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trução verbal que dava à posição da ruptura o valor de sinal ainda não influenciava a agudeza da sensibilidade visual das crianças pequenas, ela exercia influência substancial nas crian- ças em idade igual e superior a 5-6 anos. As crianças que, sob as condições do teste indiferente distinguiam a posição da ruptura do círculos de Lamdoldt apenas a uma distância de 200-300cm, captavam a posição dessa ruptura a uma dis- tância de 310-320em quando se dava a essa posição valor de sinal correspondente. Esses experimentos, que mostram o quanto a atribuição de valor de sinal ao estímulo pode aguçar a sensibilidade. são de grande importância psicológica, constituindo um exem- plo da extraordinária plasticidade que existe no funciona- mento dos órgãos dos nossos sentidos e varia dependendo da importância do estímulo. . . O aumento da sutileza da sensibilidade sob a influên- cia do significado do indício perceptível pode ocorrer tanto na sensibilidade absoluta quanto na relativa. Sabe-se que a discriminação dos matizes da cor, das mudanças signifícan- tes do tom ou das mínimas variações gustativas pode tornar- se acentuadamente aguda como resultado de atividade pro- fissional. Foi estabelecido que os pintores podem distinguir de 50 a 60 matizes do negro; os fundidores de aço distinguem os matizes mais sutis do fluxo incaridescente de metal, Que indicam mudanças mínimas de impurezas estranhas, cuja dis- tinção é inacessível a observador de fora. É sabido que su- tileza pode atingir a discriminação de nuances gustativas en- tre os degustadores, que são capazes de determinar a marca do vinho ou do tabaco pelos mínimos matizes da degusta- ção, chegando às vezes até a dizer de que lado do desfiladei- ro> foi cultivada a uva usada para o preparo de um deter- minado vinho. Por último, sabe-se a que sutileza pode che- gar a capacidade dos músicos para distinguir os sons; eles se tomam capazes de captar variações de tons absolutamente imperceptíveis para o ouvinte comum. Todos esses fatos demonstram que, sob as condições do desenvolvimento de formas complexas de atividade conscien- te, a agudeza ,da sensibilidade absoluta e da diferencial pode mudar substancialmente, e que a inclusão desse ou daquele indício na atividade consciente do homem pode, em limites consideráveis, mudar a agudeza dessa sensibilidade, 11 Percepção A atividade perceptiva do homem. Características gerais ATÉ AGORA examinamos as formas mais elementares de reflexo da realidade, os processos através dos quais o homem reflete indícios particulares do mundo exterior ou os sinais que indicam o estado do seu organismo. Vimos que esses processos, que são as fontes básicas da informação que o homem recebe dos meios exterior e ln- terior, são executados por órgãos dos sentidos pertencentes a modalidades distintas; esses órgãos receptores pertencem aos grupos dos intero, próprio e extero-receptores, dividin- do-se o último grupo, por sua vez, em dois subgrupos de re- ceptores de contato (tato, paladar) e receptores de distân- cia (olfato, visão e audição). Vimos ainda que os proces- sos de percepção dos indícios do mundo exterior e do meio interno podem distribuir-se em níveis variados e apresentar complexidade diversa. À forma protopática estruturalmente 36 J7 mais elementar de sensibilidade pertencem antes de tudo o olfato e o paladar, bem como as formas mais simples de sensibilidade tátil; à forma de sensibilidade epicrítica estru- turalmente mais complexa pertencem a visão, a audição e os tipos mais complexos de atividade tátil. Vimos, por último, que os processos de reflexo de in- dícios particulares que atuam sobre o homem a partir do meio exterior ou interior ou os processos das sensações po- dem ser objetivamente medidos; tomamos conhecimento dos meios de medição da sensibilidade absoluta e relativa e dos fenômenos da variação dessa sensibilidade. .Nada do que falamos no capítulo anterior foi além dos limites do estudo das formas mais elementares de reflexo ou dos limites do estudo de elementos particulares de reflexo do mundo exterior ou interior. Mas os processos reais de re- flexos do mundo exterior vão muito além dos limites das for- mas mais elementares. O homem não vive em um mundo de pontos luminosos ou coloridos