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2.8 Generos discursivos no ciclo da alfabetizacao - 1o ao 3o ano do ensino fundamental.pdf

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paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL • Porto Alegre • v. 2 • nº 1 • 2012 42 
Gêneros discursivos no ciclo da alfabetização 
1º ao 3º ano do ensino fundamental 
 
Não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas. 
Essa afirmação fica quase óbvia se pensarmos em como uma 
criança aprende a falar com os adultos com quem convive e 
com seus colegas de brinquedo e interação em geral. O domínio 
de uma língua é o resultado de práticas efetivas, significativas, 
contextualizadas. (POSSENTI, 2002, p. 36) 
 
No mês de junho de 2011, participei do Seminário Regional: Progressão 
Continuada na Alfabetização e Letramento dos Alunos do 1º ao 3º Ano, que aconteceu 
na UNISC, Universidade de Santa Cruz do Sul. O evento foi organizado pela Secretaria 
da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, juntamente com as Coordenadorias 
Regionais de Educação (Estrela, Santa Cruz, Santa Maria), tendo por objetivo socializar 
e discutir “Boas Práticas de Alfabetização” desenvolvidas em escolas da rede estadual. 
Esses encontros têm por finalidade criar um documento com o registro dessas práticas 
para que, a partir daquilo que a escola já vem adotando como prática de alfabetização 
e letramento, esta possa criar o seu próprio plano de alfabetização. Esse projeto visa 
valorizar o trabalho que é realizado pelos professores em suas escolas, substituindo os 
três Projetos de Alfabetização: GEEMPA, AIRTON SENNA, ALFA & BETO, adotados pelas 
escolas no governo anterior. Neste texto, trago uma reflexão a partir de um desses 
relatos de “Boas Práticas de Alfabetização”. 
 
A leitura e a produção de textos nos anos iniciais 
A linguagem ocupa um papel central nas relações sociais vivenciadas por 
crianças e adultos. As crianças, desde cedo, convivem com a língua oral em diferentes 
situações: os adultos que as cercam falam perto delas e com elas. Por meio da 
oralidade, as crianças participam de diferentes situações de interação social e 
 
 
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aprendem sobre elas próprias, sobre a natureza e sobre a sociedade. Na instituição 
escolar, elas ampliam suas capacidades de compreensão e produção de textos orais, o 
que favorece a convivência delas com uma variedade maior de contextos de interação 
e a sua reflexão sobre as diferenças entre essas situações e sobre os textos nelas 
produzidos. 
O mesmo ocorre em relação à escrita. As crianças e os adolescentes 
observam palavras escritas em diferentes suportes, como placas, outdoors, rótulos de 
embalagens; escutam histórias lidas por outras pessoas, etc. Nessas experiências 
culturais com práticas de leitura e escrita, muitas vezes mediadas pela oralidade, 
meninos e meninas vão se constituindo como sujeitos letrados. Cabe à escola, 
responsável pelo ensino da leitura e da escrita, ampliar as experiências das crianças e 
dos adolescentes de modo que possam ler e produzir diferentes textos com 
autonomia. 
Na nossa sociedade, a participação social é intensamente mediada pelo 
texto escrito e os que dela participam se apropriam não apenas de suas convenções 
linguísticas, mas, sobretudo, das práticas sociais mediadas por esses textos. Bakthin 
(2000, p. 279) chama a atenção de que “cada esfera de utilização da língua elabora 
seus tipos relativamente estáveis de enunciados”. Ou seja, em cada situação de 
interação, deparamo-nos com gêneros do discurso diferentes, que vamos (re) 
conhecendo e (re) construindo para participar das práticas sociais. 
Ao refletirmos sobre o uso que fazemos da escrita no dia-a-dia, sabemos 
que lemos e escrevemos cumprindo finalidades diversas. A questão que fica é: como a 
escola pode garantir o princípio da função social da linguagem desde o 1º ano do 
ensino fundamental? 
Como você, professor, tem observado essa questão em sua sala de aula? 
Além das histórias infantis e juvenis, que outros textos você julga que podem ser lidos 
e produzidos com nossas crianças e adolescentes? Para refletir sobre as possibilidades 
de trabalho com os diferentes gêneros discursivos, apresento parte do relato de “Boas 
 
 
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práticas de Alfabetização” realizado por uma professora do 1º ano do ensino 
fundamental1. 
 
