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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: AS EXPERIÊNCIAS DA ESCOLA MUNICIPAL LEÔNIDAS SOBRINO PÔRTO Por Allan Rocha Damasceno Sob a orientação da Profª. Drª. Valdelúcia Alves da Costa ABRIL 2006 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto ii ALLAN ROCHA DAMASCENO A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. ORIENTADORA: Profª. Drª. Valdelúcia Alves da Costa Niterói 2006 2 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Ficha catalográfica Damasceno, Allan Rocha A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto / Allan Rocha Damasceno. – Niterói: 10/04/2006. 194 p., 3 cm. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, 2006. 3 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto iii ALLAN ROCHA DAMASCENO A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Aprovada em abril de 2006 Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. BANCA EXAMINADORA Niterói 2006 4 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto iv DEDICATÓRIA À minha família: Gilson, Rose e Amanda, meu eterno ninho; Tutuca, meu especial tio; Ruth, minha mãe e avó. À Janaína, minha incentivadora, com quem tenho uma dívida impagável. A Yago, um educando mais que especial em minha vida! 5 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto v AGRADECIMENTOS Gostaria inicialmente de agradecer a Deus por permitir que esteja aprendendo e crescendo um pouco mais a cada dia. A meus pais que sempre me incentivaram e à minha irmã querida meus sinceros agradecimentos pela presença preciosa. A minha Janaína pela paciência, perseverança e amor devotado durante toda a realização deste trabalho. À querida Ana Clara pelas horas que não pude me dedicar ao brincar tão precioso para ela, minhas desculpas e a certeza de que você um dia entenderá que papai além de ter um grande desafio a ser vencido, não podia se furtar em promover esse debate tão necessário e importante no cenário educacional brasileiro. À minha orientadora, interlocutora e amiga, Profª. Drª. Valdelúcia Alves da Costa, não tenho palavras para expressar tamanha gratidão e, com certeza, se me atrevesse a escolher algumas, nesta pequena página não haveria espaço suficiente. Obrigado por tudo Valdelúcia, você é um ícone na educação brasileira. Aos professores que participaram deste estudo, à coordenação e direção da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto, que abriram as suas portas, tornando possível investigar como vem se dando o processo inclusivo naquele espaço educacional. Enfim, agradeço a todos os amigos de cá e de lá, que contribuíram para a realização de minha dissertação de mestrado. 6 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto vi 7 “Todo o acto educativo é um acto feito de desafio, de imprevisível, de novo. É no confronto com as exigências que o quotidiano nos traz, que nos vamos fazendo mais e melhores educadores.” (Peças, 2003, p. 141) A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto vii SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.................................................................................................................. 14 CAPÍTULO I - FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA ................................ 20 CAPÍTULO II - A FORMAÇÃO DE PROFESSORES FRENTE À DEMANDA DAS NECESSIDADES ESPECIAIS DOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA ...................... 33 1. A DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ..... 33 2. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A AUTONOMIA E A EMANCIPAÇÃO PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA ................................. 44 CAPÍTULO III - A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA ............................................................................ 61 1. EDUCACAO INCLUSIVA: SEUS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E LEGAIS ............................................................................................. 64 2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E ESCOLA INCLUSIVA: A QUESTÃO DO PRECONCEITO .............................................................................................................. 93 CAPÍTULO IV - DEFICIÊNCIA VISUAL, AUDITIVA E MENTAL: SEUS ASPECTOS EDUCACIONAIS .................................................................................................................. 104 CAPÍTULO V - EDUCAÇÃO INCLUSIVA E AS EXPERIÊNCIAS DOS PROFESSORES DA ESCOLA MUNICIPAL LEÔNIDAS SOBRINO PÔRTO/RIO DE JANEIRO ............................................................................................................................... 147 1. A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DA ESCOLA MUNICIPAL LEÔNIDAS SOBRINO PÔRTO/RIO DE JANEIRO ....................................................................... 149 a. A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: SUAS DIMENSÕES ACADÊMICAS E PROFISSIONAIS ..................................................................................................... 163 8 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto 2. AS CONCEPÇÕES SOBRE A ESCOLA INCLUSIVA: O QUE PENSAM AS PROFESSORAS DA ESCOLA MUNICIPAL LEÔNIDAS SOBRINO PÔRTO/RIO DE JANEIRO ........................................................................................... 169 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................182 REFERERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 190 ANEXOS ................................................................................................................................ 196 9 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto ix TABELA DE ILUSTRAÇÕES Figura Título Autor URL Página 1 Viva a diferença Não divulgado www.veradias.pro.br 1 2 Dane of youth Pablo Picasso www.allposters.com 7 3 Education is the key to success Joysmith Brenda www.jbgallery.com 20 4 Projeto de valorização da cultura afro-brasileira na escola pública Não divulgado http://200.198.51.40/siste ma/projetos/transfer/diver sidade 48 5 Deficiente: para o povo essa história é uma lenda Não divulgado http://portal.prefeitura.sp. gov.br/cidadania/conselho secoordenadorias/deficien tes 91 6 Claude dessinant, Francoise et Paloma Pablo Picasso www.arteemcasa.com 134 7 Abaporu Tarcila do Amaral www.tarciladoamaral.co m.br 168 8 Reading, 1875 - 1876 Pierre A. Renoir www.allposters.com 177 10 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto x RESUMO Em minha dissertação realizei um estudo no qual investiguei a formação dos professores com vistas à organização da escola inclusiva. Busquei investigar questões: Como democratizar a escola, se seus professores permanecem atrelados às amarras conservadoras impostas pelo pensamento dominante? Como pensar em escolas inclusivas organizadas por professores que não se percebem capazes de elaborar sua prática pedagógica com base em ações reflexivas? A formação de professores, tanto inicial, quanto continuada tem contribuído para/na organização de escolas inclusivas? Este estudo se baseou, sobretudo, no pensamento de Theodor Adorno, representante da teoria crítica da escola de Frankfurt e de alguns de seus comentadores, onde procurei discutir a formação docente possível, no atual estágio civilizatório, que não dá conta do atendimento da diversidade dos estudantes com deficiência, pois sua dimensão unicamente adaptativa não vem sendo ainda capaz de possibilitar aos professores a reflexão necessária para o desenvolvimento de sua autonomia, com vistas à sua emancipação. Portanto, embora a formação docente possível não contemple as diferenças dos estudantes, pensando-as, sobretudo, como inerentes à condição humana, logo se faz necessário atualmente pensar para além dessa, na busca da superação dos limites impostos pelo desconhecimento acerca das necessidades educacionais especiais dos estudantes com deficiência. Tendo, então, como eixo norteador a formação crítica dos professores para a autonomia docente, com vistas à organização de escolas inclusivas analisei algumas dimensões, como a educação e emancipação; educação e política; educação e sensibilização. A inclusão escolar deve ocorrer por intermédio da mudança de concepção sobre educação, deficiência, escola, dentre outras categorias, e não apenas com base nos dispositivos legais ou por algum tipo de ação autoritária. O movimento inclusivo escolar de estudantes com deficiência é, sobretudo, sensibilizar os professores pela reflexão crítica acerca de sua formação e de sua prática pedagógica. Analisei também a educação inclusiva e suas possibilidades no desenvolvimento de sentimentos de solidariedade e respeito entre professores e estudantes, deficientes