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4 Pontos essenciais: - Conduta na fase aguda; -Implicações crônicas. 1. Introdução A ingestão de agentes corrosivos e o seu contato com o tubo digestivo alto levam ao quadro agudo da lesão cáustica, o qual pode evoluir cronicamente para estenose. A maioria dos pacientes envolvidos com esse tipo de aci- dente recupera-se sem seqüelas; no entanto, lesões graves podem determinar complicações sucessivas e até óbito na fase aguda. Até 1/3 dos pacientes que sofreram lesões cáusticas do esôfago evolui com estenose, gerando um quadro de disfagia e desnutrição. A população mais acometida por esse tipo de afecção são as crianças, devido à ingestão acidental. Em adultos, geralmente, é fruto de tentativa de suicídio ou descuido. As mulheres são mais suscetíveis que os homens. Em adolescen- tes e adultos, pelo fato de a ingestão não ser acidental, ocorre em volumes maiores, tendo como conseqüência maior po- tencial para provocar lesões graves. 2. Fisiopatologia As substâncias corrosivas mais comumente ingeridas são a soda cáustica (hidróxido de sódio) e a potassa cáustica (hi- dróxido de potássio). As substâncias alcalinas fortes são reconhecidamente as mais corrosivas e destroem, predominantemente, as áreas recobertas por epitélio escamoso (orofaringe e esôfago). No entanto, podem-se encontrar, também, lesões gástricas asso- ciadas à ingestão de tais substâncias. O contato desses álcalis com tecidos orgânicos provoca intensa reação físico-química, Estenose cáu com desnaturação de proteínas e gordura, que determina, em última instância, uma necrose liquefativa. O calor liberado nesse processo pode agravar a lesão tecidual. Normalmente, são lesões que atingem até planos profundos. Os ácidos fortes também provocam lesões graves; porém, como não são rotineiramente usados em produtos industriais de limpeza, a freqüência dessas lesões é menor. O epitélio escamoso é mais resistente à ação de ácidos, que acabam gerando lesões mais graves no estômago. Os ácidos determi-' nam necrose de coagulação com precipitação de proteínas, formando uma carapaça que impede a progressão da lesão em profundidade. Outras substâncias que podem levar a lesões corrosivas são alguns antibióticos (doxiciclina), cloreto de potássio, sul- fato ferroso e quinidina. A gravidade da lesão cáustica é determinada pelo tipo, quantidade e forma (sólida ou líquida) da substância ingerida e pelo tempo de contato da substância com o TGI. 3. Alterações anatomopatológicas As lesões podem ser classificadas em superficiais e pro- fundas. As primeiras manifestam-se por edema, eritema, formação de bolhas ou pequenas úlceras isoladas, e as últi- mas compreendem as ulcerações circunferenciais, podendo envolver toda a espessura da parede, configurando uma per- furação. - Fase aguda: edema nas primeiras horas, seguido de deli- mitação da lesão nas formas de erosões ou úlceras; -Após a 1ª semana: desprendimento de áreas de necrose e processo regenerativo local; -Segunda semana: diminuição do processo inflamatório e início do processo de fibrose, que termina por volta da 6ª semana . •• MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA iMedcel Importante: Dependendo da profundidade da lesão, podem ocorrer, na fase aguda, perfuração esofágica ou reações periesofágicas que determinam retrações e aderência de órgãos adjacentes. Os locais mais suscetíveis a lesão (em virtude da relativa demora do trânsito) incluem o esôfago superior na altura do cricofaríngeo, o esôfago médio na impressão broncoaórtica e o esôfago distal imediatamente proximal ao esfíncter esofá- gico inferior. A estenose, em geral, ocorre em lesões mais ex- tensas e se processa a partir da 6ª semana. - Fase aguda Dor nos lábios, boca e laringe + sialorréia IIlngestão decorrosivos Queimadura Lqurruca r Dor retroesternal, disfagia, ~ odinofagia, náuseas e vômitos Figura 1-Progressão sintomática após ingestão de corrosivos Nesta fase (de 7 a 10 dias), a alimentação oral é impossí- vel, e é recomendado aporte alimentar alternativo. Passada a fase aguda, a maioria dos indivíduos volta a se alimentar gradativamente; no entanto, uma pequena parcela volta a apresentar disfagia após 6 semanas, quando se inicia a rea- ção cicatricial no esôfago. Após a estenose, o paciente tende a desenvolver desnu- trição e desidratação progressiva, salvo quando orientado adequadamente na fase aguda. A maioria dos casos de este- nose acontece no 1/3 médio do esôfago, seguido pelo esôfa- go proximal e, por último, pelo esôfago dista!. Lesões que acometem somente a mucosa e a submu- cosa do esôfago raramente evoluem com estenose, ao passo que a lesão da camada muscular, sobretudo a lesão esofágica extensa e circunferencial, evolui com estenose e disfagia grave e de difícil tratamento. 