, tem-se o diagnóstico de infecção crônica pelo HBV (ESTRATÉGIAMED). ↠ Logo em seguida, o anti-HBc IgM, anticorpo contra o antígeno do core, marca a presença de infecção aguda. Além de ser o marcador da hepatite B aguda, a persistência do anti-HBc IgM é fator preditivo de maior gravidade (ESTRATÉGIAMED). É importante lembrar que o HBcAg não é liberado na corrente sanguínea, então não tem expressão na prática clínica (ESTRATÉGIAMED). ↠ O anti-HBc IgG surge quase simultaneamente ao anti- HBc IgM e pode permanecer positivo por longos períodos, até indefinidamente, mesmo após a cura da doença, como cicatriz sorológica. Esse anticorpo marca o contato com o vírus selvagem da hepatite B (e não da vacina) e não é capaz de conferir imunidade (ESTRATÉGIAMED). ↠ Nesse momento, o HBeAg pode ser observado, indicando a presença de replicação viral. Outro conceito importante que é: a persistência do HBeAg por mais de 3-6 semanas é indicativo de maior risco de cronificar (ESTRATÉGIAMED). ↠ O anti-HBs é o anticorpo contra o antígeno de superfície HBsAg, e só é produzido quando o indivíduo consegue fazer o clareamento viral, espontaneamente ou após tratamento. Ele indica cura da hepatite B e sua presença CONFERE IMUNIDADE. O anti-HBs é também o anticorpo que esperamos após a vacinação efetiva contra a hepatite B, vacina confeccionada a partir de vírus inativo (ESTRATÉGIAMED). COINFECÇÕES: Considerando as formas de transmissão de alguns vírus, é possível que ocorram coinfecções. As principais delas são da hepatite B com a hepatite D ou delta, HIV e/ou hepatite C. Lembre-se de que o vírus da hepatite D depende do HBV para sobreviver e multiplicar- se e pode causar coinfecção ou superinfecção. É importante ter em mente que as coinfecções levam a doenças mais graves, com maior risco de necrose hepatocitária e hepatite fulminante, evolução para doença crônica, progressão para cirrose e carcinoma hepatocelular (ESTRATÉGIAMED). USO DE IMUNOSSUPRESSORES E QUIMIOTERÁPICOS: O vírus da hepatite B acopla-se ao DNA do indivíduo infectado e, mesmo que haja clareamento viral, sempre teremos partícula viral no genoma do hospedeiro. Em algumas situações, mesmo que tenha ocorrido “cura” 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck da hepatite B, há risco de reativação viral. E que situações são essas? Especialmente quando o indivíduo vai ser submetido a imunossupressão grave, seja por uso de medicações como antiCD 20 (rituximabe) e antiCD 52 (alemtuzumab), quimioterapia para neoplasias hematológicas ou transplante de medula óssea. Nesses casos, indivíduos com anti-HBc positivo devem receber profilaxia antes do início do tratamento, independentemente dos níveis de HBV-DNA e mesmo que o HBsAg seja negativo. A profilaxia vai ser realizada idealmente com entecavir, podendo ser usada lamivudina ou tenofovir quando a primeira não está disponível, e deve ser mantido por 6 meses a 1 ano após o término do tratamento (ESTRATÉGIAMED). TRATAMENTO ↠ Aqueles com apresentação de hepatite B aguda benigna, ou seja, sem sinais de gravidade, não necessitam de qualquer tratamento específico ou internação. Eles devem receber tratamento de suporte e devem ser monitorados para avaliar a evolução da infecção. Os pacientes que evoluem com gravidade, aqueles com coagulopatia e/ou icterícia por mais de 14 dias, ou evidências de encefalopatia, caracterizando a hepatite fulminante ou subfulminante, dependendo do tempo de instalação, devem receber tratamento específico, além de internação e monitorização. O tratamento deve ser realizado com as medicações orais disponíveis, tenofovir ou entecavir (ESTRATÉGIAMED, 2024). ↠ Uma parcela pequena dos pacientes vai cronificar a infecção, caracterizada pela persistência do HBsAg por mais de 6 meses. Todos esses pacientes têm indicação de tratamento da hepatite B? A resposta é NÃO! A indicação de tratamento vai depender de características como a presença de replicação viral e evidência de progressão da doença hepática, grau de fibrose e outras questões, como, por exemplo, história familiar de carcinoma hepatocelular (ESTRATÉGIAMED, 2024). ↠ As medicações disponíveis são o interferon peguilado, o tenofovir e o entecavir. O interferon está indicado para aqueles casos de hepatite B crônica replicativa, HBeAg positivo, sem evidências de cirrose hepática ou contraindicações à droga. As outras situações devem ser tratadas com tenofovir, prioritariamente, ou entecavir, em caso de contraindicações à primeira opção (ESTRATÉGIAMED, 2024). VACINAÇÃO: O esquema de vacinação para a hepatite B deve ser feito em todos os indivíduos não imunizados, independentemente de idade ou situação de vulnerabilidade, com 3 doses, a segunda 1 mês e a terceira 6 meses após a primeira, com administração intramuscular. Em recém-nascidos, são administradas 4 doses, a primeira deve ser realizada nas primeiras 12 