e não deficientes, para o acesso a uma educação emancipadora. Foram analisadas as questões legais que amparam a inclusão escolar de estudantes com deficiência na rede regular de ensino; as possibilidades na organização de escolas inclusivas; a inclusão escolar de estudantes com deficiência como um processo em andamento; a relação entre a inclusão escolar e o preconceito, com base no pensamento de autores como Crochík e Costa, entre outros, que possibilitaram aprofundar minhas reflexões críticas acerca da gênese do preconceito na sociedade e sua manifestação pelos indivíduos. Ainda analisei os aspectos educacionais que envolvem a deficiência visual, auditiva e mental, presentes na escola estudada. Os resultados deste estudo, que foi realizado em uma Escola de Ensino Fundamental da Rede Pública do Município do Rio de Janeiro, teve como sujeitos a diretora adjunta e quatro professoras da instituição. Por intermédio de entrevistas semi-estruturas com os profissionais da escola, foi possível perceber que o caminho a ser percorrido para a organização da escola inclusiva é muito extenso, contudo necessário. Os resultados obtidos no locus de meu estudo permitiram concluir que a formação dos professores tem contribuído pouco, de sobremaneira, no combate e na superação da exclusão dos estudantes deficientes, sobretudo pelo escasseamento do debate em torno dessa questão. Mesmo sentindo-se um tanto solitários no movimento de inclusão escolar, os professores da escola utilizam a experimentação como um dos recursos no fazer pedagógico frente às demandas dos estudantes deficientes. Dentre as considerações finais, penso que a principal contribuição de meu estudo é a possibilidade da crítica sobre a formação profissional, inicial e continuada do professor, que tem sido predominantemente voltada para a reprodução de fazeres pedagógicos, o que vem obstando ou retardando o processo de inclusão escolar de estudantes deficientes na escola pública inclusiva. Palavras-chave: formação de professores; educação e escola inclusiva; necessidades educacionais especiais. 11 A f ormação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto 12 xi ABSTRACT In my composition I accomplished a research witch I investigated a teacher formation craving the inclusive school organization. I searched for reasons: How could be possible to democratize the school, if its teachers maintain themselves linked by conservatory hawsers imposed by the ruling thoughts? How can we think about inclusive schools organized by teachers that do not seem to be able to create their own pedagogical practice based on reflective actions? Had the teachers’ formation (as initial as continuous) contributed for/in the inclusive schools organization? This research was based on, above all, the Theodor Adorno thoughts, an author of Frankfurt School, where I tried discussed the possible teaching staff formation, in current civilizatory stage that is not able to attend the disable students diversity, because its uniquely adaptable dimension has not being capable to make possible to the teachers the necessity reflection development of their autonomy, craving for a emancipation. Consequently the possible teaching staff formation does not perceive the differences of the students, thinking about them, above all, how inherent to the human condition, so making necessary nowadays thinking beyond this, in the quest for limit-breaks impost ignorance near to the specials educational need of the disable students. Having, then, like guide axle the criticism formation of the teachers for the teaching staff autonomy, craving the inclusive schools organization I analyzed some dimensions with the education and emancipation; education and politics; education and sensibility. The school inclusion should happen by the intermediate of the conception change about education, disability and school, between others categories, and not just basedon legal apparatus or by some kind of authority actions. Inclusive school movement of disable students is, above all, to sensibilize the teachers by the criticism reflection around their own formation and pedagogical practice. I analyzed too the inclusive education and their possibilities in the development of the solidarity feelings and respect between the teachers and students, disable and not disable, to the access of a emancipative education. The legal reasons that take care of school inclusion of disable students in the regular teaching web were analyzed; the possibilities in the inclusive schools organization; the school inclusion of disable students like a current process; the relation between school inclusion and the prejudice, based on the thoughts of the authors like Crochík and Costa, and others, that make possible to deepen my criticism reflections around the genesis of the prejudice in the society and its manifestation by each human being. I also analyzed the educational aspects that involve the visual, mental and auditory disabilities in view in the studied schools. The results of this study, that was accomplished in a Elementary school of the public web Municipality of Rio de Janeiro, had like subject the adjunct directorship and four teachers of the institution. By the intermediate of interview half structure with the school professionals, it was possible to perceive that the way we must travel over for the inclusive school organization is too long, however necessary. The results got in the locus of my study allows me to conclude that the teacher formation has contributed only a little, excessively, in the combat and the surmount of the exclusion of the disable students, above all scarcity of the debate pointed. Even feeling a kind solitary I the movement of the school inclusion, the schoolteachers utilized the experimentation like one of the resources in the pedagogical doing in front of the demands of the disable students. In the finals considerations, I think that the mainly contribution of my study is the possibility of the criticism about the professional formation, initial and continuous of the teacher that had been predominantly turned to the reproduction of the pedagogical doing, what come hindering retarding the process of the school inclusion of the disable students in the inclusive public school. Keyword: Teacher formation; education and inclusive school; special educational needs. A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto “A diferença é a essência da humanidade” Figura 1 13 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica.” “A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação.” Theodor Adorno APRESENTAÇÃO Este estudo representou para mim em mais uma oportunidade de viver experiências, que na sociedade da homogeneização têm sido dificultadas aos indivíduos. Colocar-me no movimento de viver essa experiência me fez relembrar a minha trajetória de professor, e atrelada essa, a minha trajetória humana. A experiência do convívio com a deficiência vem de longa data. Ter um tio deficiente fez-me despertar, ainda precocemente, para a diversidade humana. Esse convívio possibilitou-me compreender que a idéia da deficiência como incapacidade estava completamente equivocada. Entretanto, o olhar de censura, de condescendência, de preconceitos que o cercavam me levava a questionar a própria condição do ser deficiente. Contudo, ainda não possuía elementos que pudessem me apoiar a elaborar a idéia de deficiência, e daí, a dialogar com outras compreensões, que estivessem além das que comumente são difundidas. A opção pelo exercício do magistério, penso hoje, relaciona-se exatamente com a idéia que cultivava sobre a possibilidade infinita do ser humano aprender, mesmo com questões objetivas presentes, como a deficiência. A escolha pela área de atuação, a física, foi norteada com base nas dificuldades que observava, quando estudante no Ensino Médio, nos colegas que percebiam naquela área do conhecimento um grande quebra-cabeça, um saber cujo entendimento era possível apenas a poucos. O descontentamento com todo esse contexto levou-me, ainda no terceiro período do Curso de Física na Universidade a investigar as causas dessas dificuldades e a desenvolver estudos voltados para essa direção. 14 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Os resultados desses estudos se tornaram publicações apresentadas em congressos da área, com atenção especial à menção honrosa concedida pela Universidade a um, dentre os trabalhos que desenvolvi a época. No meu trabalho de conclusão do curso de Física, investiguei e desenvolvi propostas metodológicas de ensino de física para estudantes com dificuldades de aprendizagem. Recordo-me de ter ouvido de uma das avaliadoras da banca: “Eu se fosse você investiria nessa área. Você se revela no que faz!”