Que história é essa? 
Ao iniciar o ano letivo, fiz uma roda de conversa com meus 
alunos para saber o que eles gostariam de aprender naquele 
ano. Para a minha surpresa, muitos disseram que queriam 
aprender a ler e escrever histórias. Partindo dessa fala, elaborei 
o projeto denominado “Que história é essa?”. Iniciei o trabalho 
com o resgate da história do nome de cada criança. Todos os 
alunos tiveram que pesquisar junto à família a origem do seu 
nome e levar para a sala de aula a sua certidão de nascimento, 
sua carteirinha de vacinas, além de outros documentos em que 
constasse o seu nome. Alguns pais foram convidados para 
contar a história do nome do filho aos demais integrantes da 
turma. Após, partimos para o estudo da história do nome da 
escola, elaboramos uma entrevista coletiva para ser feita com a 
diretora da escola. Elaborei o texto da entrevista com a 
participação das crianças. Fui a escriba das crianças, tendo em 
vista que elas ainda não estão alfabetizadas. Através do 
questionamento: “O que queremos perguntar para a diretora 
sobre a nossa escola?” é que foram elaboradas as questões da 
entrevista. Durante a entrevista, as perguntas eram lidas por 
mim com a ajuda das crianças e as respostas anotadas por 
mim. Após, com a ajuda das crianças, foram registradas em um 
grande cartaz que foi exposto na sala de aula. A partir das 
palavras escritas no cartaz, vários jogos de construção da 
 
1
 Relato apresentado pela professora Ana Luísa Brandt, no Seminário Regional: progressão continuada 
na alfabetização e letramento dos alunos do 1º ao 3º ano, realizado na UNISC, em junho de 2011. 
 
 
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escrita foram elaborados, como exemplo: bingo de palavras, 
jogo da memória e caça-palavras. (relato da professora Ana 
Luísa Brandt, junho de 2011) 
 
Percebe-se nesta tarefa a função social da escrita, ou seja, registrar algo 
com o objetivo real de comunicação. As crianças, ainda em processo de alfabetização, 
valem-se da escrita para descobrir algo que é de seu interesse: a história do seu 
próprio nome e depois da escola. 
Dando sequência ao projeto, a professora leu para as crianças a história do 
Aniversário do Seu Alfabeto
2. 
 
Contada a história aos alunos, eles sugeriram a confecção 
de um mascote da história. Confeccionado o mascote, as 
crianças tiveram a ideia de realizar uma festa de aniversário 
para o “Mascote Alfabeto”. Através de vários questionamentos, 
solicitei sugestões dos alunos sobre como organizar a festa: O 
que vamos fazer? Quem vamos convidar? Decidida a forma 
como seria realizada a tal festa, lancei o seguinte desafio: Como 
vamos fazer para convidar as pessoas para a festa que estamos 
organizando? Como vocês fazem para convidar as pessoas para 
a festa de aniversário de vocês? As crianças logo responderam 
que deveriam fazer um convite. Assim, a turma toda se 
envolveu para criar o convite. Vários convites foram levados 
para a aula do dia seguinte, discuti com as crianças a forma de 
como seria elaborado o convite e para quem seria enviado. 
(relato da professora Ana Luísa Brandt, junho de 2011)2
 PIEDADE, Amir. O Aniversário do Seu Alfabeto. Editora Cortez, 2008. 
 
 
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Aqui, novamente a escrita coletiva do texto passa a ter uma função 
importante, além, é claro, da função comunicativa da produção textual: escrever um 
convite para convidar algumas pessoas para a festa de aniversário do mascote criado 
pela turma. Com o convite pronto e entregue para uma relação de convidados 
escolhidos pelos alunos e professora, era ainda necessário pensar na organização da 
festa. Novas listas foram escritas: lista do que servir aos convidados, lista do que cada 
um deveria trazer para a festa. 
Também surgiu a ideia de a turma fazer um bolo de laranja para ser servido 
durante a festa. Para dar conta de tal tarefa, a professora solicitou que as crianças 
trouxessem receitas de bolo. Assim, o gênero discursivo receita também foi explorado 
pela turma. Leram várias receitas até escolherem uma delas para, efetivamente, 
fazerem o bolo na cozinha da escola. Convidaram também uma merendeira da escola 
para que contasse às crianças sobre os cuidados higiênicos que devemos ter durante o 
preparo dos alimentos. Outras ideias de receitas foram sugeridas pelas crianças, entre 
elas, a de fazer uma sopa de letrinhas. Ideia aceita e mãos à obra. 
 
