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TRABALHO CHOCOLATE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS
ENGENHARIA DE ALIMENTOS
SUBSTITUTOS DE MANTEIGA DE CACAU
LAVRAS-MG
2014
CHOCOLATE – SUBSTITUTOS DA MANTEIGA DE CACAU
O chocolate é um produto obtido pela combinação dos diferentes componentes da amêndoa de cacau processada (Simoneau et al., 1999). No chocolate meio amargo, a única gordura utilizada é a manteiga de cacau (MC) e, no chocolate ao leite, utiliza-se também a gordura do leite (Miquel et al., 2001).
Devido às características físicas, composição e distribuição dos ácidos graxos, a MC é a gordura que apresenta as propriedades mais favoráveis para ser a matéria-prima essencial na fabricação do chocolate. A MC representa a fase contínua no chocolate, sendo responsável pela dispersão dos demais constituintes da fórmula.
O baixo suprimento de MC, a colheita de frutos de baixa qualidade, as vantagens econômicas como menor custo e benefícios tecnológicos, tais como, maior tolerância à gordura do leite, maior resistência às temperaturas altas, maior resistência à migração da gordura para a superfície do chocolate, mais conhecida como fat bloom (mancha esbranquiçada, normalmente encontrada na superfície do chocolate; está associada à migração da fração líquida da gordura dentro da matriz do chocolate e sua gradual recristalização não controlada na superfície do produto) (Cohen et al., 2004; Soon,1991), impulsionaram o desenvolvimento de gorduras especiais como alternativa para substituição da MC (Lipp et al., 2001; Lannes e Gioielli, 1995). Esforços têm sido feitos para substituir parte da manteiga de cacau por essas gorduras na fabricação do chocolate (Minim et al., 2000; Lipp e Anklam, 1998). De acordo com Lipp e Anklam (1998), as gorduras que podem ser utilizadas na fabricação de chocolate e seus sucedâneos são classificadas de acordo com as suas diferenças funcionais em CBA (cocoa butter alternative - alternativa para a manteiga de cacau), CBR (cocoa butter replacer - repositor de manteiga de cacau) e CBS (cocoa butter substitute - substituto da manteiga de cacau).
A CBA é o nome genérico dado às gorduras que exercem total ou parcialmente a função da manteiga de cacau. Nesta classe, têm-se a CBE, CBX e CBI. A CBE (cocoa butter equivalent - equivalente da manteiga de cacau) é uma gordura não láurica, possui característica físico-química semelhante à da manteiga de cacau e pode ser misturada em qualquer proporção, sem alterar as características da manteiga de cacau. A CBX (cocoa butter extender - extensor da manteiga de cacau) é similar à CBE, porém não pode ser misturada à manteiga de cacau em qualquer proporção. Já a CBI (cocoa butter improver – melhorador da manteiga de cacau) é semelhante à CBE, mas possui um maior teor de sólidos. É utilizada para conferir maior dureza à manteiga de cacau macia (com teor de sólidos mais baixos).
A CBR é uma gordura não láurica que possui os mesmos ácidos graxos que a manteiga de cacau, porém com estruturas de triglicerídeos diferentes. É compatível com a manteiga de cacau em pequenas proporções.
A CBS é uma gordura láurica, quimicamente diferente da manteiga de cacau e possui algumas características físicas semelhantes às da manteiga de cacau. Não pode ser utilizada junto com a manteiga de cacau.
A utilização de outros tipos de gorduras vegetais, inclusive da CBE, na fabricação de chocolate, é um assunto controverso e ainda muito discutido em todo o mundo.
O Codex Alimentarius de Chocolates não recomenda a utilização de outra gordura vegetal além da MC (Codex, 1987). Porém, a União Européia aprovou em 23 de junho de 2000 a utilização de até 5% de CBE na fabricação de chocolate (Official Journal of the European Communities, 2000). Mesmo assim, nem todos os países aderiram. Segundo Lipp e Anklam (1998), apenas a Dinamarca, Inglaterra, Irlanda, Suécia, Portugal, Finlândia e Áustria permitem a utilização de CBE na fabricação do chocolate.
Nos EUA não são permitidas as utilizações de nenhum outro tipo de gordura vegetal além da MC (FDA, 2001). A Argentina (Código Alimentario Argentino) compartilha essa proibição com os EUA.