horas após o nascimento, ainda na maternidade, com vacina anti-hepatite B monovalente, e, em seguida, nas vacinações de rotina de segundo, quarto e sexto mês de vida (faz parte da vacina penta ou hexavalente). Confirmamos a efetividade da imunização com a dosagem do anti-HBs, que, se acima de 10 mUi/mL, confere proteção vacinal por mais de 10 anos. A revacinação está indicada se não há produção de anti-HBs após o esquema completo em algumas situações específicas, como em imunodeprimidos, profissionais de saúde após exposição ao HBV e pacientes em hemodiálise. Se após 2 esquemas completos de 3 doses não houver soroconversão, esse indivíduo é considerado não respondedor e não há indicação de nenhuma dose ou esquema complementar (ESTRATÉGIAMED). PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO:Após a exposição a sangue ou fluidos de indivíduo infectado por HBV ou suspeito, especialmente aqueles com alta viremia, existem algumas situações em que a profilaxia é mandatória. Ela deve ser realizada com imunoglobulina específica anti HBs (HBIg) e vacinação ativa contra o HBV, iniciando-se o esquema com as 3 doses previstas (0-1-6 meses). A imunoglobulina deve ser administrada no prazo de 7 a 14 dias, preferencialmente nas primeiras 24 horas após a exposição de risco (ESTRATÉGIAMED). PROFILAXIA DA TRANSMISSÃO VERTICAL 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck Hepatite C ↠ O vírus da hepatite C (HCV) raramente causa hepatite aguda sintomática, porém constitui a causa mais comum de hepatite viral crônica (KUMAR et al., 2023). Uma das principais causas de cirrose e indicação de transplante hepático no Brasil e no mundo (ESTRATÉGIAMED). ↠ O vírus da Hepatite C (HCV) é um vírus de RNA, pertencente à família Flaviviridae, com transmissão parenteral, ou seja, a partir de sangue e fluidos corporais contaminados (ESTRATÉGIAMED). A RNA polimerase dependente de RNA do HCV não possui atividade revisora; por isso, os isolados do HCV possuem grande variabilidade genética, podendo ser classificados em genótipos e subtipos (BRASIL, 2018). ↠ Nos últimos 20 anos, a principal causa de transmissão do HCV é pelo uso de drogas injetáveis e inalatórias. O vírus da hepatite C fica viável por algumas horas a poucos dias em superfícies não esterilizadas e a transmissão pode ocorrer a partir de instrumentos contaminados, como alicates de cutícula ou lâminas de barbear. O HCV apresenta maior infectividade quando comparado ao HIV, mas é menos contagioso que o vírus da hepatite B. Decore assim: HBV > HCV > HIV (ESTRATÉGIAMED). ↠ A transmissão pela via sexual e perinatal é incomum, representando cerca de 3-10% dos casos. A transmissão sexual ocorre de forma esporádica em relações sexuais desprotegidas e a hepatite C é considerada uma infecção sexualmente transmissível (IST) (ESTRATÉGIAMED). É importante ter em mente que as medicações usadas no tratamento da hepatite C são potencialmente teratogênicas e contraindicadas durante a gestação (ESTRATÉGIAMED). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ A infecção pelo HCV pode cursar com infecção assintomática, infecção aguda sintomática, ictérica ou anictérica, e evoluir para a forma crônica, com risco de progressão para cirrose e carcinoma hepatocelular quando há fibrose avançada e cirrose (ESTRATÉGIAMED). Quando sintomática, a hepatite C aguda é semelhante às outras hepatites virais, apresentando três fases clínicas, a prodrômica, a ictérica e a de convalescença (ESTRATÉGIAMED). OBS.: Hepatite C aguda sintomática é incomum, ocorrendo em até 20% dos pacientes; desses, apenas 25% apresentarão icterícia. Hepatite fulminante pelo HCV é um evento raro, em geral, associado à coinfecção com HIV e/ou hepatite B (ESTRATÉGIAMED). ↠ O período de incubação da hepatite C varia entre 15 e 160 dias, com média de 7 semanas para o início dos sintomas. As transaminases costumam elevar em 2 a 8 semanas após a exposição, antes mesmo do aparecimento de sintomas (ESTRATÉGIAMED). A definição de hepatite C crônica é a persistência do anti-HCV por mais de 6 meses, associado a HCV-RNA positivo por, pelo menos, 6 meses, confirmando a infecção ativa. Quando há fibrose avançada e cirrose hepática instalada, há risco de surgimento do carcinoma 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck hepatocelular, neoplasia maligna primária do fígado mais comum, com prognóstico ruim e alta mortalidade (ESTRATÉGIAMED). DIAGNÓSTICO ↠ Em relação à sorologia da hepatite C, existe apenas um anticorpo: o anti-HCV. Esse anticorpo surge quando o indivíduo entra em contato com o vírus da hepatite C e não confere imunidade, ou seja, uma vez curado da hepatite C, após tratamento ou espontaneamente, o paciente pode ser novamente contaminado, mesmo com anti-HCV positivo (ESTRATÉGIAMED). IMPORTANTE: O diagnóstico da hepatite C deve ser feito com a dosagem da carga viral (HCV-RNA). Se positiva, aí sim seremos capazes de dar um diagnóstico de hepatite C atual (ESTRATÉGIAMED). A biópsia é o método padrão-ouro para o diagnóstico do grau de fibrose e inflamação no fígado, mas cada vez menos precisamos realizá-la no paciente com hepatite C. Lembre-se de que, como acabamos de ver, o diagnóstico da infecção é realizado a partir da testagem do anti-HCV e da carga viral (ESTRATÉGIAMED). Alguns requisitos são necessários para que a biópsia seja realizada com maior segurança. São eles: doença hepática compensada, plaquetas > 60.000/mm3 e tempo de protrombina > 50% (ESTRATÉGIAMED). Dispomos atualmente de vários métodos não invasivos para avaliação da fibrose hepática e a biópsia fica reservada para casos de dúvida diagnóstica. Os métodos não invasivos mais utilizados em nosso meio são a elastografia hepática e o APRI e FIB-4, cálculos simples realizados a partir da dosagem das transaminases e plaquetas. Esses métodos têm excelente acurácia para diagnosticar ou excluir a fibrose avançada e cirrose (ESTRATÉGIAMED). TRATAMENTO O tratamento da hepatite C aguda deve ser considerado não apenas pela sua capacidade de prevenir a infecção crônica pelo HCV, que pode ter graves sequelas clínicas, mas também em razão da associação da viremia do HCV ao risco de transmissão do vírus para outras pessoas, particularmente as que estão em grupos de alto risco. Embora 20 a 50% dos pacientes eliminem o vírus de maneira espontânea sem tratamento, o tratamento imediato é custo-efetivo, visto que proporciona taxas mais elevadas de eliminação do vírus, principalmente porque os pacientes assintomáticos tendem a ter menor adesão ao acompanhamento rigoroso necessário para o seu monitoramento para a instituição de tratamento tardio no momento apropriado (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ↠ Atualmente, TODO paciente com diagnóstico de hepatite C tem indicação de tratamento, independentemente do grau de fibrose, inflamação ou qualquer outro fator. Isso faz parte do Plano de Eliminação da Hepatite C no Brasil, que tem como objetivo a ampliação do diagnóstico e do tratamento. A meta é a eliminação da hepatite C do Brasil até 2030 (ESTRATÉGIAMED). ↠ O objetivo primário do tratamento é a erradicação do vírus do organismo e a cura, atingindo a resposta virológica sustentada (RVS). O que é a RVS? É a carga viral negativa 12 ou 24 semanas após o término do tratamento. Essa diferença tem relação com a modalidade de tratamento. Em tratamentos à base de interferon peguilado, a RVS ocorre após 24 semanas de tratamento e 12 semanas após os tratamentos sem interferon, com os antivirais de ação direta (DAA) (ESTRATÉGIAMED). ↠ Em geral, está indicado o tratamento com os antivirais de ação direta, em esquema duplo, por 8 a 24 semanas. São drogas orais muito eficazes e bem toleradas (ESTRATÉGIAMED). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck Hepatite D ↠ O HDV, que é um vírus satélite do HBV, só pode ser transmitido para pacientes que apresentam infecção aguda ou crônica pelo HBV. Genoma de RNA circular de fita negativa e simples (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ↠ A infecção pelo vírus da hepatite D pode ocorrer em dois cenários. Podemos ter a coinfecção e a superinfecção (ESTRATÉGIAMED). • Coinfecção: a infecção pelos vírus da hepatite B e hepatite D ocorre simultaneamente. Os pacientes, geralmente, apresentam-se com hepatite aguda benigna e 95% dos casos evoluem com recuperação espontânea e completa. • Superinfecção: a infecção pelo vírus da hepatite D ocorre em indivíduo já infectado pelo vírus da hepatite B. Os casos, em geral, são mais graves e têm pior prognóstico. A insuficiência hepática aguda pode ocorrer em até 20% dos casos e a cronificação ocorre em até 79% dos pacientes. Essas complicaçõesocorrem, pois a pré-existência do vírus da hepatite B aumenta, consideravelmente, a replicação do vírus da hepatite D. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ No diagnóstico, alguns indivíduos podem apresentar-se sem sintomas (assintomáticos) enquanto outros apresentam-se com sinais e sintomas típicos de uma hepatite viral aguda (febre, icterícia, mal-estar, náuseas, vômitos e colúria). Os casos mais graves podem evoluir com cirrose e hepatocarcinoma (ESTRATÉGIAMED). ↠ A febre de Lábrea é uma forma grave de hepatite D, que se associa à alta mortalidade. Nesses casos, temos hepatite fulminante e uma forma íctero-hemorrágica que evolui com necrose hepatocelular e células em mórula (células com infiltração gordurosa) no exame histopatológico. Essa condição foi descrita, inicialmente, no Brasil, na cidade de Lábrea, no Amazonas e também é chamada de hepatite espongiocitária (ESTRATÉGIAMED). DIAGNÓSTICO ↠ O diagnóstico da doença baseia-se na detecção do anti-HDV (aparece quatro semanas após a infecção) e na confirmação com a dosagem do