Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Patologia Oncológica I 1 Patologia Oncológica I Professora Caroline Palmeira dos Santos Patologia Oncológica I 2 Sumário 1 Introdução ao câncer .................................................................................3 1.1 Fatores de risco relacionados ao câncer ............................................................3 2 Tumorigênese .............................................................................................4 3 Carcinogênese ............................................................................................4 3.1 Carcinógenos .................................................................................................5 4 Componentes básicos dos tumores ............................................................ 6 5 Características das neoplasias ................................................................... 6 6 Microambiente tumoral ..............................................................................6 7 Características adquiridas pela célula tumoral .......................................... 6 7.1 Autossuficiência em sinais proliferativos ............................................................7 7.2 Insensibilidade aos sinais antiproliferativos .......................................................7 7.3 Evasão aos mecanismos de morte celular .........................................................7 7.4 Potencial replicativo ilimitado ...........................................................................8 7.5 Reprogramação do metabolismo energético ......................................................9 7.6 Evasão ao sistema imune ................................................................................10 7.7 Angiogênese sustentada ..................................................................................10 7.8 Invasão e metástase .......................................................................................10 8 Genes supressores de tumor, proto-oncogenes e oncogenes .................... 12 9 Crescimento tumoral ..................................................................................13 10 Nomenclatura dos tumores ...................................................................... 15 10.1 Morfologia tumoral ........................................................................................16 11 Estadiamento do tumor ............................................................................ 16 Referências ....................................................................................................17 Patologia Oncológica I 3 1 Introdução ao câncer O câncer figura entre as dez principais causas de morte no mundo e, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os cânceres de pulmão, traqueia e brônquios, mais especificamente, constituem atualmente a sétima causa de morte do planeta (NEWS.MED.BR, 2013). De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) citadas pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), em estudo realizado entre o período de 1999 e 2008, o câncer é a segunda principal causa de morte no Brasil, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares — como o acidente vascular encefálico, infarto e hipertensão (INSTITUTO..., 2014). Câncer é o nome dado a um conjunto de diferentes patologias que compartilham o fato de apresentarem um crescimento celular desordenado, possuindo a capacidade de invadir tecidos e órgãos e podendo disseminar-se para outras regiões do organismo. Devido à proliferação celular desordenada, essas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, o que determina a formação de tumores que podem ser benignos ou malignos, em razão de suas características. A palavra neoplasia — originada do grego neo, que significa novo, e plasia, que significa formação — é o termo que define as modificações ocorrentes no nível celular e molecular da célula normal, que acarretam um crescimento exagerado dessas células, isto é, uma proliferação celular anormal, incontrolável e autônoma, na qual reduzem ou perdem a capacidade de diferenciação em consequência das modificações ocorridas nos genes. O termo neoplasia é, portanto, sinônimo de tumor e pode ser classificado como benigno ou maligno. A neoplasia benigna, ou ainda tumor benigno, refere-se à neoplasia que não tem capacidade de fazer metástase, ou seja, invadir outros tecidos ou órgãos e migrar para outras regiões do organismo. Portanto, são células alteradas que são restritas, isto é, autolimitadas a uma parte do corpo e que, na grande maioria dos casos, o paciente não evolui a óbito. Contudo, muitas vezes esses tumores precisam ser retirados ou tratados pois podem comprimir alguma estrutura, causando danos ou, após determinado período de tempo e outras influências, podem transformar-se em um tumor maligno. A neoplasia maligna (também chamada de tumor maligno ou mais comumente conhecida como câncer) é aquela que apresenta características invasivas e de metástase com rápido crescimento e