O Chile permite a substituição de até 5% da MC por outra gordura vegetal, desde que seja respeitado o limite mínimo de 18% de MC e 20% de teor de sólidos de cacau (Reglamento Sanitario de los Alimentos, 1999).
O México (Nom, 2002) e a Venezuela aprovam a utilização de até 5% de outra gordura vegetal diferente da MC (Covenin, 1999).
No Brasil, foi aprovada em agosto de 2003 a Resolução de nº 227, que altera o PIQ (padrão de identidade e qualidade) do chocolate, permitindo a utilização de outros tipos de gordura além da MC, desde que seja atendido o teor mínimo de 25% de partes de cacau para o chocolate ao leite e 20% para o chocolate branco (ANVISA, 2003).
No estudo sobre as alternativas de gorduras para substituir a MC na fabricação do chocolate, é necessário definir as propriedades essenciais que a gordura deverá possuir. Tais propriedades poderão ser físicas, químicas, sensoriais ou nutricionais e dependerão da sua finalidade e utilização (Gunstone, 1998).
No chocolate, as propriedades físicas e sensoriais são importantes. As propriedades físicas estão comumente associadas à cristalização e ao seu comportamento durante a fusão. E as sensoriais estão diretamente ligadas à aceitação do produto pelos consumidores. Das gorduras alternativas existentes e citadas anteriormente, a CBE é o tipo que possui a composição de ácidos graxos mais próxima à da MC (Simoneau et al., 1999). É uma gordura não láurica (não possui ácido láurico), possui características físico-químicas também similares e pode ser misturada à MC em qualquer proporção (Minim et al., 2000; Lipp e Anklam, 1998) e, dependendo da quantidade utilizada, não altera o perfil sensorial do chocolate.
Segundo dados de 2004 da ABICAB, o faturamento do setor comercial do varejo foi de R$ 3,7 bilhões em Chocolate (incluindo a Páscoa). No primeiro semestre de 2004, as exportações do setor tiveram um aumento significativo em relação ao mesmo período de 2003. Foram vendidos 23.916,07 quilos, 27% do volume exportado nos primeiros seis meses de 2003, o que representou um aumento de 36% no faturamento, que foi de US$ 51.580.004,00. O consumo aparente (resultado do consumo obtido por meio da soma da produção e importação menos a quantidade exportada) (ABICAB, 2004) de todos os tipos de chocolate no Brasil vem aumentando a cada ano. Mesmo assim, a produção mundial de cacau tem-se mantido praticamente constante.
O cacau e a manteiga de cacau são commodities, cujos preços por tonelada são cotados em dólar pelas bolsas de valores e estão diretamente ligados às oscilações das bolsas de commodities de Londres e de Nova Iorque (ABICAB, 2004).
O volume de CBE produzido no mundo em 2002 e 2003 foi de aproximadamente 43.000 e 50.000 toneladas respectivamente. O preço da CBE não é fixo, está indexado ao preço da manteiga de cacau. O preço da CBE é da ordem de 65% a 85% do preço da MC, pois depende do tipo, da qualidade e do volume comprado de CBE (Aarhus United, 2004).
De acordo com Cook (1972), a razão para o uso de CBE na fabricação de chocolate é uma combinação dos aspectos tecnológicos e econômicos. A substituição de parte da MC por CBE poderá contribuir para a redução do custo do chocolate e também melhorar a qualidade do chocolate, pois poderá aumentar a sua resistência térmica, retardar o afloramento da gordura, causando poucas alterações nas características de qualidade apreciadas pelos consumidores.
MANTEIGA DE CACAU (MC)
A manteiga de cacau é a única fase contínua do chocolate e responsável pela dispersão de todos os seus demais constituintes (Lipp e Anklam, 1998). É única, entre as gorduras vegetais, no que diz respeito à sua composição e cristalização. De todos os ingredientes presentes no chocolate, nenhum outro possui maior influência em sua propriedade físico-química do que a manteiga de cacau (Minifie, 1989).
Na sua composição, 97 a 98% são representados por triglicerídeos, sendo o restanteconstituído por diglicerídeos, monoglicerídeos e ácidos graxos livres, além de componentes menos solubilizados tais como esteróis e tocoferóis.