Além disso, era preciso pensar e planejar as atrações da festa. A 
história do Seu Alfabeto foi dramatizada por um grupo de 
alunos, outros tiveram a tarefa de recepcionar os convidados, 
outros de fazer um pronunciamento dando boas-vindas e 
anunciando a programação do evento. Lembrei de fazer o 
registro do evento através de filmagem com o uso da máquina 
fotográfica. Dias depois, essa mesma filmagem foi analisada 
pelas crianças e apresentada aos pais. A partir daí, surgiu a 
ideia de a turma inventar histórias em grupos a partir de livros 
que apenas possuem imagens. Era preciso planejar, escolher os 
livros, criar um roteiro, formar os grupos, registrar as histórias e 
ensaiar para, após tudo isso, dar início às filmagens. Aí 
novamente perguntei: Para quem vamos mostrar nossa 
 
 
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produção? (relato da professora Ana Luísa Brandt, junho de 
2011) 
 
A turma decidiu, desta vez, convidar os pais. Era preciso então 
confeccionar cartazes para divulgar o evento, produzir os convites para os pais, 
escrever um bilhete para a diretora comunicando a realização do evento da turma. 
Vários textos precisaram ser escritos com a ajuda da professora para dar conta da 
realização do evento da turma. A professora, por meio dessa atividade, despertou nas 
crianças um envolvimento intenso e ajudou-os a construir conhecimentos sobre nosso 
sistema de escrita. 
Um destaque que podemos fazer nessa prática de ensino é a experiência 
com gêneros discursivos (orais e escritos) por crianças de seis anos de idade. Nesse 
caso, elas estavam aprendendo sobre a linguagem usada para escrever e sobre as 
práticas diversificadas de uso da escrita. Levar as crianças a perceber que as 
capacidades e os conhecimentos dos quais elas dispõem, relativos aos textos orais, 
podem ser transferidos para a produção de textos escritos é um objetivo 
especialmente importante nos anos iniciais do ensino fundamental. 
 
Fazendo um balanço 
Busquei, neste texto, enfatizar que o entendimento sobre como funciona a 
nossa escrita pressupõe ter familiaridade e se apropriar das diferentes práticas sociais 
em que os textos circulam, ou seja, de não apenas ler e registrar palavras numa escrita 
alfabética, mas de poder ler-compreender e produzir os textos que compartilhamos 
como participantes de interações sociais mediadas pelo texto escrito. 
Acredito que, como educadores da linguagem, devemos ampliar a perspectiva 
do aluno sobre situações vivenciáveis por ele. Em outras palavras, devemos ampliar o 
leque de possibilidades de experiências, trazendo o mundo para a sala de aula e 
levando o aluno a vivenciar o mundo “lá fora”. Nesse sentido, a contribuição da noção 
de gêneros discursivos para o ensino de línguas é chamar a atenção para a importância 
 
 
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de se vivenciar na escola atividades sociais, das quais a linguagem é parte essencial, ou 
seja, é com o propósito de dialogar com um leitor que se constitui a escrita como 
prática social. A meu ver, a prática de alfabetização aqui apresentada cumpriu essa 
função. 
 
Referências 
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4ª 
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
BRANDÃO, Helena. Gêneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso 
político, divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2003. 
Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos 
de idade/ organização Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do 
Nascimento. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 
GERALDI, J. W. (1993-1997-2003). Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes. 
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: 
Parábola Editorial, 2008. 
POSSENTI, Sírio. Sobre o Ensino de Português na Escola. In: GERALDI, João Wanderley 
(org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 2002. 
 
 
 
Maristela Juchum – Doutoranda em Linguística Aplicada/UFRGS. 
Supervisora Pedagógica da Secretaria de Educação de Lajeado/RS. 
Professora de Língua Portuguesa do Centro Universitário – UNIVATES. 
 
Ana Luísa Brandt – Mestre em Educação/UNISC. Professora do 1º Ano 
do Ensino Fundamental da EEEM Guia Lopes, da cidade de 
Candelária/RS.

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