HDV-RNA, para detecção do genoma viral. O HDV-RNA também pode ser usado para monitoramento do tratamento (ESTRATÉGIAMED). TRATAMENTO ↠ O tratamento pode ser feito com alfapeginterferona 2a e/ou um análogo de nucleosídeo (tenofovir ou entecavir) (ESTRATÉGIAMED). PREVENÇÃO: A maneira mais efetiva de prevenção da infecção pelo HDV é a vacinação contra HBV, visto que os indivíduos que estão protegidos contra o HBV não podem ser infectados pelo HDV. Em portadores crônicos de HBsAg, medidas de higiene e precauções comportamentais padrões devem ser praticadas para evitar a superinfecção pelo HDV (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). Hepatite E ↠ O vírus da hepatite E (HEV) é uma infecção transmitida entericamente pela água, cuja ocorrência se dá principalmente em jovens e adultos de meia-idade (KUMAR et al., 2023). ↠ O vírus da hepatite E (HEV) é um vírus RNA, endêmico na Ásia, África e Oriente Médio. O vírus mede de 27 a 34 nm, é esférico, não tem envoltório e pertence à família Hepeviridae (ESTRATÉGIAMED). Na América Latina, já houve uma epidemia de hepatite E, no México. No Brasil, casos foram descritos na Bahia, Mato Grosso e Amazônia (ESTRATÉGIAMED). Há quatro genótipos do vírus da hepatite E. Os genótipos 1 e 2 (hepatite E epidêmica) infectam apenas humanos e são comuns na África e Ásia, causando epidemias nesses locais. Os genótipos 3 e 4 (hepatite E autóctone) infectam animais, principalmente, os suínos, mas também podem infectar humanos, vacas, golfinhos, macacos e ursos (ESTRATÉGIAMED). ↠ A principal via de transmissão da hepatite E é a fecal- oral, como a hepatite A. Ocorre, principalmente, por 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck ingestão de água ou alimento contaminado (ESTRATÉGIAMED). OBS.: Ainda há dúvidas se a hepatite E pode ou não ser transmitida pelo aleitamento materno. Sendo assim, as mulheres com hepatite E aguda são orientadas a não amamentarem seus filhos (ESTRATÉGIAMED). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ O período de incubação da doença varia de 15 a 60 dias, com média de 40 dias. O vírus é eliminado nas fezes uma semana antes do aparecimento dos sintomas, com redução considerável da viremia uma semana após o início da icterícia (ESTRATÉGIAMED). ↠ No diagnóstico, os pacientes podem estar assintomáticos. Outros podem apresentar sintomas inespecíficos. Os sintomas típicos de hepatite aguda (icterícia, colúria e acolia fecal) ocorrem em 20% dos casos, principalmente quando ocorre em adultos jovens. Os pacientes com hepatite E (principalmente por genótipos 3 e 4) também podem apresentar sintomas extra-hepáticos, sendo os mais comuns: hemólise, anemia aplásica, tireoidite, glomerulonefrite, pancreatite, mielite transversa, meningoencefalite, meningite, pseudotumor cerebral, síndrome de Guillain-Barré, paralisia de nervos cranianos e neuropatia periférica (ESTRATÉGIAMED). DIAGNÓSTICO Devemos suspeitar de hepatite E em todo paciente com achados clínicos e/ou laboratoriais típicos de uma hepatite aguda ou crônica, com sorologias negativas para hepatite A, hepatite B, hepatite C, vírus Epstein-Barr e citomegalovírus, e em indivíduos com sintomas após viagem para regiões endêmicas (ESTRATÉGIAMED). Os pacientes com hepatite E aguda, em geral, apresentam aumento das transaminases (podem estar > 10 vezes o limite superior da normalidade) e das bilirrubinas. O aumento das transaminases, normalmente, coincide com o início dos sintomas. A normalização dos exames laboratoriais, comumente, ocorre entre uma a seis semanas após o início da doença (ESTRATÉGIAMED). ↠ Para o diagnóstico, devemos solicitar o anti-HEV IgM. Em caso de positividade para esse teste, orienta-se a confirmação com a dosagem do anti-HEV IgG sérico e/ou pesquisa do RNA viral, no sangue ou nas fezes. É importante ressaltar que os testes disponíveis têm sensibilidade e especificidade variáveis e não há padronização dos métodos sorológicos utilizados (ESTRATÉGIAMED). O anti-HEV IgM já pode estar positivo na fase inicial da doença, permanecendo reagente por quatro a cinco meses. Em casos de alta suspeita clínica e anti-HEV IgM negativo, orienta-se a solicitação do RNA-HEV. A presença de RNA-HEV positivo, no sangue ou nas fezes, por mais de seis meses, define a hepatite E crônica (ESTRATÉGIAMED). A insuficiência hepática aguda ocorre em 0,5 a 4% dos pacientes com hepatite E, sendo mais comum em grávidas e em hepatopatas (ESTRATÉGIAMED). Em áreas endêmicas, gestantes possuem risco maior de hepatite fulminante, principalmente, se forem infectadas no terceiro trimestre da gestação. A taxa de mortalidade por hepatite E aguda na gestação varia de 15 a 25%. As gestantes desnutridas possuem risco maior de evoluir com insuficiência hepática aguda (ESTRATÉGIAMED). TRATAMENTO ↠ A hepatite crônica ocorre, quase que exclusivamente, em pacientes imunodeprimidos. Em