Os triglicerídeos são formados principalmente pelos ácidos graxos palmítico (C16), esteárico (C18) e oléico (C18:1). Praticamente todo o ácido oléico se encontra esterificado na posição central da molécula do glicerol enquanto que os ácidos graxos saturados esterificam na posição 1 e 3. Essa particularidade faz com que a manteiga de cacau apresente três principais triglicerídeos simétricos, POP (1,3-Dipalmitato-2-oleato triacilglicerol), EOE (1,3-Diestearato-2-oleato triacilglicerol) e POE (1-Palmitato-2-oleato-3-esteararato triacilglicerol), os quais, somados, podem representar mais de 75% da composição em triglicerídeos da manteiga de cacau ou cerca de 90% do total dos triglicerídeos monoinsaturados. Em razão dessa simetria, a manteiga de cacau cristaliza-se em uma alta ordem estrutural, responsável pelas suas propriedades únicas de fusão e cristalização bem definidas, similares aos de uma substância pura (Cohen et al., 2004; Alander et al., 2002; Saldaña et al., 2002; Lipp et al., 2001; Simoneau et al., 2000; Minifie, 1989).
A manteiga de cacau possui uma cor amarela e é completamente fundida a uma temperatura próxima de 35 ºC (Saldaña et al., 2002; Lipp et al., 2001; Minifie, 1989). Além disso, de acordo com Bailey (1961), o seu ponto de fusão pode variar de 26 a 36 ºC dependendo do tipo de cristal formado durante o seu resfriamento. Devido ao seu ponto de fusão, a manteiga de cacau não é cerosa ao tato. A combinação dessa propriedade com a sua dureza à temperatura ambiente e o fato de possuir um ponto de fusão inferior à temperatura do corpo humano tornam-na apropriada para ser utilizada como fase contínua na fabricação do chocolate (Bailey, 1961). Estudos têm demonstrado que as variações de temperatura existentes entre as diversas regiões geográficas possuem um efeito significativo nas características da manteiga de cacau. Segundo Soon (1991) talvez essa seja a razão pela qual a manteiga de cacau de diferentes procedências geográficas possui diferentes níveis de dureza e pequenas variações no seu ponto de fusão. Essas pequenas variações no resultado de medição do ponto de fusão devem-se, muitas vezes, às técnicas utilizadas na medição que não são quantitativamente acuradas.
Para entender a diferença existente nos níveis de dureza da manteiga de cacau, é necessário analisar o ponto de fusão juntamente com o teor de gordura sólida (TGS) da amostra em diferentes temperaturas. Conhecer o TGS da manteiga de cacau é importante, pois expressa a propriedade física que é diretamente responsável pela textura do chocolate (Saggin e Coupland, 2002) e, conseqüentemente, pelas características de dureza à temperatura ambiente, de brilho, de quebra à temperatura ambiente (snap - a manteiga de cacau é dura e quebradiça, conferindo ao chocolate a característica de se quebrar à temperatura ambiente) (Soon, 1991), pela rápida e total fusão na boca, pela liberação do sabor, pela contração durante o desmolde (Foubert et al., 2003). O teor de gordura sólida também é influenciado pela origem geográfica da MC (Saldanã et al., 2002; Alander et al., 2002; Lipp et al., 2001; Simoneau et al., 2000; Minifie, 1989; Lipp e Anklam, 1998).
A cristalização da manteiga de cacau tem sido extensivamente estudada (Foubert et al., 2003). As propriedades físicas da manteiga de cacau estão diretamente associadas à cristalização, ao tipo de cristal formado e ao comportamento na faixa de fusão (Akoh, 1998).
Apesar de a composição da MC ser predominantemente de triglicerídeos POP, EOE, POE, ela apresenta um alto grau de polimorfismo que influencia diretamente na sua fusão e no teor de sólidos em diferentes temperaturas.
Dependendo das condições de processo utilizadas, a manteiga de cacau pode cristalizar-se em diferentes formas cristalinas, cada uma das quais possui um determinado ponto de fusão e volume físico de massa sólida. O polimorfismo da MC é muito discutido na literatura técnica devido à sua grande influência nas propriedades físicas e sensoriais do chocolate. Existe uma discrepância nos dados apresentados com relação ao número de formas cristalinas presentes e seus respectivos pontos ou faixas de fusão. Durante muitos anos, vários pesquisadores reportaram a existência de 06 formas polimórficas da MC, porém, nos últimos anos, tem-se acreditado na existência de apenas 05 delas. As formas cristalinas da MC são designadas por algarismos romanos ou letras gregas. O polimorfismo da MC, por ser irreversível e possuir apenas uma forma estável, é classificado como monotrópico. Na fabricação de chocolate, é desejável que a manteiga de cacau se cristalize na forma cristalina beta, identificada como a mais estável (Cohen et al., 2004).