disseminação, que, se não descoberta e tratada precocemente, pode ocasionar a morte do paciente. Isso dependerá do tipo de câncer e da resposta do paciente à determinada patologia. O primeiro relato de câncer em humanos data de 4000 anos antes de Cristo, e mais tarde especialistas sugeriram que se tratava de um caso de linfoma com sinais clínicos em maxilar. De acordo com Mukherjee (2012), civilizações antigas como os egípcios, persas e indianos também relataram casos parecidos a tumores e, mais tarde, Hipócrates relatou os tumores como uma “...massa dura que reaparece depois de extirpada...”, sendo este autor que cunhou a palavra “câncer”. Segundo Stewart e Wild (2014), a OMS prevê 27 milhões de novos casos, 17 milhões de óbitos e 75 milhões de pacientes sobreviventes para o ano de 2030. 1.1 Fatores de risco relacionados ao câncer A multicausalidade é frequente na formação do câncer. De uma forma geral, pode-se citar como fatores de risco para o câncer a idade, fatores geográficos, condições predisponentes não hereditárias e predisposição genética. A idade contribui para o aparecimento do câncer devido a aspectos como o declínio do sistema imune, que ocorre em decorrência do próprio envelhecimento, e ao acúmulo de mutações ao longo da vida. Por exemplo, os carcinomas, a categoria mais comum encontrada em adultos, geralmente aparecem em torno dos 55 anos de idade. Patologia Oncológica I 4 Na infância, por sua vez, ocorrem tipos de câncer diferentes dos que são encontrados nos adultos. Geralmente as leucemias agudas e os neoplasmas de sistema nervoso central são os mais prevalente nessa população. Fatores geográficos surgem em consequência de fatores ambientais, como a exposição à carcinógenos (tais como raios UV e nitrosaminas), estando também relacionados à cultura e hábitos de cada população, a exemplo da obesidade, consumo de álcool, tabagismo, entre outras peculiaridades culturais. Entre as condições predisponentes não hereditárias podemos citar os processos de regenerações proliferativas, como a hiperplasia, displasia e metaplasia. Estes processos podem predispor o indivíduo ao câncer, visto que a proliferação celular está envolvida na transformação neoplásica e as diversas proliferações podem acumular lesões que culminam na carcinogênese. A predisposição genética varia muito em relação ao tipo de câncer, porém apenas 5 a 10% de todos os casos da doença são consequência de alterações genéticas herdadas, segundo dados da Rede Nacional de Câncer Familial (MINISTÉRIO..., 2009). 2 Tumorigênese O processo de tumorigênese — que consiste no desenvolvimento da célula tumoral e, por conseguinte, do tumor — é consequência de perdas consecutivas dos mecanismos regulatórios de proliferação, diferenciação e morte celular. Tais perdas refletem-se em alterações genéticas, as quais progressivamentetransformam as células normais em tumorais que, por sua vez, podem originar um tumor maligno ou benigno. Os processos de instabilidade genômica, inflamação e o microambiente tumoral contribuem tanto para a tumorigênese quanto para a progressão tumoral. A instabilidade genômica, isto é, a sucessão de alterações no genoma das células que conferem vantagens seletivas, permite que as células neoplásicas dominem em um ambiente, por meio do comprometimento da maquinaria de detecção do reparo genômico e do acúmulo de mutações aleatórias. A inflamação pode contribuir de diversas maneiras, uma vez que fornece fatores pró-angiogênicos, isto é, fatores que auxiliarão o desenvolvimento de novos vasos ao redor do tumor, assim como fatores de crescimento e sobrevivência ao microambiente tumoral. O processo inflamatório libera ainda enzimas que modulam a matriz extracelular, facilitando a angiogênese, a invasão e a metástase, além de induzir sinais que podem levar à ativação do programa de transição epitélio- mesênquima, que é o início do processo de metastização. Vale lembrar que as células inflamatórias liberam espécies reativas de oxigênio, citocinas e de nitrogênio, que são altamente mutagênicas, propiciando a tumorigênese e a progressão tumoral. Em um primeiro momento isso pode ser uma resposta adaptativa, sendo que mais tarde essas células serão eliminadas; porém, em longo prazo (como em uma inflamação crônica), tal comportamento representa uma desadaptação, permitindo a formação e permanência de células tumorais. 