. Nunca mais esqueci essa afirmação. Em minha primeira experiência em sala de aula como professor, em uma Escola de Ensino Médio Profissionalizante, localizada no Município do Rio de Janeiro, pude perceber que, entre tantos estudantes, havia um especial. Yago1, é seu nome. Ao encontrá-lo em minha classe o percebi muito distante, mas acolhido por alguns colegas que se identificavam com sua humanidade. Uma questão me afligiu naquele momento: Como trabalhar de maneira a atender as demandas educacionais daquele estudante? Como acolher Yago? Em nenhum momento em minha formação havia participado de debates que contemplassem as necessidades especiais de estudantes deficientes. Contudo, havia o desejo em ajudá-lo. Sentia-me sensível ao seu acolhimento. Embora tenha sentido medo, não me permiti imobilizar. Percebendo que existia a necessidade de me movimentar, busquei apoio junto aos pares. Minhas experiências não foram exitosas, no primeiro momento. Os demais professores, como eu, também não se reconheciam naquela realidade. Existia uma grande diferença entre nós: Eu não me contentava com que Yago estivesse à margem. Naquele contexto, verifiquei que a melhor opção era aprofundar os estudos que já realizava como autodidata. Foi no Curso de Especialização em Educação Especial da Universidade Federal Fluminense, onde encontrei elementos para poder intervir melhor naquele contexto. Dessa experiência, pude avançar e verificar que o problema que me afligia era extensivo a um contexto muito maior. Assim como eu, muitos outros professores estavam vivendo o dilema da inclusão escolar de deficientes. Entretanto, as minhas observações me revelaram que o medo que eu havia sentido, e que era recorrente, não os colocavam, em sua 1 Neste estudo todos os sujeitos são identificados por pseudônimos. 15 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto maioria, no movimento que ocorrera comigo. Muitos professores se imobilizavam frente à mudança necessária, mas nem por isso simples de ser realizada. Pensei: Como contribuir para minha diferenciação como indivíduo professor, como também possibilitar o debate acerca das lacunas que existiram em minha formação, paraque essas não se afirmem como elemento dificultador na formação de meus colegas professores e, conseqüentemente, em mais um obstáculo à inclusão escolar dos estudantes deficientes? Nesse sentido, apresento minhas contribuições apresentadas neste estudo. Com base nas reflexões do pensamento de Adorno, representante da Teoria Crítica da Sociedade, debato a formação de professores possível na sociedade contemporânea. Analisando as categorias como educação para a democratização; educação para emancipação; educação política; educação e preconceito; educação para a sensibilização; entre outras, busquei compreender a dimensão adaptativa que tem sido priorizada na formação dos professores, que não pode ser negada, mas que não tem oportunizado o desenvolvimento da autonomia e emancipação desses indivíduos. É com a premissa de que a formação dos professores, afastando-se da idéia de sua dicotomização inicial e continuada, embora sem negá-la, não tem oportunizado a diferenciação dos indivíduos na sociedade da homogeneização, que inicio o debate. Desse ponto podemos inferir: Como pensarmos uma educação que se volte para a diversidade e a diferença dos estudantes, se o enfoque é nos estudantes homogêneos, iguais? Como pensarmos em uma educação inclusiva se não reconhecemos a diversidade dos estudantes como sendo a essência de sua humanidade? Como pensarmos em uma sociedade democrática com a manutenção de escolas excludentes? Portanto defendo a idéia de que antes de pensarmos em capacitação e aperfeiçoamento para professores em serviço, incorporação de debates na formação inicial, que se voltem prioritariamente para o como fazer, o que considero reducionista, o movimento é de repensarmos a formação que aponte para além da adaptação, possibilitando o desenvolvimento da autonomia docente, migrando para o com base em minhas reflexões vou (vamos) realizar. A primeira pergunta a essa afirmativa é a de que, de fato, isso é uma transferência de responsabilidade, projetando-a exclusivamente para o professor? Essa argumentação é 16 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto desconstruída quando o professor é considerado como mais um agente, que considero nesse momento como elemento-chave para a efetivação do processo inclusivo, que deve partilhar as responsabilidades junto aos órgãos competentes e demais membros da sociedade pela redemocratização da escola, além dos profissionais da escola. A responsabilidade é de todos, mas caberá ao professor possibilitar o acolhimento e atendimento das necessidades educacionais especiais dos estudantes deficientes em sua sala de aula, uma vez que o sistema não vem sendo capaz de atender responsavelmente a complexa estrutura de transição da escola exclusiva para a escola inclusiva. Dessa forma, elaborar minha dissertação tornou-se um desafio, um entre muitos a serem vividos em minha formação. Escrevê-la levou-me a entender minha fragilidade humana e daí concluir que não somos imunes ao preconceito. Ter elaborado minha dissertação me fez perceber que na sociedade da homogeneização, da ideologia dominante, o germe da emancipação está presente, assim como o aprisionamento ideológico. E, penso que a autonomia está acessível pela reflexão crítica, em minha compreensão, uma instância de resistência à barbárie. Hoje, ao discutir sobre a escola inclusiva, penso em transformação social, em retomada da democratização do Brasil. E, ao pensar em redemocratização a associo à liberdade, ao desenvolvimento da sensibilidade com vistas à emancipação, à organização de uma sociedade mais justa e humanizada, portanto constituída por pessoas felizes. Foi nesse movimento que elaborei minha dissertação, que divide-se nas seguintes partes: a apresentação, com os fundamentos para a definição do objeto de estudo; o primeiro capítulo onde apresento o tema e a formulação da situação-problema, onde procuro apontar os desafios da formação de professores para a escola inclusiva, e discuto a formação do professor como questão de estudo necessária para o entendimento do atual processo de inclusão escolar de deficientes. No segundo capítulo foi desenvolvido o tema da formação de professores frente à demanda das necessidades especiais dos estudantes com deficiência; enfocando a democratização da escola na sociedade contemporânea, discutindo a inclusão escolar não só como movimento de redemocratização da escola, mas também como processo de mudança nas estruturas sociais, e debatendo ao mesmo tempo a formação de professores para a 17 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto autonomia e emancipação, buscando a compreensão da formação no pensamento de Adorno, Costa, Crochík, dentre outros autores. No terceiro capítulo, debato os aspectos presentes no processo de inclusão escolar, em especial os seus fundamentos históricos, filosóficos e legais, e apresento minhas reflexões sobre a questão do preconceito e a sua relação com a formação dos professores considerando a escola inclusiva. No penúltimo capítulo, o quarto, discuto aspectos educacionais no processo de escolarização de estudantes que apresentam deficiência visual, auditiva e mental, identificadas nos estudantes da escola estudada. Finalmente, o quinto capítulo refere-se à apresentação e análise dos dados coletados nas entrevistas realizadas com as professoras da Escola de Ensino Fundamental regular, Leônidas Sobrino Pôrto, pertencente à Rede Municipal do Rio de Janeiro, onde destaco questões ligadas à estruturação e organização da educação inclusiva, com ênfase nos aspectos da formação dos professores dessa Escola. Espero que minhas contribuições nesta dissertação, dando continuidade às minhas experiências, possam contribuir para a reflexão acerca da formação do professor, se contrapondo aos impedimentos postos à inclusão de estudantes com deficiência na mesma escola. 