4. Diagnóstico É importante a caracterização da ingestão de substância corrosiva, associada ao quadro clínico dramático de dor, sia- lorréia e odinofagia, e é muito importante a determinação do tipo de agente ingerido e da sua quantidade. Pode haver difi- culdade respiratória, indicando aspiração do agente. Os exames subsidiários no lQ atendimento não fornecem maiores informações. As radiografias do tórax e do abdome podem mostrar sinais que sugiram complicações, como as perfurações. A endoscopia digestiva alta é o melhor exame para verifi- carmos a magnitude da lesão e pode ser feito já nas primeiras .- 48h. Avalia a extensão e a gravidade da lesão aguda e de- termina quais os pacientes que merecem atenção redobrada, diferenciando-os daqueles que podem ser tratados em am- bulatório. O EED não é recomendado na li! semana, porém é mui- to útil nas fases mais tardias, após 4 a 6 semanas, quando o paciente já pode deglutir líquidos. Sua finalidade é detectar a localização e a extensão das lesões estenóticas esofágicas e diagnosticar possíveis lesões no piloro e no antro gástricos, que podem também sofrer estenose. 5. Complicações A -Imediatas Edema de laringe, traqueobronquite, pneumonite, he- morragia, mediastinite, fístula traqueobrônquica e aorto- esofágica; essas 3 últimas são muito graves e potencialmente fatais. B - Tardias Podem ocorrer estenose esofágica ou estenose antropíló- rica, esta última mais em decorrência da ingestão de ácidos fortes; hérnia hiatal decorrente do encurtamento esofágico pela reação cicatricial, com conseqüente desenvolvimento de doença do refluxo gastroesofágico importante; e carcinoma espinocelular em portadores de estenose cáustica de longa evolução, com elevação do risco em 1.000 vezes, geralmente de 20 a 30 anos após o evento agudo. Não podemos nos esquecer das complicações psicosso- ciais, em relação a paciente que receberá tratamento ambu- latorial por toda a vida, e a casos graves, que, muitas vezes, já apresentavam doença psiquiátrica de base, pois tentaram suicidar-se. 6. Tratamento Ingestão cáustica: Avaliar substância ingerida, história médica pregressa Se sinais de obstrução da via aérea: via aérea definitiva Solicitar RX de tórax e abdome e exames gerais. Iniciar hidratação f-------j e analgesia I Clinicamente estável: IEDASuspeita de perturação?Confirmação radiológica por TC Lesão Minima ou ausente: acompanhamento ambulatorial Clinicamente estável, lesão minima: tratamento conservador Lesão Grave: Passagem de SNE e tratamento hospitalar Lesão maior, sinais de sepse: cirurgia de urgência Figura 2 - Conduta na fase aguda da lesão cáustica Medcel ESTENOSE CÁUSTICA A - Medidas clínicas Medidas caseiras, como oferecer leite, substâncias ácidas iluídas (vinagre}, líquidos oleosos com o intuito de neutrali- ::ar a substância alcalina não têm valor comprovado e devem ser evitadas. Deve seriniciado jejum por 24 a 48h associado a idratação ou Nutrição Parenteral Total (NPT). O uso de substâncias eméticas é contra-indicado, pois ode reexpor o esôfago e a faringe às substâncias corrosivas. sondagem nasogástrica para remoção da substância do es- :ômago também não deve ser utilizada, pois pode ocasionar ômitos e evoluir com perfuração do esôfago/estômago, en- fraquectdos pela lesão corrosiva. Agentes neutralizantes tam- ouco devem ser utilizados, pois a neutralização forma calor, ue pode agravar a lesão. Analgésicos e sedativos devem ser prontamente iniciados, orincipalmente para as crianças, e o acompanhamento psiquiá- ico deve ser solicitado para aqueles que tentaram o suicídio. O tratamento agudo depende da profundidade da lesão. :::mpacientes com lesões superficiais, pode ser iniciada inges- tão líquida, evoluindo para alimentação normal em 24 a 48h. aqueles com lesões ulceradas maiores ou necrose, deve-se - troduzir dieta enteral por sonda nasoentérica, após 24h do acidente, associada a suporte clínico. Nos casos de necrose, evem-se observar possíveis sinais de perfuração por, no mí- "limo, 1 semana. E antibióticos profiláticos e uso de corticói- es estão altamente contra-indicados. B - Tratamento conservador das estenoses As dilatações podem ser realizadas pela técnica ante- -ógrada ou retrógrada quando se dispõe de gastrostomia. A ilatação anterógrada é realizada com a passagem de sondas sucessivamente de maior calibre, de acordo com resistência encontrada e com o cuidado de se evitar perfuração. Os proce- imentos são ambulatoriais e repetidos semanal ou quinzenal- mente. Para os portadores de lesões mais extensas em que as ilatações não são possíveis ou devem ser repetidas em inter- valos muito_curtos de tempo (em um período de 6 a 8 meses L indíca-se o tratamento cirúrgico. c - Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico é dividido em tratamento de emer- gência ou tratamento de complicações tardias. O primeiro deve ser realizado quando há necrose ou per- uração na fase aguda ou perfuração após dilatação endos- ópica. Nos