isolados, de sons ou conta- tos, mas em um mundo de coisas, objetos e formas, em um mundo de situações complexas; independentemente de ele perceber as coisas que o cercam em casa, na rua, as árvores e 'a relva dos bosques, as pessoas com quem se comunica, os quadros que examina e os livros que lê, ele está invariavel- mente em contato não com sensações isoladas mas com ima- gens inteiras; o reflexo dessas imagens ultrapassa os limites das sensações isoladas, baseia-se no trabalho conjunto dos órgãos dos sentidos, na síntese de sensações isoladas e nos complexos sistemas conjuntos. Essa síntese pode ocorrer tan- to nos limites de uma modalidade (ao analisarmos um qua- dro, reunimos impressões visuais isoladas numa imagem inte- gral) como nos limites de várias modalidades (ao perceber- mos uma laranja, unimos de fato impressões visuais, táteis e gustativas e acrescentamos os nossos conhecimentos a respei- to da fruta). Somente como resultado dessa unificação é que transformamos sensações isoladas numa percepção integral, passamos do reflexo de indícios isolados ao reflexo de obje- tos ou situações inteiros. . Seria profundamente errôneo pensar que esse processo de transição de sensações relativamente simples a sensações complexas é um simples processo de soma de sensações iso- 38 lada ou, como costumam dizer os psicólogos, o resultado de simples "associações" de indícios isolados. Em realidade, o processo de percepção (ou o reflexo de objetos inteiros ou situações) é bem mais complexo. Esse processo requer que se discriminem do conjunto de indícios atuantes (cor, forma, propriedades táteis, peso, sa- bor, etc.) os indícios básicos determinantes com a abstra- ção simultânea de indícios inexistentes. Requer a unificação do grupo dos principais indícios e o cotejo do conjunto de indícios percebidos e despercebidos com os conhecimentos an- teriores do objeto. Se no processo dessa comparação a hi- pótese do objeto proposto coincidir com a informação que chega, ocorrerá a identificação do objeto e o processo de per- cepção deste se concluirá; se como resultado dessa compa- ração não ocorrer a coincidência da hipótese com a informa- ção que realmente chega ao sujeito, a procura da solução adequada continuará enquanto o sujeito não encontrá-Ia, nou- tros termos, enquanto ele não identificar o objeto ou não incluí-Ia em determinada categoria. Na percepção de objetos conhecidos (um copo, uma gar- rafa, uma mesa), esse processo de identificação do objeto ocorre com muita rapidez, bastando ao homem unir dois-três indícios perceptíveis para chegar à solução adequada. Na percepção de objetos novos ou desconhecidos, o processo de sua identificação é bem mais complexo e assume formas bem mais desenvolvidas. Imaginemos que o homem examina um dispositivo his- tológico desconhecido para a obtenção de delicadíssimos cor- tes de tecidos: o micrótomo. Inicialmente ele percebe uma complexa construção instalada numa pesada base de ferro fundido, em seguida distingue partes metálicas isoladas e pode ter a súbita impressão de tratar-se de uma balança. No entanto ele não vê os pratos indispensáveis à balança ou as escalas que representam o peso. Ele continua a examinar esse objeto desconhecido até que seus olhos distinguem a su- perfície plana do aparelho e uma lâmina muito afiada. En- tão ele pode lembrar-se de que viu algo semelhante numa mercearia e que esse aparelho era empregado para cortar presunto ou salame em fatias finas. Somente depois disto a lâmina aguda, contígua à superfície metálica, torna-se indí- cio determinante e o sujeito começa a formar a idéia de que 39o objeto percebido tem relação com os instrumentos de cor- te cujas hélices micrmétricas parecem assegurar uma regu- Iação precisa da espessura dos cortes. Deste modo, a per- -cepção plena do objeto surge como resultado de um com- plexo trabalho de análises e síntese, que ressalta os indícios essenciais e inibe os indícios secundários, combinando os de- talhes percebidos num todo apreendido. É a esse processo complexo de reflexo de objetos ou situações inteiras que em Psicologia se chama sensação. Vê-se facilmente que a sensação é o processo complexo e ativo que às vezes requer um considerável trabalho de análise e síntese. Eis porque a percepção, num grau ainda menor do que a