18 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto “Educação Inclusiva: por uma escola-mundo onde caibam todos os mundos” Figura 2 19 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto “Educar alunos com deficiência é tarefa a ser desenvolvida pelo professor no cotidiano escolar em parceria com esses mesmos alunos” Valdelúcia Alves da Costa “Uma escola que se desenvolve fugindo aos conflitos é uma escola débil” Américo Peças CAPÍTULO I - FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA A problemática deste estudo vincula-se à questão da formação dos professores, em particular os que atuam ou irão atuar em classes inclusivas. Embora minha análise possa se estender para a questão da formação dos professores de maneira geral, entendo que meu objeto de pesquisa necessita se particularizar, considerando os limites do estudo. Versando meu estudo sobre a formação do professor para e na escola inclusiva, tendo como pressuposto que essa se configura no espaço pedagógico que considero, assim como os pesquisadores da educação (Costa, Glat, Carvalho, dentre outros), como sendo o mais adequado para o atendimento dos estudantes deficientes, apresento algumas orientações defendidas por Ainscow (1995), autora com experiências internacionaissobre a realidade da formação de professores para a escola inclusiva. A primeira consideração que destaco aponta para as recomendações de outras realidades internacionais, incorporadas aqui com base nas experiências de Ainscow (1995, p. 14), que estão em consonância com as analisadas por outros estudiosos da formação de professores para a inclusão escolar de estudantes com deficiência1 no Brasil, como Costa, Crochík, dentre outros: 1 Aditarei neste trabalho algumas nomenclaturas que se referem ao mesmo grupo de indivíduos. Quando me referir aos estudantes com deficiência, estarei tratando daqueles que possuem alguma deficiência objetiva, como por exemplo: surdez ou cegueira. Excepcionalmente, também poderei me referir a estes sujeitos como estudantes com necessidades especiais. 20 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Ao encorajarmos os professores a explorarem formas de desenvolver a sua prática, de modo a facilitar a aprendizagem de todos os alunos, estamos, porventura, a convidá-los a experimentarem métodos que, no contexto da sua experiência anterior são estranhos. Consequentemente, é necessário empregar estratégais que lhes reforcem a auto-confiança e que os ajudem nas decisões arriscadas que tomarem. A nossa experiência diz-nos que uma estratégia eficaz consiste em implicar a participação dos professores em experiências que demonstrem e estimulem novas possibilidades de acção. Nesse sentido, se faz necessário que o professor desenvolva um senso crítico, para que enfrente o desafio, novo para todos, que é ensinar na e para a diversidade de seus estudantes. E, sobre a orientação que pensa que pode ser dada aos professores no desenvolvimento dessa capacidade, Ainscow (1995, p. 17), esclarece: Esta orientação acompanha o pensamento actual no mundo da formação dos professores em que se aceita, de forma crescente, que a prática se desenvolve a partir de um processo fundamentalmente intuitivo, através do qual os professores ajustam os seus planos de aula, a sua actuação e as sua respostas à luz do feedback dos elementos da sua classe. E acrescenta (1995, p. 17): Para além de se sublinhar a importância de se dar aos professores oportunidades de considerarem novas possibilidades, a outra estratégia que consideramos útil consiste no apoio à experimentação na sala de aula através de formas que encorajem a reflexão sobre as actividades. A chave desta estratégia que consideramos útil consiste no apoio à experimentação na sala de aula através de formas que encoraje, a reflexão sobre as actividades. A chave desta estratégia situa-se na área do trabalho em equipe. Encorajamos, especificamente, os professores a formarem equipes e/ou partenariados em que os respectivos membros concordem em se ajudar uns aos outros a explorar aspectos da sua prática. A referida autora (p. 18) recomenda o trabalho em equipe e a experimentação como sendo direções possíveis para o desenvolvimento das ações docentes que atendam às demandas de aprendizagem dos estudantes com deficiências na escola inclusiva. 21 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Através de todos este processos de trabalho em equipe e em partenariado é dada forte ênfase àquilo que Gidin (1990) chama de “diálogos”. Esta forma de reflexão crítica, realizada em colaboração com os colegas, é especialmente importante na área das necessidades educativas especiais. Especificamente, as nossas tradições levaram-nos a conceptualizar o trabalho de uma forma relativamente estreita, em que foram excluídas muitas possibilidades que poderiam ter gerado melhores oportunidades para as crianças que pretendemos ajudar. Especificamente, as nossas tradições levaram-nos a olhar para o nosso trabalho fundamentalmente em termos técnicos. A reflexão crítica por parte dos professores, que é o fio condutor da linha de análise deste trabalho, está presente nas experiências de Ainscow, como capaz de promover a mudança das idéias que derivem em ações factualmente acolhedoras e inclusivas, pois a ausência dessa capacidade promoveria certas implicações, como destacado por Ainscow (1995, p.18): No entanto, quando as abordagens são aplicadas de forma acrítica, podem conduzir a formas de trabalhar que continuam a manter, em relação a certas crianças, os pontos de vista baseados na deficiência. Assim, é necessário ajudar os professores a aperfeiçoar-se como profissionais mais reflexivos e mais críticos, de modo a ultrapassarem as limitações e os perigos das concepções baseadas na deficiência. Ou seja, a ausência da reflexão contribuirá para afirmar a exclusão dos estudantes com deficiência da escola regular. Assim, necessário se faz que os professores sejam apoiados a entenderem, enfrentarem e superarem os limites pedagógicos e atitudinais postos à inclusão escolar dos estudantes com deficiências, como destacado por Ainscow (1995 p. 20): Deste modo, é possível sensibilizar os professores a novas formas de pensar que lhes desvendarão novas possibilidades para o aperfeiçoamento da sua prática na sala de aula. Isto implica que não nos limitemos a preocupar-nos com métodos e materiais e que levemos os professores a tornarem-se pensadores reflexivos e a sentirem a confiança suficiente para experimentarem novas práticas, à luz do feedback que recebem dos seus alunos. 22 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Entendo que a formação de professores para o atendimento da diversidade dos estudantes com deficiências, não deverá apenas se circunscrever em torno dos métodos e técnicas, porque apenas esses não darão conta das diversas e diferentes condições pedagógicas não previstas do cotidiano escolar inclusivo. Os professores é que terão que desenvolver uma postura investigativa para o enfrentamento e superação dos desafios cotidianos. E, embora a questão pareça se fechar em torno da reflexão crítica dos professores, Ainscow (1995, p. 21) alerta para a necessidade de não se limitar a questão em torno do indivíduo. Ou seja, além dos profissionais elaborarem suas reflexões com base em suas percepções e análises, a necessidade de debater suas experiências é condicional para que o projeto da escola inclusiva se torne exitoso: Assim, embora a reflexão seja uma condição necessária para a formação profissional, não é suficiente. Tem de ser acrescida por confrontações com pontos de vista alternativos. Daí a necessidade de se criarem oportunidades para realizar experiências de demonstração de formas diferentes de trabalhar em colaboração com os colegas. Ante o exposto, é possível cotejar com a realidade brasileira, e afirmar que há em nosso meio educacional uma demanda por professores capazes de elaborarem concepções educacionais e pedagógicas com base em reflexões, tornando-se assim autores de sua própria prática pedagógica. Ou seja, vivemos em um contexto escolar atual onde os professores se tornaram reprodutores de práticas instituídas, muitas vezes pelo próprio sistema de ensino, contribuindo para a manutenção de estruturas das quais deveriam ser, a priori, seus reelaboradores. Nesse sentido, proponho algumas questões de análise relacionando-as à formação de professores e à organização de escolas inclusivas, cerne do meu estudo: • Como tornar a escola inclusiva se seus professores permanecem atrelados às amarras de uma prática pedagógica tradicional decorrentede uma formação docente conservadora ainda dominante? 