alguns casos, a simples redução da dose do imunossupressor é capaz de erradicar o vírus (negativação do RNA-HVE por 12 semanas), em até 30% dos casos. Se o paciente usar tacrolimus, esse deve ser o primeiro medicamento a ter a dose reduzida (ESTRATÉGIAMED). ↠ Para os pacientes que não usam imunossupressor ou que não podem reduzir a dose da medicação, a ribavirina pode ser usada. A dose recomendada é de 600 a 1.000 mg/dia, em duas doses diárias (ESTRATÉGIAMED). Os indivíduos que viajarão para áreas endêmicas devem ser orientados quanto aos cuidados no consumo de água e alimentos. Devem evitar a ingestão de água de natureza desconhecida, assim como o consumo de carnes e frutos do mar mal cozidos e vegetais crus (ESTRATÉGIAMED). Insuficiência Hepática Aguda ↠ A insuficiência hepática aguda é definida como lesão hepática de menos de 26 semanas de duração, razão normalizada internacional de 1,5 ou mais e alteração do 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck estado mental na ausência de doença hepática crônica, exceto doença de Wilson, hepatite B de aquisição vertical ou hepatite autoimune (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). OBS.: A lesão hepática aguda grave sem encefalopatia hepática tem menos probabilidade de evoluir para a insuficiência hepática com necessidade de transplante se estiver relacionada com a toxicidade do paracetamol, em comparação com outras causas (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). ETIOLOGIA ↠ As hepatites virais e as hepatites por medicamentos, principalmente o uso de altas doses de acetominofeno (paracetamol) são as principais causas de hepatite fulminante no mundo (ESTRATÉGIAMED). • No Brasil, a hepatite B é a principal causa. • O uso de altas doses de paracetamol (acetominofeno) é a principal causa de hepatite fulminante nos Estados Unidos. Em doses terapêuticas (até 4 g ao dia) essa complicação é rara, a não ser que o indivíduo tenha hepatopatia prévia. A hepatite fulminantepor paracetamol geralmente ocorre quando há um consumo de mais de 12 g ao dia. Isso acontece porque há saturação das enzimas que metabolizam o medicamento. Com essa saturação enzimática, o metabolismo passa a ser feito pelo citocromo P450, gerando metabólitos tóxicos para o fígado. Esses pacientes geralmente apresentam aumento importante dos níveis séricos de transaminases, com níveis entre 4.000 e 5.000 UI/L e hiperbilirrubinemia, com níveis de bilirrubina entre 4 e 6 mg/dl (ESTRATÉGIAMED). Diferentemente do paracetamol, que causa hepatotoxicidade dependendo da dose, alguns medicamentos podem causar insuficiência hepática por reações idiossincrásicas (independentemente da dose). Os medicamentos que mais se associam a essa complicação são os antibióticos, os anti-inflamatórios e os anticonvulsivantes (ESTRATÉGIAMED). A hepatite isquêmica pode causar hepatite fulminante. A hipoperfusão hepática pode ocorrer em pacientes com: hipotensão, sepse, disfunção cardíaca, síndrome de Budd-Chiari, doenças veno-oclusivas e uso de drogas, como a cocaína (ESTRATÉGIAMED). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ Além dos sinais e sintomas típicos da encefalopatia, os pacientes também podem apresentar: fadiga, mal-estar, letargia, anorexia, náuseas, vômitos, dor no quadrante superior direito, prurido, icterícia, ascite, taquicardia, hipotensão, febre, acidose metabólica, edema cerebral e insuficiência renal (ESTRATÉGIAMED). OBS.: A hepatite fulminante pode evoluir com edema cerebral e aumento da pressão intracraniana, que é a principal causa de morte nesses pacientes. Esse edema é clinicamente aparente quando a pressão intracraniana é maior que 30 mmhg e é mais comum nos pacientes com encefalopatia graus III e IV (ESTRATÉGIAMED). DIAGNÓSTICO ↠ Todo indivíduo com alteração do estado mental, dor no quadrante superior direito e icterícia deve ser investigado para hepatite fulminante (ESTRATÉGIAMED). ATENÇÃO: O diagnóstico é confirmado quando encontramos início recente e agudo de encefalopatia hepática, alargamento do tempo de protrombina (≥ 1,5) e aumento das transaminases em pacientes previamente hígidos (sem doença hepática prévia) e que apresentaram injúria hepática aguda nas últimas 26 semanas (ESTRATÉGIAMED). 