sensação, pode ser considerada reflexo passivo da realida- de, registro passivo da informação que chega ao organismo. Esse caráter complexo e ativo da percepção manifesta- se em toda uma série de indícios que requerem uma análise especial. O processo de informação não é, de modo algum, o resultado da simples excitação dos órgãos dos sentidos e da simples chegada ao córtex cerebral das excitações que sur- gem nos receptores periféricos (a pele, os olhos). No pro- cesso de percepção estão sempre incluídos componentes mo- tores em forma.de apalpação do objeto, de movimento dos olhos que distingue os pontos mais informativos, de emis- são de sons correspondentes que desempenham papel essen- cial no estabelecimento das peculiaridades mais importantes -do fluxo sonoro. Ainda abordaremos essa tese básica quando analisarmos os diversos tipos de percepção. Por isso é mais correto considerar o processo de percepção como atividade receptara do sujeito. A seguir o processo de percepção está intimamente liga- ·do à reanimação dos remanescentes da experiência anterior, à comparação da informação que chega ao sujeito com as -concepções anteriores, ao cotejo das ações atuais com as con- cepções do passado, com a discriminação dos indícios essen- -ciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da in- formação que a ele chega e com a sintetização dos indí- cios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de deci-' são) a respeito da categoria a que pertence o objeto per- 40 ~, ~ ceptível. Noutros .termos, a atividade receptara do sujeito se assemelha aos processos' de pensamento direto e essa seme- lhança será tanto maior quanto mais novo e mais complexo for o objeto perceptível. Por isto é natural que a atividade perceptiva quase nunca se limita a uma modalidade mas compreende o resul- tado do trabalho conjunto dos vários órgãos dos sentidos (analisadores) em cujo processo formaram-se as concepções do sujeito. Por último é essencial, ainda, a circunstância .de que o processo de percepção do objeto nunca se realiza em nível elementar e sua composição tem sempre como inte- grante o nível superior de atividade psíquica, particularmen- tea fala (discursá). O homem não contempla simplesmente os objetos ou lhes registra passivamente os indícios. Ao discriminar e reu- nír os indícios essenciais, ele sempre designa pela palavra os objetos perceptíveis, nomeando-os, e deste' modo apreende- Ihes mais a fundo as propriedades e as atribui a determina- das categorias. Ao perceber o relógio e norneá-Io mental- mente com essa palavra, ele abstrai indícios secundários corno li cor, o tamanho, a forma e põe em destaque o traço funda- mental representado no nome relógio, destaca a função de indicar o tempo (as horas); ao mesmo tempo, ele situa o objeto perceptível em determinada categoria, separa-o de ou- tros objetos exteriormente semelhantes mas pertencentes a outras categorias (o telefone, por exemplo, que também tem mostrador com os respectivos números mas sua função é in- teiramente distinta). Tudo isso torna a confirmar a tese se- gundo a qual a atividade receptor a do sujeito pode, pela es- trutnra psicológica, aproximar-se do pensamento direto. O cá- ráter complexo e ativo da atividade receptara do homem leva a uma série de' particularidades da percepção humana que pertencem, no mesmo grau, a todas as formas dessa per- cepção; , . O primeiro traço peculiar da percepção consiste em seu caráter ativo e imediato. Como já lembramos, 'a percepção do homem é mediada pelos seus conhecimentos anteriores; decor- rentes da' experiência 'anterior e constitui uma complexa ativi- dade de análise e síntese que compreende' a criação da hipó- tese do caráter do objeto perceptível e a decisão acerca da correspondência do objeto perceptível a essa hipótese. 