23 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto • Como pensar em escolas inclusivas organizadas por professores que não se percebem capazes de elaborar sua própria prática pedagógica com base em reflexões críticas e experimentações junto com seus estudantes? • A formação de professores, inicial e continuada, tem contribuído para a organização de escolas inclusivas? • Os desafios postos à organização de escolas inclusivas estão presentes no processo de formação dos professores, tanto inicial quanto continuada? • Quais os elementos presentes no processo de formação (inicial e continuada) que contribuem para a organização de escolas inclusivas? • Como enfrentar ou mesmo superar, pela formação crítico-reflexiva, os desafios postos à inclusão de estudantes com deficiência na escola regular? • As experiências vividas pelos professores, tanto profissionais quanto acadêmicas, têm contribuído para a organização de escolas inclusivas? De que maneira? • Como os professores podem ser apoiados em sua atuação docente para tornar possível a organização de salas/escolas inclusivas? No caso da educação escolar inclusiva, minha experiência como professor de física do ensino regular, atuando em escolas com estudantes deficientes incluídos, revelou-me que existe uma grande resistência dos professores desse nível de ensino em acolher esses estudantes em suas salas de aula. Muitos são os fatores alegados para afirmar a segregação, como falta de preparo profissional, carência de cursos de capacitação e aperfeiçoamento, inexistência de adaptações estruturais das escolas, dentre outros. Entretanto, o que se observo é que mesmo quando alguns desses obstáculos são minimizados, ainda assim a resistência, de maneira geral, permanece. Qual será, então, o principal, se é que se pode singularizar, entrave à organização de escolas inclusivas? O que entendo e defendo é que os pensares e ações daqueles que deverão atuar nessas escolas demandadas socialmente, deverão se constituir em fator de modificação dessa estrutura, que hoje não atende à demanda humana, porque não está preparada para educar para e na diversidade humana. 24 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Penso que esperar que o sistema, por si mesmo, se reestruture, de maneira que os professores, em postura submissa, aguardem as propostas e estratégias de mudanças desenvolvidas pelo poder executivo objetivando a inclusão daqueles que foram, e porque não afirmar que ainda permanecem em outra escola, - a especial -, historicamente excluídos das instâncias sociais comuns, os deficientes, não resultará em mudanças efetivas no sistema educacional. O momento é de mobilização, do trabalho cooperativo, da busca de parcerias em prol da mudança escolar e educacional, e quiçá, social, promovida pela inclusão escolar no acolhimento da diversidade dos estudantes com deficiência na escola inclusiva. Contudo, observo que as escolas especiais sobrevivem mantendo longe do convívio social os estudantes deficientes, ratificando assim a lógica da exclusão presente na sociedade de classes. O momento atual que vivemos é de busca da superação da escola especial. Os professores podem e devem agir se desejam promover a reestruturação da escola para se tornar inclusiva. Quanto a isso Costa (2005, p. 67), esclarece: Diante dessa possibilidade, a questão posta aos profissionais que atuam na educação dos deficientes é: não é o momento de pensar a própria concepção de educação especial, uma vez que ela contém a idéia de discriminação, de segregação, de barbárie, de exclusão escolar, social e cultural dos educandos com deficiência denominados “especiais”, ou seja, inadaptados, desiguais? Pensar sobre isso pode ser revolucionário, pois “Aquele que pensa opõe resistência”, embora constatando que, para os profissionais dessa área “[...] é mais cômodo seguir a correnteza, ainda que declarando estar contra a correnteza.” (Adorno, 1995a, p. 208). Entretanto, para isso necessitamos desenvolver uma postura reflexiva, significada por Adorno (1995, p.169) como auto-reflexão crítica, elemento essencial no movimento pela emancipação das pessoas: ‘Esclarecimento é a saída dos homens de sua auto-inculpável menoridade’. A democracia repousa na formação da vontade de cada um em particular, tal como ela sintetiza na instituição das eleições representativas. Para evitar um resultado irracional é preciso pressupor a aptidão e a coragem de cada um em se servir de seu próprio entendimento. 25 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Não estou afirmando neste trabalho que a responsabilidade pela efetivação do processo inclusivo é exclusivamente do professor, eximindo o sistema, e apresentando-o como o “super-herói”. Estou debatendo as responsabilidades e posicionando o professor como um elemento essencial no atual estágio em que vivemos o processo de inclusão escolar de deficientes. Na verdade quero reforçar a idéia de que por mais que existam possibilidades de debate na formação do professor, seja inicial ou continuada, a questão é que nessa transição do processo inclusivo penso que não daremos conta de capacitar ou “formar” todos os educadores para intervirem na realidade atual. O professor deverá ser capaz de desenvolver suas estratégias, junto com seus estudantes, ainda que empiricamente, tendo como meta o atendimento das necessidades educacionais dos estudantes com deficiências. Isso não me parece que poderá ser contemplado em cursos extra-curriculares ou disciplinas inseridas dos cursos nos diversos níveis de ensino. E, isso também não reduz a importância desses. O trabalho a ser feito é o despertar pela conscientização da necessidade de se refletir sobre a realidade para nela intervir. Parece-me que isso está posto a poucos, daí podemos entender o discurso da maioria dos professores que se sentem incapazes de participar do processo. Refletindo sobre a realidade da formação de professores, e como vem se dando, podemos fazer algumas constatações. A primeira delas diz respeito à possibilidade de oferecimento dos cursos de formação inicial e continuada para professores pelo Ministério da Educação e suas Secretarias. Não me parece, hoje, que seja possível a promoção de cursos de capacitação em grande escala para a “preparação” dos docentes que irão atuar na escola inclusiva, pressupondo que essa seja a melhor alternativa para o desenvolvimento da auto-reflexão crítica capaz de promover a autonomia intelectual. Temos obstáculos a serem enfrentados, no que se refere às possibilidades da formação de professores para atuação na escola inclusiva. Destaco que hoje não dispomos de professores suficientes para capacitarem os professores em serviço, conforme foi apresentado em debate sobre a formação de professores para a escola inclusiva no II Congresso Brasileiro de Educação Especial, ocorrido em novembro de 2005 na Universidade Federal de São Carlos, São Paulo. Entretanto, outros serviços podem ser ofertados de maneira que busquem suprir essa carência de “professores de professores”. Serviços como TV escola e outros programas de educação à distância talvez se 26 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto constituíssem em possíveis soluções transitórias para esse obstáculo. Entretanto, teríamos que avaliarqual o impacto dessa formação no que diz respeito ao desenvolvimento da auto- reflexão crítica e da sensibilidade no trabalho com estudantes deficientes. Assumindo o risco, atrevería-me a afirmar que, possivelmente o debate e o diálogo nos cursos presenciais de formação de professores também não garantem o desenvolvimento das citadas posturas almejadas, porque deve existir o desejo do professor em ser um agente transformador. Contudo, a viabilidade do debate entre os pares nos encontros presenciais já denota a possibilidade de desenvolvimento dessas capacidades pela reflexão e análises coletivamente desenvolvidas. Em contrapartida, com quem os professores atendidos pelos programas de educação à distância poderiam debater suas questões? Existiriam tutorias? Caso existissem, seriam suficientes frente ao grande número de questões a serem enfrentadas? Percebo que a proposta de formação de professores à distância não é inviabilizada com as questões apresentadas, mas esses questionamentos desconstroem a possibilidade de debate efetivo. Não é minha intenção aprofundar questionamentos sobre esse aspecto em especial, entretanto penso que mencioná-los se fez necessário frente à possibilidade de formação de professores à distância, tão difundida hoje no país. Sobre esse aspecto, Crochík (1997, p. 144) apresenta sua idéia sobre o debate acerca da formação do professor para o atendimento da demanda da escola inclusiva, afirmando que “A transmissão de conhecimentos e a conseqüente reflexão sobre eles não podem prescindir da presença do professor”. É afirmado pelo autor a importância da formação presencial, uma vez que o esclarecimento não se dará na carência/ausência do debate, daí a importância do professor, um indivíduo mediador autônomo e emancipado. Outro ponto de análise se refere ao desenvolvimento das competências profissionais que terão que ser apresentadas pelos professores ao término dos seus cursos, sejam eles de formação inicial ou continuada. Percebo um outro sentido, velado, para o uso da terminologia competência, que entendo como uma retomada da tecnocratização da educação. Parece-me que para ser um promotor da inclusão escolar basta que se faça alguma disciplina incluída nos cursos de graduação ou mesmo ter freqüentado com um mínimo de aproveitamento algum curso de especialização ou capacitação profissional. Novamente vale retomar a concepção Adorniana de formação. Adorno (1995, p. 140) nos esclarece a pertinência do debate sobre para que educar: 27 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Quando sugeri que conversássemos sobre: ´Formação – para quê?