casos de necrose extensa ou de perfuração do esôfa- go, este deve ser removido, sem a realização de toracotomia (esofagectomia total trans-hlatal), seguido de esofagostomia, gastrostomia ou jejunostomia com drenagem ampla do abdo- me e do mediastino. Não se deve tentar conservar o órgão, pois trata-se de esôfago doente. O diagnóstico de perfuração é realizado a partir do qua- dro clínico de dor torácica, hematêmese e sepse e de exames radiológicos, como o raio x de abdome e tórax, mostrando pneumoperitônio ou pneumomediastino. A endoscopia tam- bém pode ser empregada nesse sentido. As lesões pequenas e bloqueadas, ou seja, sem maiores repercussões clínicas, podem ser tratadas de forma conser- vadora, com antibioticoterapia, jejum e NPT, desde que os pacientes estejam estáveis e não apresentem piora clínica. Após a resolução do quadro agudo de perfuração, progra- ma-se a reconstituição do trânsito alimentar por meio de esofagocoloplastia retroesternal. O tratamento das complicações tardias como refluxo gas- troesofágico, câncer e estenose cáustica do esôfago deve ser realizado de preferência em instituições com experiência em cirurgia do esôfago e nos casos de estenoses cáusticas. O refluxo gastroesofágico ocorre devido à retração eso- fágica pelo processo cicatricial, especialmente se a ingestão do corrosivo ocorrer na infância. O tratamento com dilata- ções prolongadas pode piorar o quadro e reativar o processo inflamatório e de fibrose do esôfago, podendo determinar recidiva da disfagia. Os sintomas de pirose e disfagia que re- cidivam podem sugerir o quadro de refluxo, que é confirma- do por meio de exames contrastados (EED) e de endoscopia. ' A disfagia intensa e a intratabilidade clínica do refluxo com bloqueadores H+ e procinéticos determinam o tratamento cirúrgico, que pode ser feito através da confecção de válvula anti-refluxo (fundoplicatura) ou da ressecção do esôfago nos casos de estenose grave. Nos casos de ressecção, a preferên- cia é não realizar toracotomia, exceto nos pacientes em que se constatam aderências e retrações mediastinais decorren- tes da ação dos corrosivos. Os pacientes desenvolvem câncer porque o esôfago é sub- metido a processo inflamatório crônico após a lesão cáustica, o qual se perpetua devido ao reflexo instalado e aos proce- dimentos de dilatação. Assim, está predisposto a desenvolver carcinoma epidermóide. Contudo, raramente, pode-se encon- trar adenocarcinoma associado à estenose cáustica. Tal situa- ção está presente em casos de esôfago de Barrett secundário ao refluxo. A suspeita do surgimento de neoplasia é a recidiva da disfagia 20 a 30 anos após a ingestão do corrosivo, e a con- duta frente a tal situação obedece à conduta de tratamento do câncer de esôfago. É interessante destacar que, quando o esôfago não é ressecado, mas fica fora do trânsito alimentar (casos de co- loplastia retroesternal), as chances de desenvolvimento de neoplasia diminuem bastante. Outro dado interessante é que o câncer de esôfago que surge após estenose cáustica parece ter melhor prognóstico do que o que surge no esôfa- go não-lesado. Isso pode ser explicado pela grande fibrose local que antecipa o sintoma de disfagia e evita a dissemina- ção local da doença. MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA Na estenose cáustica do esôfago, os sintomas principais são a disfagia e a sialorréia. Nesses pacientes, é comum o encon- tro de pneumonias de repetição devido às aspirações freqüen- tes. O diagnóstico da estenose é obtido, principalmente, por 2 métodos: EEDou EDA. O primeiro demonstra a extensão da estenose de característica inflamatória, sem falhas de enchi- mento abrupto, e estuda a viabilidade do uso do estômago no tratamento cirúrgico. Já o último demonstra a viabilidade da mucosa da faringe e do esôfago proximal à estenose. A princi- pal técnica cirúrgica nesses pacientes é a esofagocoloplastia, pela possibilidade de manutenção do reservatório gástrico, e de não se necessitar ressecar o esôfago. O estômago pode ser utilizado para substituir o esôfago, porém deve estar preservado de lesões cáusticas. Já o jejuno dificilmente é utilizado, devido à limitação que a arcada vas- cular impõe para que tal segmento intestinal atinja o esôfago proxírnal, D - Resultado do tratamento cirúrgico da estenose cáustica do esôfago por esofagocoloplastia A mortalidade com interposição do cólon é de 3 a 7%. O índice de fístulas de anastomose cervical fica entre 20 e 25% nas anastomoses esofagocólicas. A anastomose na fa- ringe, ou seja, faringocólica, tem índices menores de fístu- Ias devido a melhor vascularização local (em torno de 5%). Os índices de bons resultados para deglutição são de 80 a 90%. A deglutição e o trânsito através do cólon transposto ocorrem por ação preferencial da gravidade, sendo raras as contrações. iMedce
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