41 A segunda peculiaridade da percepção do homem consis- te 'em seu caráter material e genérico. Corno já indicamos, o -homem percebe não só o conjunto de indícios que lhe che- gam mas também analisa esse conjunto como um objeto de- terminado, não se limitando a estabelecer os traços indicado- res desse objeto mas sempre atribuindo-o a certa categoria, considerando-o "relógio", "mesa", "edifício", "animal", etc, Esse caráter generalizado da percepção evolui com a idade e o desenvolvimento mental, tornando-se cada vez mais níti- do e refletindo o objeto perceptível com profundidade cada vez maior, englobando todo o grande número de traços essen- ciais que caracterizam o objeto e as conexões e relações em que este entra. A terceira peculiaridade da percepção humana consiste em sua constância e correção (ortoscopicidade). A experiên- cia com objetos nos dá uma informação bastante precisa das suas propriedades fundamentais; sabemos que o prato é re- dondo, que a caixa de fósforo é retangular, que o lírio é branco. o rato é pequeno e o cavalo é grande. Esse conhecimento anterior do objeto incorpora-se à sua percepção direta e torna esta mais constante e mais correta (ortoscópica); compreende certa correção às peculiaridades que a percepção do objeto pode adquirir em condições va- riáveis. É fato conhecido que se girarmos um prato para o qual o sujeito está olhando, a marca desse objeto na retina muda- rá, assumindo paulatinamente um caráter oval ou até de um retângulo alongado; mas continuamos por muito tempo a per- ceber a forma que muda a posição do prato como "redondo" fazendo a respectiva correção do conhecimento real da forma desse objeto. . O mesmo ocorre na percepção da cor. É sabido que um pedaço de carvão colocado num ambiente de iluminação cla- ra, reflete mais raios luminosos do que um pedaço de papel branco ao crepúsculo. No entanto continuamos a perceber o carvão como negro, corrigindo imediatamente a impressão imediata que muda em decorrência da .situação, Em suma, a última peculiaridade da percepção humana consiste em ser ela móvel e dirigível. O processo de atividade perceptiva é sempre determi- nado pela tarefa que se coloca diante do sujeito. Ao examí- 42 ~ I I ! y, !f ~. nar um quadro, visando a determinar o método de trabalho do pintor, o homem ignora o conteúdo e destaca a maneira da distribuição da tinta no, quadro; propondo-se a tarefa de determinar o tempo a que pertence o quadro, ele destaca as maneiras do desenho, a roupa dos personagens representados, a forma arquitetônica dos edifícios; tentando analisar a ima- gem do quadro ou o acontecimento nele representado, ele amplia o círculo de informações que vai recebendo e analisa todo o quadro em conjunto; ao contrário, propondo-se a ta- refa de captar a mímica das pessoas representadas no qua- dro, ele restringe aparentemente o volume de sua percepção e se concentra em detalhes isolados do quadro. É natural que esse determinismo da' percepção pela ta- refa que se coloca diante do homem ou do seu objetivo tor- na a percepção elástica e dirigível, e essas peculiaridades da percepção .humana dependem altamente do papel que na ati- vidade receptora desempenha a experiência prática do su- jeito e o seu discurso interior, que permite formular e mudar as tarefas. É perfeitamente compreensível que tudo isto distingue essencialmente a atividadereceptara do homem da percepção do animal, que, apesar de toda a sua mobilidade, carece das qualidades dirigíveis e arbitrárias que caracterizam à ativida- de .perceptíva consciente do homem. Todas as referidas peculiaridades da atividade receptara do homem permitem compreender melhor as condições das quais ela depende. É natural que a percepção correta dos complexos obje- tos não depende apenas da precisão do funcionamento dos nossos órgãos. dos sentidos mas também de várias outras con- dições essenciais. Situam-se entre estas a experiência ante- rior do sujeito e a amplitude de profundidade das suas con- cepções, a tarefa a que ele se propõe ao analisar determina- do objeto, o caráter ativo, coerente e crítico da sua atividade receptora, a manutenção dos movimentos ativos que inte- gram a atividade receptara, a capacidade de reprimir a tempo as hipóteses do significado do objeto perceptível se estas não corresponderem à informação afluente. A complexidade do desempenho perceptivo 'ativo permite explicar também as falhas que se verificam na percepção da 43 criança nas etapas tenras do desenvolvimento bem como as peculiaridades do distúrbio da percepção que podem surgir nos estados patológicos do cérebro. Essas peculiaridades po- dem assumir cara ter variado dependendo do elo da atividade receptora insuficientemente desenvolvido ou perturbado. Assim, a insuficiente agudez da sensibilidade (visual ou auditiva) pode acarretar