´ ou Educação – para quê?´, a intenção não era discutir para que fins a educação ainda seria necessária, mas sim: para onde a educação deve conduzir? A intenção era tomar a questão do objetivo educacional em um sentido muito fundamental, ou seja, que uma tal discussão geral acerca do objetivo da educação tivesse preponderância frente à discussão dos diversos campos e veículos da educação. Nesse sentido, Adorno nos apóia no esclarecimento de que a formação possível esteja somente sendo capaz de manter a idéia de que estamos capacitando/preparando os professores para atuarem na escola inclusiva, quando realmente estamos apenas informando os mesmos sobre algumas possibilidades de intervenções junto aos estudantes deficientes. É reducionista a idéia de uma formação que apenas instrumentalize pedagogicamente. Entretanto, apenas o conhecimento sobre técnicas e métodos, o que para mim está muito próximo da concepção de competências nos documentos legais e no contexto discursivo da educação, não é o único caminho para uma intervenção pedagógica bem sucedida. Nesse sentido, a educação teria apenas uma dimensão adaptativa, ou seja, não apontando a possibilidade e necessidade de uma formação que possa ir além da adaptação à demanda social, sem negá-la. Costa (2005, p. 61) nos auxilia nessa compreensão, afirmando que: A educação para a adaptação, como já destacado por Adorno (1995b), tem a função de preparar os homens para se orientarem no mundo. Ou seja, a questão da adaptação é importante e a educação deve tê-la como meta, mas deve ir além dela, no sentido da emancipação. Além de técnicas e métodos, o professor deve ser capaz de saber escolhê-las, quando usá-las, como usá-las, de transformá-las (adaptando-as de acordo com as necessidades). Para chegar a esse comportamento almejado, não me parece que nos cursos de formação (inicial e continuada) se priorizem as competências e habilidades. O enfoque deve se redirecionar do método para o professor, sem ignorar a importância do primeiro. O professor autônomo é capaz de buscar o conhecimento das metodologias existentes e de desenvolver as suas. Nesse sentido, o professor deve ser formado para pensar e elaborar seus próprios métodos de ensino. Uma outra discussão que retoma o ponto anterior se constitui em termos da inclusão de disciplinas com enfoque nas temáticas das necessidades educacionais especiais advindas 28 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto das deficiências dos estudantes, nos cursos de licenciatura e normal superior. Algumas instituições públicas e privadas já incorporaram em suas grades curriculares, em caráter obrigatório ou não, disciplinas que contemplem debates sobre a educação de deficientes. Contudo, ainda não conhecemos resultados sobre o impacto na prática dos professores que participaram desses debates na academia. Será necessária a realização de pesquisas para estudarmos essa questão, até para ratificarmos, se é/foi a melhor alternativa ou a suficiente para o desenvolvimento da auto-reflexão e da sensibilidade dos professores que irão atuar na escola inclusiva. Não comprovada a hipótese, teremos elementos para repensarmos a abordagem que as disciplinas oferecidas dispensam no que se referem ao desenvolvimento da consciência crítica por parte dos futuros professores. Este estudo transita por essas questões. E sobre essas questões, Costa (2002, p. 42), afirma que: Com isso quero dizer: educar alunos com deficiência é tarefa a ser desenvolvida pelo professor no cotidiano escolar em parceria com esses mesmos alunos. E mais, cabe ao professor, também, no espaço de aprendizagem estabelecido com seus alunos viabilizar o fim dos espaços considerados da educação especial, significando isso a possibilidade de acesso inicial e permanência em uma mesma escola para alunos com deficiência e alunos sem deficiência, na perspectiva da educação democrática. O que é afirmado pela referida autora sintetiza a idéia central deste trabalho. Pensarmos que a educação democrática nos leva a pensar na impossibilidade de coexistência de escolas especiais e regulares. Isso permite ratificar que o professor é elemento chave na mudança que se faz necessária, visto que uma sociedade democrática demanda escolas verdadeiramente democráticas, portanto constituídas por indivíduos/professores livres pensantes e emancipados. Outro aspecto que a aparece neste estudo como uma categoria de análise, inclusive anteriormente mencionada, é a sensibilização necessária para o atendimento das demandas humanas e pedagógicas dos estudantes deficientes. Penso que ninguém seja capaz de outorgar sensibilidade a outrem. Penso que a sensibilidade não é possível ser transferida entre indivíduos. Somos capazes de criar condições em espaços de formação que estimulem o desenvolvimento da sensibilidade nos professores. Nesse sentido, os indivíduossensíveis 29 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto estariam mais abertos ao acolhimento da diversidade humana, reconhecendo-a não como característica que apenas diferenciam os indivíduos, mas como essência da natureza humana, desenvolvendo assim a tolerância e aceitação no coletivo social. Uma vez que estivessem sensíveis à causa da inclusão de deficientes na escola regular, os professores estarão atentos para a condição da fragilidade humana, assim refletindo criticamente sobre a condição da deficiência, opondo obstáculo a um dos maiores agentes segregadores, ou seja, o preconceito. Sobre o preconceito, Costa (2005, p. 134), afirma que só o desenvolvimento da consciência verdadeira, por meio da reflexão crítica, é que poderá viabilizar a superação, e tomara, a eliminação do preconceito: A consciência da deficiência pode contribuir não só para o desenvolvimento humano das pessoas com deficiência, como para o enfrentamento do preconceito e da discriminação que norteiam a questão da deficiência, embora a aceitação da deficiência pelos deficientes não implique sua aceitação pela sociedade. E a autora ainda acrescenta: (...) considerando, sobretudo, que “(...) a nossa cultura, por diversos mecanismos, dentre os quais a distinção entre classes normais e especiais, pode favorecer o preconceito”, como destaca Crochík (1997, p. 19). Para isso, faz-se necessário pensar o ressignificado da formação dos professores e a educação dos deficientes, que pressupõem por parte dos educadores uma postura crítica em relação ao seu papel social e à própria educação, considerando essa como movimento, ou seja, como ação política e reflexiva. E mais, para Mazzotta (1993, p. 40) “A força do trabalho docente, pode canalizar-se tanto para a transformação quanto para a estagnação social” e, “Na qualidade de educador por excelência no sistema escolar, o professor constitui elemento-chave”.2 Penso que a análise da formação dos professores e sua atuação no cotidiano escolar é a questão central deste estudo. Como essa proposta, penso ser possível e necessário entendermos o processo de inclusão escolar de estudantes com deficiências na escola pública na atualidade. Penso também que meu estudo se torna neste momento emergencial, 2 Grifo nosso. 30 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto uma vez que vários estudos esclarecem que é o professor, na prática, o agente principal pela organização de escolas inclusivas, com todas as contradições que existem no processo de inclusão social e escolar, mas que poderão ser compreendidas e superadas. Portanto, este estudo objetiva, com base nos elementos que apontam para o entendimento da prática dos professores na escola inclusiva, com base na reflexão proposta por Adorno: * Caracterizar uma escola pública municipal com experiências de inclusão de estudantes com deficiência, no município do Rio de Janeiro, em seus aspectos político- administrativos, político-pedagógicos, acessibilidade física, pedagógicos e atitudinais; * Caracterizar a formação dos professores de uma escola pública municipal com experiências de inclusão de estudantes com deficiência, no município do Rio de Janeiro, considerando seus aspectos acadêmico-profissionais relativos à escola inclusiva e às necessidades educacionais especiais dos estudantes com deficiência; * Identificar na formação dos professores de uma escola pública municipal com experiências de inclusão de estudantes com deficiência, no município do Rio de Janeiro, os elementos relativos ao atendimento da diversidade dos estudantes com necessidades educacionais especiais em suas salas de aula. Considerando a problematização e os objetivos deste estudo, penso que sua elaboração poderá contribuir para a socialização das experiências de professores no processo de inclusão escolar de estudantes com deficiência em escolas públicas regulares, possibilitando dessa maneira o entendimento de como vem se dando o processo de inclusão escolar de estudantes com deficiência na atualidade e, assim, o desenvolvimento de ações em prol do atendimento às necessidades educacionais especiais desses estudantes na escola pública democrática. 