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck A redução dos níveis séricos de transaminases pode indicar melhora espontânea ou piora, já que pode ser um sinal de perda importante da massa de hepatócitos. Se a queda das transaminases coincidir com aumento das bilirrubinas, é um sinal de gravidade (sinal do X- não tem mais parênquima hepático para elevar as enzimas) (ESTRATÉGIAMED). Outros sinais de melhora são: redução dos níveis séricos de bilirrubina e melhora do tempo de protrombina/RNI. O aumento progressivo desses três parâmetros laboratoriais indica piora do quadro clínico (ESTRATÉGIAMED). Exames de imagem ↠ A tomografia computadorizada pode mostrar o fígado menos denso que a musculatura esquelética. As alterações hepáticas dependem da etiologia da hepatite fulminante. Podemos encontrar obstrução das artérias hepáticas na síndrome de Budd-Chiari, parênquima heterogêneo e nodular na cirrose (ESTRATÉGIAMED). ↠ A tomografia ou a ressonância magnética nuclear do crânio podem mostrar sinais sugestivos de edema cerebral, com redução do tamanho dos ventrículos e atenuação da intensidade do sinal do parênquima cerebral (ESTRATÉGIAMED). Biópsia ↠ A biópsia está indicada nos casos duvidosos, quando não se consegue identificar a causa da hepatite fulminante. A biópsia pode ser útil para o diagnóstico de doenças malignas, hepatite autoimune, doença de Wilson e hepatite por herpes simples. A presença de necrose em mais de 75% dos hepatócitos é sinal de evolução desfavorável se o transplante não for realizado (ESTRATÉGIAMED). TRATAMENTO ↠ Muitos pacientes necessitarão de transplante hepático, por isso os pacientes com hepatite fulminante devem ser tratados em centros que disponibilizem esse tipo de tratamento. Aproximadamente 40% dos pacientes evoluem com melhora espontânea, não necessitando de transplante hepático (ESTRATÉGIAMED). • Os indivíduos com encefalopatia hepática grau I podem ser internados em enfermaria. Esses pacientes devem ser avaliados a cada 2 horas e, em caso de piora da encefalopatia, devem ser transferidos para a unidade de terapia intensiva. • Durante a internação, recomenda-se a avaliação diária das transaminases e das bilirrubinas. O coagulograma, o hemograma e a gasometria arterial podem ser realizados de 3 a 4 vezes ao dia, dependendo da necessidade. • Os pacientes devem receber ressuscitação volêmica, pois comumente encontram-se desidratados. Por outro lado, a hiper-hidratação deve ser evitada, pois pode piorar o edema cerebral. • Também se recomenda o uso de inibidor de bomba de prótons ou bloqueador H2 para prevenção de hemorragia do trato gastrointestinal. • Os pacientes com hepatite fulminante têm risco aumentado de infecções, principalmente infecções respiratórias e urinárias. Por isso, devem ser acompanhados de perto. • A terapia nutricional consiste em uma dieta normoproteica (deve-se evitar dietas hipoproteicas). Uma dieta com 60 gramas de proteína por dia geralmente é suficiente. A alimentação oral pode ser oferecida aos pacientes com encefalopatia graus I e II. Os pacientes com encefalopatia graus III e IV devem receber dieta por via enteral ou parenteral. A decisão de indicação do transplante hepático depende da probabilidade de melhora espontânea do paciente. Interessante comentar que a etiologia se associa a maior ou menor chance de melhora espontânea (ESTRATÉGIAMED). 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck Os seguintes fatores associam-se a pior prognóstico (menor chance de melhora espontânea) na insuficiência hepática aguda: (ESTRATÉGIAMED). • Grau da encefalopatia: quanto maior o grau, pior o prognóstico. • Idade 40 anos. • Etiologia: hepatite B, hepatite autoimune, doença de Wilson, síndrome de Budd-Chiari e câncer. No tratamento da encefalopatia da insuficiência hepática crônica, a lactulona é o medicamento de primeira escolha. Na hepatite fulminante, o uso da lactulona é controverso, pois parece não trazer benefícios (ESTRATÉGIAMED). O edema cerebral não é comum em pacientes com encefalopatia hepática graus I e II. Essa complicação ocorre em 25 a 35% dos indivíduos com encefalopatia grau III e em até 75% dos que evoluem com encefalopatia grau IV. O edema cerebral é a principal causa de morte em pacientes com insuficiência hepática aguda. Essa complicação pode causar hipertensão intracraniana, isquemia cerebral e herniação do tronco cerebral. Algumas medidas, como elevação da cabeceira da cama a 30º, reduzir a agitação do paciente, evitar estímulos (como passagem de sonda nasogástrica e aspiração traqueal) e o uso de salina hipertônica, podem prevenir o aumento da pressão intracraniana (ESTRATÉGIAMED). Um balanço hídrico adequado é essencial, pois a hiper-hidratação aumenta a pressão intracraniana, enquanto a depleção de volume causa redução de pressão de perfusão cerebral. Os indivíduos que evoluem com hipertensão intracraniana devem ser tratados, tendo como objetivo manter a pressão intracraniana menor que 20 a 25 mmHg e a pressão de perfusão cerebral acima de 50 a 60 mmHg. As duas principais estratégias de tratamento são o uso de manitol e a hiperventilação (ESTRATÉGIAMED). O transplante hepático é o tratamento mais efetivo para o edema cerebral. Lembre-se de que a hipertensão intracraniana é contraindicação ao transplante (ESTRATÉGIAMED). Transplante hepático ↠ Os critérios do King’s College são usados para indicar o transplante nos casos de hepatite fulminante (ESTRATÉGIAMED). Após o transplante, a taxa de sobrevida é de 