erros de percepção que, não obstan- te, podem ser compensados com êxito com o emprego de aparelhos de reforço da sensibilidade ou pela concentração da atenção 'do sujeito. As falhas, relacionadas com a distorção da síntese dos indícios perceptíveis (verificadas na afecção das zonas ter- darias e sintéticas do córtex cerebral), podem levar a que alguns indíciosrdo Objeto visível continuem a ser bem perce- bidos' enquanto o sujeito se mostra incapaz de perceber o objeto no' conjunto e é forçado a fazer angustiantes conjetu- ras tentando descobrir o que pode significar a combinação dos indícios por ele percebidos. É inteiramente distinto o caráter das falhas da percepção durante a perturbação do processo de percepção ativo. Nes- tes casos, todo o complexo processo de discriminação dos in- dícios essenciais do objeto e a' comparação da hipótese que surge com á informação que realmente chega pode ser per- turbado e o homem pode limitar-se a fazer suposições impul- sivas do significado do objeto perceptível com base nos indí- cios particulares deste e, às vezes, com base em detalhes mais nítidos ou que mais saltam à vista, sem comparar a sua hi- pótese com a informação que recebe nem corrigir as suas conjeruras verrôneas, • Por último, podem adquirir novamente outro caráter as falhas da percepção nos casos em que o objetivo do homem adquire inércia patológica e ele começa a perceber não o que corresponde às peculiaridades do objeto que atua sobre ele quanto o que ele espera ver e que corresponde aos seus obje- tivos inertes preconcebidos. Algumas Iormas de engano da percepção, que ocorrem em determinados grupos de doentes com patologia cerebral, adquirem justamente esse caráter, Analisamos as teses mais gerais, da psicologia da ativida- de perceptiva do ,homem e agora podemos passar ao exa- me de algumas formas isoladas de percepção humana. 44 I1I 1I 'Ir, II1 1 111 11 I/li II II 1/; I ~i 'i' II~, I1II 111 Ilil ~ e o sujeito se revela incapaz de descrever um tema integral em desenvolvimento, incluindo nesses quadros partes não re- presentadas em quadros isolados. O estudo da avaliação dos .quadros temáticos e de suas séries é amplamente empregado na prática e na Psicologia clínica.l Desenvolvimento da percepção material i Seria incorreto pensar que, desde o início, a percepção tem as leis que observamos no adulto. Como mostraram as pesquisas, a percepção percorre um longo caminho de desenvolvimento. A essência desse desen- volvirnento consiste não tanto no enriquecimento quantitativo quanto na profunda reorganização qualitativa cujo resultado é a substituição das formas elementares imediatas por uma complexa atividade perceptiva, constituída tanto pela atividade prática de conhecimento do objeto quanto pela análise das particularidades essenciais deste, análise essa que é feita com a participação imediata do discurso. É sabido que a percepção de um bebê é muito difusa e ele percebe não tanto os objetos destacados quanto os seus traços difusos particulares (matizes, traços expressivos, etc.). Por isto as reações do bebê diante do mundo depende em alto grau de um sorriso, uma pose ou da maneira como a mãe está vestida, etc. Há fundamentos para se pensar que as pri- meiras percepções constantes dos objetos começam a formar- se na criança no processo em que ela agarra, manipula as coisas, etc. No entanto os vestígios do estágio difuso tenro de desenvolvimento da -percepção ainda persistem durante um tempo bastante longo. Como mostraram as pesquisas do psicólogo soviético G. L. Rosengardt-Punko, a criança de 1,5-2 anos continua a dis- tinguir no objeto traços isolados, sem revelar a constância da percepção do objeto que é própria da percepção dos adultos. Quando se pede a uma criança para trazer um brinquedo como o urso de pelúcia que lhe foi mostrado, ela pode trazer um pano macio de pelúcia, reagindo à maciez, ao aspecto peludo e à cor e não ao objeto em conjunto. Quando se lhe pede para trazer o pato de porcelana que lhe foi mostrado, ela pode 75 trazer qualquer figura de porcelana ou uma bola com uma ponta fina ("o bico"), etc. Somente depois que o objeto co- meça a ser designado pela palavra ("urso", "pato") é que a percepção da criança adquire caráter material constante e ela deixa de cometer os erros aqui descritos. Os