31 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto “Formação de professores: tempo de esclarecimento!” Figura 3 32 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto “Eis um exemplo de como nossa educação constitui necessariamente um procedimento dialético, porque só podemos viver a democracia e só podemos viver na democracia quando nos damos conta igualmente de seus defeitos e de suas vantagens” Becker CAPÍTULO II - A FORMAÇÃO DE PROFESSORES FRENTE À DEMANDA DAS NECESSIDADES ESPECIAIS DOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA 1. A DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Pensar em escola democrática nos possibilita a reflexão sobre a escola que temos e a escola que queremos. Sobre a escola que temos podemos fazer algumas constatações objetivas pertinentes, dentre as quais podemos destacar a mais relevante a este estudo: é segregadora. Como conseqüência decorrente dessa afirmação, podemos inferir - não dá conta de atender à diversidade humana; educa para a homogeneização, uma vez que desconsidera as diferenças; reproduz a lógica dominante - só os mais fortes resistem; hierarquiza os indivíduos, uma vez que reproduz as classes existentes na organização social; dentre muitas outras constatações. A afirmação e o reconhecimento da escola exclusiva estão em confronto com a proposta de inclusão escolar de deficientes, porque significa modificar estruturas cristalizadas espaço-temporalmente. Entretanto, a necessidade de mudarmos a escola que temos, excludente, segregadora, parece-me que nunca esteve tão evidente e fortalecida como hoje. A sociedade, ainda que pseudo-democrática, começa a se mobilizar pela mudança e reorientação da escola que não se contenta mais em reproduzir a lógica da marginalização, demasiadamente evidente na sociedade intolerante. 33 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Esse movimento é valioso uma vez que essa ressignificação aponta para a possibilidade de modificarmos outras instâncias sociais que também apresentam a mesma lógica da exclusão, como por exemplo, a formação para e pelo trabalho. Centrando a discussão na educação escolar e considerando os dados do Censo Escolar de 2004 (INEP, 2005), quanto à matrícula de estudantes deficientes na escola regular, observo que a inclusão escolar é um movimento em desenvolvimento no Brasil, o que reforça que os esforços pela democratização da escola e, por conseguinte, de redemocratização social, sendo irrefreável no atual estágio civilizatório. De acordo com os dados do INEP, apenas 34,4% dos estudantes com deficiência estão matriculados no ensino regular. Dos 566.753 estudantes deficientes matriculados nos sistemas de ensino, 323.258 (57,04 %) estão nas escolas da rede pública e 243.495 (42,96 %) nas escolas da rede privada, como verificado no gráfico abaixo:Relação de estudantes deficientes matriculados no ano de 2004, distribuidos por rede de ensino 43% Estudantes deficientes matriculados nas escolas da rede pública D com ne 65,6%, (regular importa 57% Estudantes deficientes matriculados nas escolas da rede privada Gráfico 1 etalhando esses números, chegamos a um outro dado, ou seja, 371.383 estudantes cessidades educacionais especiais são atendidos em escolas especiais; cerca de e 195.370 estudantes com necessidades especiais são atendidos em escolas comuns es), o que percentualmente significa 34,4% dos estudantes (vide gráfico 2). É nte destacar que o aumento da matrícula nas escolas que estão aderindo ao projeto 34 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto de escola inclusiva vem ocorrendo em maior número e proporção nas escolas públicas. Em contrapartida, nas escolas particulares, percebe-se um crescimento mais lento. Relação de estudantes deficientes atendidos por modalidade escolar no ano de 2004 34% 66% Estudantes deficientes atendidos em escolas especiais Estudantes deficientes atendidos em escolas comuns Gráfico 2 Refletindo acerca do atendimento dos estudantes deficientes, marcadamente predominante nas escolas especiais, podemos deduzir que ainda há um longo caminho a ser percorrido no que diz respeito à reestruturação da escola regular para o pleno atendimento desses estudantes, o que nos possibilita compreender a razão da maior incidência de estudantes deficientes serem atendidos nas escolas especiais. Dados mais recentes sobre o Censo Escolar de 2005, do INEP – MEC (informativo nº 131, 10/03/2006) já nos revela que houve uma diminuição do número de estudantes nas instituições especializadas em educação especial. Segundo o informe, há na educação básica brasileira 301.586 estudantes com necessidades especiais matriculados em escolas especializadas. Esse número inclui estudantes com cegueira, baixa visão, surdez profunda, surdez moderada, surdocegueira, necessidades físicas, necessidade mental (deficiência mental), autismo, síndrome de Down, necessidades múltiplas e condutas típicas. Proporciona mente, os estudantes com necessidades mentais especiais formam o maior grupo nas e meio do que l scolas de educação especial: 52,96% do total. Os dados foram coletados por stionário do Censo Escolar 2005. 35 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Necessidade Especial Creche Pré- Escola Ensino Fundamental Ensino Médio Educação de Jovens e Adultos Educação Profissional (Básico) Educação Profissional (Técnico) Total Cegueira 378 597 1.412 107 824 688 133 4.139 Baixa visão 679 779 1.896 57 605 901 106 5.023 Surdez severa ou profunda 617 2.549 11.040 501 1.791 1.001 33 17.532 Surdez leve ou moderada 239 760 2.286 38 415 361 16 4.115 Surdocegueira 42 99 241 1 33 40 0 456 Física 2.665 2.759 4.374 101 1.106 1.133 40 12.178 Mental 10.946 25.314 77.182 310 16.918 27.703 1.369 159.742 Autismo 562 1.994 2.500 42 531 573 8 6.210 Síndrome de Down 3.342 4.747 9.375 50 2.878 3.681 81 24.154 Múltipla 8.707 10.906 20.153 277 4.494 6.489 189 51.215 Condutas típicas 1.440 3.303 9.643 24 1.075 1.197 140 16.822 Total 29.617 53.807 140.102 1.508 30.670 43.767 2.115 301.586 Tabela 1 – Estudantes matriculados em escolas de educação especial, por nível de ensino, segundo o tipo de necessidade – Brasil – 2005 Isso significa que está ocorrendo o fenômeno de migração dos estudantes deficientes das escolas especializadas para as escolas regulares. É um fato inquestionável! Dados de uma outra pesquisa revelam que o número de estudantes deficientes que freqüentam classes comuns no ensino regular das redes de ensino pública e privada, de acordo com o Censo Escolar de 2004 (INEP, 2005), cresceu de 145.141, em 2003, para 195.370, em 2004. Na rede pública, esse número passou de 137.186 estudantes, em 2003, para 186.547, em 2004. Na rede particular, o aumento foi de 7.955 estudantes, em 2003, para 8.823, em 2004, como observado no gráfico seguinte: 36 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Relação de estudantes deficientes matriculados em escolas comuns (públicas e privadas) de acordo com o último Censo (INEP, 2005) 0 50.000 100.000 150.000 200.000 Anos N º. de a lu no s 12003 22004 Gráfico 3 Com relação à matrícula dos estudantes deficientes, observamos um aumento nesses números, conforme dados do INEP (MEC, 2005). As matrículas desses estudantes em classes comuns (inclusivas) atingiram 34,4% em 2004, enquanto as matrículas globais desse tipo de atendimento cresceram 12,4%. O crescimento dessas matrículas pode ser observado na tabela: Crescimento de Matrículas de Estudantes de Educação Especial por Tipo de Deficiência - Censo Escolar 2004 Tipo de Deficiência Crescimento Global % Crescimento Inclusivo % Visual 85 127 Auditiva 11 30 Física 28 38 Mental 16 58 Múltipla 14 58 Altas habilidades/superdotados 20 73 Condutas Típicas 279 597 Tabela 2 – Descrição do aumento de matrículas de estudantes deficientes por tipo de deficiência 37 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto Comparativamente, de acordo com o Censo Escolar de 2003 (INEP, 2004), apenas 28,8% dos estudantes com deficiência estavam matriculados no ensino regular. Dos 504.039 estudantes deficientes matriculados nos sistemas de ensino, à época, 358.898 freqüentavam escolas exclusivamente especializadas e 145.141 estavam incluídos em escolas comuns. Ou seja, existe uma demanda a ser priorizada na