80% em 1 ano. A maioria das mortes após o transplante ocorremnos 3 primeiros meses e, geralmente, por sepse ou complicações neurológicas (ESTRATÉGIAMED). Medidas preventivas para as ISTs ↠ As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) são um importante problema de saúde pública em todo o mundo, tanto pela sua alta prevalência quanto pela forma de transmissão (SANARMED). ↠ A prevenção depende muitas vezes de intervenções não só assistenciais como comportamentais, educacionais e até socioculturais (SANARMED). ↠ O uso da camisinha (masculina ou feminina) em todas as relações sexuais (orais, anais e vaginais) é o método mais eficaz para evitar a transmissão das IST, do HIV/aids e das hepatites virais B e C. Serve também para evitar a gravidez (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2023). Acidente ocupacional ↠ Os trabalhadores da saúde que assistem pacientes, direta ou indiretamente, realizando habitualmente procedimentos em instituições e serviços de saúde, são profissionais sob risco de sofrer acidentes de trabalho ou adquirir doenças ocupacionais por manipulação de sangue e fluidos corporais e uso de materiais perfurocortantes (BRASIL, 2020). ↠ Segundo Duarte (2018), os acidentes ocupacionais com exposição a material biológico ou perfurocortante potencialmente contaminados são capazes de transmitir diversos tipos de agentes patogênicos, entre os quais os mais comumente envolvidos são HBV, HCV e HIV (BRASIL, 2020). ↠ O risco de transmissão ocupacional após exposição a material biológico é variável e envolve diversos fatores, como: o tipo de acidente, o tamanho e a gravidade da lesão, a presença de sangue envolvido, as condições clínicas do paciente-fonte e o uso correto da profilaxia pós-exposição. Em geral, o risco de infecção por HIV pós- exposição ocupacional com sangue contaminado é de aproximadamente 0,3%. No caso de exposição ao HBV, o risco de infecção varia de 6 a 30%, e relação ao HCV, o risco de transmissão é em torno de 1,8 a 10% (BRASIL, 2020). OBS.: Evitar o acidente e a exposição ocupacional a material biológico ou perfurocortante é a principal medida para a prevenção de transmissão das infecções por HBV, HCV e HIV. No entanto, o atendimento adequado pós-exposição e a prévia imunização contra a hepatite B são itens importantes para um programa de intervenção dessas infecções e componentes significativos para a proteção no trabalho (BRASIL, 2020). 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck De acordo com a Portaria nº 1.748/2011, os materiais perfurocortantes “são aqueles utilizados na assistência à saúde, que têm ponta ou gume, ou que possam perfurar ou cortar”, como por exemplo, agulhas e lâminas de bisturi. Um acidente com perfurocortante provoca uma exposição percutânea (ou seja, atravessa a pele), podendo expor o acidentado a um material biológico (como o sangue), que apresenta capacidade de carregar consigo vários tipos de patógenos (MEDWAY). ↠ As exposições consideradas de risco de transmissão ocupacional do HIV, do HBV e do HCV são definidas como: (BRASIL, 2020). • Exposições percutâneas: lesões provocadas por instrumentos perfurantes e/ou cortantes (por exemplo: agulhas, bisturis, vidrarias etc.). • Exposições em mucosas: quando há respingos na face envolvendo olhos, nariz, boca. • Exposições cutâneas na pele não íntegra, por exemplo, contato com pele com dermatite ou feridas abertas. • Mordeduras humanas: consideradas como exposição de risco quando envolvem a presença de sangue. CONDUTAS APÓS O ACIDENTE ↠ O trabalhador acidentado deve lavar imediatamente o local exposto com água e sabão ou degermante, nos casos de exposição percutânea ou cutânea sem escarificar. O uso de antissépticos não é contraindicado. É contraindicado o uso de soluções irritantes (éter, glutaraldeído, hipoclorito de sódio), assim como realizar procedimentos que ampliem a área exposta. Nas exposições de mucosas, deve-se lavar exaustivamente com água ou solução salina fisiológica (BRASIL, 2020). Avaliação do acidente ↠ A avaliação do acidente consiste em: (BRASIL, 2020). • Identificar o material envolvido: sangue, fluídos orgânicos potencialmente infectantes, fluídos orgânicos potencialmente não infectantes. • Tipo de acidente: perfurocortante, contato com mucosa, contato com pele não íntegra. • Conhecimento da situação sorológica da fonte: fonte comprovadamente infectada, fonte exposta à situação de risco, fonte desconhecida, material biológico sem origem estabelecida. Orientações e acolhimento do trabalhador acidentado • Orientar o trabalhador acidentado quanto ao risco de transmissão de agentes patogênicos em razão do acidente, assim como a possível indicação de quimioprofilaxia (28 dias completos de uso de antirretrovirais) e os efeitos colaterais por ela provocados. • Orientar e solicitar autorização por escrito para realização de exames