testes, realizados pelo psicólogo soviético A. A. Lyu- blinsky, mostraram que a incorporação da palavra transforma radicalmente o processo de percepção, permite distinguir mais nitidamente as imagens com base não em indícios isolados mas no seu caráter material complexo (após assimilar a represen- tação verbal do objeto, a criança deixa de cometer erros de percepção, elabora um processo bem mais preciso, rápido e constante de diferenciação). Por conseguinte, sob a influên- cia da linguagem, a percepção da criança se transforma radi- calmente numa percepção material complexa e concreta. Pesquisas posteriores mostraram que, a par com a lin- guagem, participam da formação da percepção complexa os movimentos (movimentos da mão que tateia o objeto) táteis e os movimentos dos olhos, que distinguem os traços informa- tivos essenciais do objeto e os sintetizam. Esses movimentos têm inicialmente caráter amplamente desdobrado e caótico e só paulatinamente se tornam organizados e cada vez mais re- duzidos. Deste modo, o desenvolvimento da percepção é essencial- mente o movimento das ações voltadas para a descoberta das particularidades essenciais dos objetos e a sua identificação. A identificação rápida e simultânea dos objetos visualmente perceptíveis é, de fato, o resultado do desenvolvimento paulati- no de uma atividade desdobrada de orientação e pesquisa e sua transformação em "ação perceptiva" interna. Processo análogo de redução dos movimentos analisadores e identificadores dos olhos, que se manifesta no processo de desenvolvimento, pode ser visto também no estudo do pro- cesso de análise de complexos quadros temátícos. Dados igualmente essenciais foram obtidos no estudo do desenvolvimento de formas mais complexas de atividade per- ceptíva nas crianças. Como mostraram os experimentos de A. V. Zaporojets e seus colaboradores, atos como a avaliação de uma magnitude, da forma e até da cor dos objetos não são funções congênitas simples mas se formam através de uma atividade de orientação e pesquisa que se "desprende" da ati-vidade prática e começa paulatinamente a apoiar-se na aplí- 76 , cação de "medidas" .ou "padrões" conhecidos e elaborados pela criança, sendo que a aplicação destes "padrões" começa a ter caráter cada vez mais reduzido. Tudo isto mostra que a percepção material do homem se forma no processo de uma ampla atividade perceptiva, sen- do a própria percepção material um produto "reduzido" dessa atividade. Ao estudarmos o desenvolvimento da percepção na infân- cia, não podemos omitir um importante episódio da história desse problema. Em seu livro sobre Psicologia infantil, o famoso psicólogo alemão William Stern lançou a hipótese de que a percepção de quadros e situações na criança revela quatro estágios básicos: no primeiro a criança percebe apenas objetos isolados, no se- gundo, ações, no terceiro, as qualidades da coisa, no quarto, as complexas relações entre as coisas. Essa concepção das vias de desenvolvimento da percepção manteve-se na ,Psicologia durante um período muito longo. Mas em meados da década de 20 do nosso século o psicólogo so- viético S. Vigotsky mostrou que essa hipótese estava em con- tradição com o fato de que a criança percebe inicialmente si- tuações inteiras e só depois é capaz de separar nela os com- ponentes isolados. Vigotsky demonstrou essa afirmação pro- pondo a crianças não narrar mas representar .ativamente o te- ma de um quadro. A criança, que através das palavras podia designar apenas alguns objetos isolados, conseguia entender facilmente e "representar" o tema do quadro. Isto levou Vigotsky a levantar a hipótese de que os está- gios descritos por Stern em realidade não são estágios de de- senvolvimento da percepção mas estágios de desenvolvimento do discurso infantil, no qual, como se sabe, predominam ini- cialmente os substantivos e só mais tarde discriminam-se as palavras que significam ações, qualidades e relações. Esse fato (que analisaremos adiante) indica o grande pa- pel desempenhado na percepção da criança pela linguagem e constitui um dos fatos mais importantes da Psicologia atual. Patologia da percepção material Se a percepção do homem tem uma estrutura tão comple- xa e percorre uma via tão complexa de desenvolvimento fun- 77
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