organização de escolas inclusivas, como observada no seguinte gráfico: Gráfico 4 Relação de estudantes deficientes atendidos por modalidade escolar no ano de 2003 71% 29% Estudantes deficientes atendidos em escolas especiais Estudantes deficientes atendidos em escolas comuns Considerando o exposto, parece inegável a efetivação da matrícula dos estudantes deficientes na escola comum. Afirmamos somente em termos da matrícula porque não tivemos a sso a dados, sejam de pesquisas acadêmicas ou mesmo oficiais do Ministério da Educação obre a permanência e condição desses estudantes na escola comum. Da mesmos Universid de gradua Do total ce , s dos mais recentes do INEP (informativo nº. 128, 20/02/2006), revelam que esses estudantes deficientes estão concluindo o ensino médio e chegando às ades. No Brasil são mais de 5.077 estudantes deficientes matriculadas nos cursos ção. Isso representa 0,12% das 4.163.733 matrículas no ensino superior brasileiro. de estudantes com de necessidades especiais, 1.220 freqüentam instituições 38 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto públicas e 3.857 estão em instituições privadas. Essas informações estão mais detalhadas na tabela a seguir: Matrículas Unidade da Federação Total Pública Privada Total 5.077 1.220 3.857 Norte 342 229 113 Acre 1 1 - Amapá 11 3 8 Amazonas 231 213 18 Pará 55 1 54 Rondônia 19 - 19 Roraima 2 2 - Tocantins23 9 14 Nordeste 451 168 283 Alagoas 14 3 11 Bahia 145 7 138 Ceará 31 1 30 Maranhão 19 14 5 Paraíba 118 109 9 Pernambuco 77 14 63 Piauí 21 2 19 Rio Grande do Norte 13 8 5 Sergipe 13 10 3 Sudeste 2.618 459 2.159 Espirito Santo 37 1 36 Minas Gerais 586 187 399 Rio de Janeiro 1.006 234 772 São Paulo 989 37 952 Sul 1.147 255 892 Paraná 407 207 200 Rio Grande do Sul 570 1 569 Tabela 3 – Número de estudantes deficientes matriculados em cursos de graduação presenciais, por dependência administrativa das instituições, segundo Unidades da Federação, Brasil, 2004 No que se refere aos tipos de deficiências identificadas pelo Censo da Educação Superior 2004, a deficiência visual é a que concentra maior número de matrículas nos cursos de graduação do País, isso é, 1.606, o que corresponde a 31,63% do total de 39 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto matrículas de estudantes especiais. A seguir vêm a deficiência física, 30,52%, e auditiva, 17,58%. Os estudantes matriculados com altas habilidades representam 6,51% das necessidades especiais, somando 331 matrículas. Podemos visualizar essa descrição na tabela a seguir, com base no Informativo do INEP (nº. 128, 20/02/2006): Tipo de necessidade especial Regiões Total Auditiva Visual Física Múltiplas Mental Condutas Típicas Altas Habilidades Outras Total 5.077 893 1.606 1.550 180 59 224 331 234 Norte 342 32 233 64 1 - - - 12 Nordeste 451 77 104 203 4 8 6 40 9 Sudeste 2.618 364 980 702 145 32 53 280 62 Sul 1.147 322 198 324 30 14 144 6 109 Centro-Oeste 519 98 91 257 - 5 21 5 42 Tabela 4 – Número de estudantes deficientes matriculados em cursos de graduação presenciais, por tipo de necessidade, segundo Regiões, Brasil, 2004 Os dados até agora apresentados caracterizam o contexto atual do processo inclusivo. Mesmo considerando os limites sociais com os obstáculos existentes na inclusão dos estudantes deficientes, esses estão chegando às escolas comuns (regulares), nos três níveis de ensino, ou seja, fundamental, médio e superior. No que se refere à formação de professores para o atendimento das necessidades especiais dos estudantes deficientes, os dados nos revelam que desde o Censo Escolar de 2002 (INEP, MEC), não existem registros sobre o número de docentes da educação básica (que compreende a educação infantil, ensino fundamental e médio) que possuem curso específico ou formação sobre as questões presentes na educação especial. Ou seja, posso afirmar que, nos procedimentos de coleta de dados adotados não se contemplou nenhuma abordagem vinculando a formação docente à educação especial, o que considero uma hipótese remota, ou o número de professores com essa formação é inexpressivo frente ao total de professores da educação básica. Os dados da Secretaria de Educação Especial (INEP, 2005) nos apresentam em sua pesquisa informações sobre a formação dos professores atuantes na educação especial, nos 40 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto últimos três Censos Escolares (INEP, 2002, 2003 e 2004). Por exemplo, dos 50.079 educadores atuantes na educação especial no ano de 2004, um total de 35.875 professores (71,6%) possuíam cursos específicos na área. O que também é revelador, pois seria fundamental que todos os professores que atuam em instituições especializadas tivessem formação em educação especial. A carência de informações a respeito da formação docente dos professores atuantes na escola comum inclusiva nos instiga nessa discussão, considerando que são recentes as experiências de inclusão escolar de deficientes no Brasil. Estudos atuais revelam a necessidade de pensarmos a formação do professor para que o projeto de escola inclusiva seja exitoso, embora ainda de maneira dicotomizada, ou seja, professor de escola regular versus professor de escola especial. Mendes (2002, p. 81), em sua análise sobre as perspectivas para a construção de escolas inclusivas no Brasil, destaca que “Dois aspectos parecem centrais para que haja uma política de educação inclusiva: a organização de serviços e a formação de professores”. Por outro lado, em relação à formação do professor para educação inclusiva, Bueno (1999, p. 162) aponta a necessidade de capacitação de professores do ensino regular com formação básica, e professores especializados, destacando que: Se, por um lado, a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular adquira formação para fazer frente a uma população que possui características peculiares, por outro, exige que o professor de educação especial amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características. O que ratifica minha afirmação sobre a dicotomização dos tipos de professores, ou seja, o da escola regular versus professor da escola especial. Temos que avançar, para além dos antagonismos que nos prendem às dissensões que acabam por ofuscar o objetivo da organização da escola inclusiva. Quanto à questão do que pensam os professores sobre a transição do processo inclusivo no cenário educacional brasileiro, Aranha (2004, p. 51) relata as narrativas desses, com base em sua participação em projetos de disseminação de políticas publicas de 41 A formação de professores e os desafios para a educação inclusiva: as experiências da Escola Municipal Leônidas Sobrino Pôrto inclusão, promovidos pela Secretaria de Educação Especial do MEC, em alguns municípios brasileiros: Nessa ocasião, os educadores puderam se manifestar com relação à proposta do governo federal, bem como quanto às dificuldades que tem vivenciado em sua realidade local. A proposta de implementação da educação inclusiva nos sistemas educacionais municipais e estaduais mostrou-se aceita por unanimidade, considerada consistente com a motivação e o interesse dos educadores presentes. Os participantes do encontro desvelaram dificuldades que têm sido encontradas no processo, como a necessidade de programas de formação continuada para professores, formalizados em cada sistema educacional, já que grande parte dos professores, nas diferentes redes educacionais, não se percebe capacitada para o ensino na diversidade.3 O observado por Aranha é factual e nos apóia no entendimento da escassez de informações nos últimos censos escolares sobre o quantitativo de professores da educação básica com formação específica ou mesmo com experiência profissional no atendimento aos estudantes deficientes. Isso posto, destacamos o pensamento de Oliveira (2004, p. 240), ao afirmar que: Nesse contexto, está em debate a Pedagogia Inclusiva, apontada como um novo paradigma em Educação. A proposta de uma educação inclusiva está pautada em uma concepção diferenciada de escola e aprendizagem, fundamentando sua prática pedagógica em uma aprendizagem mediada. Como decorrência, algumas alterações significativas devem ocorrer na dinâmica da escola, na busca dessa nova consciência coletiva e, portanto, a formação de professores, inicial e continuada, está no centro das discussões. Vale destacar que a própria idéia de formação, pressupõe um continuum, ou seja, por toda a vida. Entretanto, não poderíamos negar a dicotomização criada em torno da formação do professor, em inicial e continuada, o que faz com que nos aproximemos criticamente da expressão por não poder negar o seu uso recorrente no discurso pedagógico e nos documentos sobre formação de professores. 3 Grifo nosso.
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