sorológicos, e comprometê-lo com seu acompanhamento no período de seis meses ou outro prazo que for recomendado • Reforçar a prática de biossegurança e as precauções básicas em serviço, bem como a prevenção secundária (nos casos de exposição ao HIV, o trabalhador acidentado não deve realizar atividade sexual sem proteção pelo período de seguimento, principalmente nas primeiras doze semanas pós- exposição). Deve também evitar doação de sangue, plasma, órgãos, tecidos e sêmen. • Orientá-lo a informar imediatamente ao médico do trabalho ou ao infectologista o aparecimento de sintomas, tais como linfoadenopatia, rash, dor de garganta, sintomas de gripe. • No caso de gênero feminino, deve-se evitar a gravidez e suspender o aleitamento materno. Avaliação do status sorológico da fonte ↠ O paciente-fonte deve ser avaliado quanto à infecção por HIV, HBV ou HCV imediatamente após a ocorrência do acidente. Em vista disso, é fundamental, orientar, informar e solicitar a ele a autorização de coleta de sangue e o preenchimento do Termo de Consentimento Informado. (BRASIL, 2020). ↠ Serão realizados os exames: (BRASIL, 2020). • Teste rápido para HIV; antígenos de superfície do HBV (HBs Ag); anticorpos da classe IgM contra o antígeno do núcleo do HBV (anti-HBc IgM); anti-HCV; anti-HIV. Em caso de recusa ou impossibilidade de realizar os exames, deve-se considerar o diagnóstico médico, os sintomas e a história de situações de risco para aquisição de HIV, HBC e HCV (BRASIL, 2020). Caso a fonte seja desconhecida, levar em conta as probabilidades clínica e epidemiológica de infecção por HIV, HBV e HCV, analisando a prevalência de infecção naquela população, o local onde o material perfurocortante foi encontrado, o procedimento ao qual ele esteve associado, a presença ou não de sangue, entre outros pontos que sejam pertinentes (BRASIL, 2020). https://www.anamt.org.br/portal/2011/03/03/portaria-no-1-748-de-30-de-agosto-de-2011/ 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck Avaliação do status sorológico do trabalhador acidentado ↠ Verificar a situação vacinal do trabalhador acidentado para hepatite B e a comprovação de imunidade por meio de anticorpos contra o antígeno de superfície do HBV (anti-HBs). Coletar sorologia para HIV, HBV e HCV (BRASIL, 2020). ↠ Serão realizados os exames: (BRASIL, 2020). • Teste rápido para HIV; HBs Ag; anti-HBs; anti- HCV; anti-HIV. ↠ Nos casos (BRASIL, 2017) em que seja indicada a profilaxia pós-exposição (PEP), coletar também: (BRASIL, 2020). • Hemograma; ureia; creatinina; aspartato aminotransferase (AST); alanina aminotransferase (ALT), amilase, glicemia. Indicação de profilaxia pós-exposição ↠ A PEP, quando indicada, deve ser iniciada o mais rápido possível, dentro das duas primeiras horas e, no máximo, até 72 horas após o acidente. É mais efetiva quando é iniciada mais precocemente. A duração da quimioprofilaxia é de 28 dias (BRASIL, 2020). • Tenofovir (TDF) + lamivudina (3TC) + dolutegravir (DTG). ↠ O acompanhamentoclinicolaboratorial do trabalhador acidentado em uso de PEP deve levar em consideração os seguintes fatores: a toxidade dos antirretrovirais a possibilidade do diagnóstico de infecção aguda pelo HIV, a avaliação laboratorial (incluindo testagem para o HIV em 30 e 90 dias após a exposição), a manutenção de medidas de prevenção da infecção pelo HIV (BRASIL, 2020). Condutas ao acidente com exposição ao HBV ↠ As recomendações estão sujeitas ao status sorológico do paciente-fonte e dos níveis de anti-HBs do trabalhador acidentado (BRASIL, 2020). 16 Júlia Morbeck – @med.morbeck Condutas ao acidente com exposição ao HCV ↠ Recomenda-se realizar testagem para hepatite C no paciente-fonte e no trabalhador acidentado. O diagnóstico precoce da soroconversão possibilita a intervenção na fase aguda da transmissão pelo HCV, a fim de reduzir o risco de progressão para hepatite crônica, principalmente nos casos em que o paciente não apresenta sintoma. Em caso de identificação precoce da infecção pelo HCV, o trabalhador acidentado deve ser informado sobre a possibilidade de tratamento e encaminhamento para um serviço de saúde de referência (BRASIL, 2020). Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2018. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Grupo GEN, 2023. DANI, Renato; PASSOS, Maria do Carmo F. Gastroenterologia Essencial, 4ª edição. Grupo GEN, 2011. NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia. Grupo GEN, 2021. GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman-Cecil Medicina. Grupo GEN, 2022. VEROSENI-FOCACCIA. Tratado de infectologia, 5ª edição. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. BRASIL. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Protocolo para acidente de trabalho com material biológico ou perfurocortante / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro: INCA, 2020.