De acordo com Vaeck, citado por Cook (1972), a forma gama aparece a temperaturas abaixo de 17 ºC, possui um tempo de vida de poucos segundos quando está a uma temperatura próxima ao seu ponto de fusão, não mais do que um minuto quando próximo a 0 ºC, e rapidamente se transforma na forma alfa. A forma alfa só existe por causa da transformação da forma gama. Possui um ponto de fusão de 23 ºC. A forma beta-prima é a mais comum e origina-se da forma alfa ou pode cristalizar-se sozinha a temperaturas de 18 a 23 ºC. Possui um ponto de fusão de 28 ºC e é muito mais estável do que a alfa. A forma beta-prima transformar-se-á na forma mais estável beta, porém a sua transformação total somente ocorrerá após um mês de estocagem a uma temperatura de 21 ºC. A forma beta pode formar-se pela transformação da forma beta-prima, ou sozinha a temperaturas de 23 a 34 ºC.
A forma β (beta) ou β-3, é a mais estável de todas as formas polimórficas da manteiga de cacau no estado sólido. A forma β (beta) não é encontrada na MC quando esta estiver no estado líquido. Durante o processo de fabricação do chocolate, a maioria das formas polimórficas dos triglicerídeos POP, POE, EOE da MC podem existir e, quando temperadas, poderão atingir a temperatura de estabilidade e as respectivas formas estáveis β-POP, β-POE e β-EOE, conferindo as características de qualidade (brilho, quebra seguido de um estalido à temperatura ambiente, resistência térmica, rápida fusão e contração) desejada ao chocolate (Soon, 1991).
Referências:
Alander, J., Anderson, A.C., Bagge, C., Anserson, A.C., Bagge, C., Helmbring, G., Hjorth, M., Hagre, J., Komen, G., Kristofferson, C., Modig, M., Nilsson, J., Norberg, S., Pedersen, M., Wennermark, B., Wennermark, H. (2002) Handbook Vegetable Oils and Fats. Suécia: Civilen AB, Halmstad, 255p.
Bailey, A.E. (1961) Aceites y Grasas Industriales. 2. ed. Barcelona, Buenos Aires, México: Reverté S.A., 741p.
Simoneau, C., Hannaert, P., Anklam, E. (1999) Detection and quantification of cocoa butter equivalents in chocolate model systems: analysis of triglyceride profiles by high resolution GC. Food Chemistry, 65:111-116.
Miquel, M.E., Carli, S., Couzens, P.J., Wille, H.-J., Hall, L.D. (2001) Kinetics of the migration of lipids in composite chocolate measured by magnetic resonance imaging. Food Research International, 34:773-781.
Cohen, K.O., Luccas, V., Jackix, M.N.H. (2004) Revisão: Temperagem ou PréCristalização do Chocolate. Brazilian Journal of Food Technology, 7 (1):23-30.
Cook, L.R. (1972) Chocolate Production and Use. Nova York: Books for Industry, Inc., 505p.
Lipp, M., Simoneau, C., Ulberth, F., Anklam, E., Crews, C., Brereton, P., Greyt, W., Schwack, W., Wiedmaier, C. (2001) Composition of Genuine Cocoa Butter and Cocoa Butter Equivalents. Journal of Food Composition and Analysis, 14:399-408.
Minim, V.P.R., Silva, M.A.A.P., Cecchi, H.M. (2000) Perfil sensorial de ovos de páscoa. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 20:47-50.
Minifie, B.W. (1989) Chocolate, Cocoa and Confectionery: Science and Technology. 3. ed. EUA, New York: Van Nostrand Reinhold, 904p.
Official Journal of the European Communities (2000).
Codex Alimentarius. Standard for Chocolate, CODEXSTAN 87-1987; 
Código Alimentario Argentino – Capítulo XV Productos Estimulantes o Frutivos – Cacao y Chocolate.
COVENIN, Norma Venezolana Chocolate. 2da Revisión, FONDONORMA, 52:1999.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 227, de 28 de agosto de 2003. Diário Oficial da União de 01 de setembro de 2003;
Gunstone, F.D. (1998) Movements toward tailor made fats. Progr. Lipid Research, 37:277–305.
Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Balas e Derivados.
Soon, W. (1991) Speciality Fats versus Cocoa Butter. Malásia, 522p.

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