3 Carcinogênese Trata-se do processo de desenvolvimento do tumor maligno, mais conhecido como câncer, e consiste em três etapas: a iniciação, a promoção e a progressão. O processo de iniciação, também denominado como indução, frequentemente ocorre por efeito de agentes mutagênicos, chamados de iniciadores, indutores ou carcinógenos, que serão responsáveis também pela etapa de progressão. Os carcinógenos provocam uma alteração na estrutura do DNA da célula normal, alteração esta que é herdável, ou seja, se acumula com o passar das proliferações celulares. Tais alterações podem ou não ser irreversíveis. Patologia Oncológica I 5 Em caso positivo, a probabilidade da célula normal se transformar em maligna é muito grande; porém, a célula pode ser conduzida aos processos de morte celular, parada de proliferação ou senescência (que consiste no processo de parada, que pode ser reversível) de divisão e metabolização celular. A promoção é o período em que a célula, que já passou pelo processo de iniciação, se expande e adquire novas alterações genéticas. Nessa fase a célula adquire vantagens proliferativas, que as estimulam a proliferar sem controle. Existem substâncias promotoras que não são necessariamente carcinogênicas e que potencializam a ação das iniciadoras (carcinogênicas), criando assim condições favoráveis para a completa transformação maligna. Essa etapa é reversível, visto que é mais importante a frequência do agente promotor do que a dose em si. Em certos casos, quando há a interrupção do contato da célula com o agente promotor ou essa dose é muito pequena e de baixa frequência (antes da completa conversão maligna), tal transformação não ocorre. Um exemplo de agente promotor é o medicamento fenobarbital. É ainda na promoção que ocorre o aparecimento de diversas populações heterogêneas, que apresentam diferentes conjuntos de alterações genéticas. Durante esta etapa acontecem muitas alterações genéticas que conferem ao tumor a capacidade de metastatizar, em virtude do aumento no potencial de invasão e de disseminação, como a ativação de oncogenes e perda da função de genes supressores de tumor. 3.1 Carcinógenos Os carcinógenos são substâncias que têm a capacidade de causar o aparecimento e desenvolver células tumorais. São classificados como carcinógenos químicos, físicos e biológicos. Os carcinógenos químicos atuam de maneira dose-dependente, isto é, precisam de anos de exposição antes de desenvolver o tumor. Além disso, eles possuem efeitos acumulativos, podendo agir de maneira sinérgica e também potencializar agentes promotores. Geralmente seus efeitos iniciais consistem em alterações nos processos de replicação, transcrição e tradução. Tal categoria subdivide-se em carcinógenos químicos diretos e indiretos, de forma que os primeiros independem de ativação enzimática, ao passo que estes últimos dependem desta ativação. Podem-se citar como exemplos de carcinógenos químicos diretos as nitrosaminas — que são encontradas no tabaco e em carnes em conserva — e as aminas aromáticas — encontradas em corantes alimentícios e até mesmo alguns medicamentos utilizados no tratamento de certas patologias oncológicas e não oncológicas, como o agente alquilante ciclofosfamida. Entre os carcinógenos químicos indiretos figuram os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (originados pela combustão incompleta de combustíveis fósseis e vegetais), os compostos inorgânicos encontrados em diversos ambientes industriais e o cloreto de vinila, que pode ser encontrado nos refrigerantes. Também existem carcinógenos químicos que não se enquadram na classificação entre diretos e indiretos, como o etanol encontrado nas bebidas alcoólicas, os inseticidas e agrotóxicos e o óxido nítrico, encontrado na fumaça do tabaco. No que diz respeito aos carcinógenos físicos, pode- se citar a radiação ultravioleta (conhecida simplesmente por radiação UV), a radiação ionizante, radiação eletromagnética (encontrada nos raios X e raios gama) e a radiação particulada (neste caso os nêutrons e partículas alfa). Esses diferentes tipos de radiação causam a modificação do DNA e produzem radicais livres, que são agentes mutagênicos endógenos. Já os carcinógenos biológicos consistem nos vírus com conhecida capacidade oncogênica, e são responsáveis por 15 a 20% dos cânceres. Dentre eles pode-se citar o papilomavírus humano, mais conhecido como HPV, Patologia Oncológica I 6 sabidamente responsável por alguns tipos de câncer de colo de útero, cavidade oral, anogenital, pele e laringe. Outros vírus com capacidade oncogênica são os vírus da hepatite B e C (que podem causar cânceres de fígado), o vírus da imunodeficiência humana (o HIV, que pode causar linfomas, melanoma e sarcoma de Kaposi) e o HTLV-1 — human T leukemia virus type 1 — (causador de linfomas e leucemia de células T). Estes também podem ser classificados em carcinógenos biológicos diretos — nos casos em que o vírus secreta proteínas que são capazes de interagir e modificar as atividades de proteínas envolvidas no controle da proliferação celular, como a proteína p53 — ou em carcinógenos biológicos indiretos — quando ocorre uma mutagênese insercional, isto é, o genoma viral é responsável pela mutagênese e se encaixa em genes de crescimento da célula hospedeira, aumentando assim sua capacidade proliferativa e outros processos. Há ainda os agentes mutagênicos endógenos, ou seja, que são produzidos naturalmente pelo próprio organismo. Dentre eles podemos citar as espécies reativas de oxigênio (EROs), como o superóxido (O2-.), hidroperoxila (HO2.), hidroxila (OH), e o peróxido de hidrogênio (H2O2), originados durante o metabolismo energético dependente de oxigênio. Também estão nesse grupo o óxido nítrico e as nitrosaminas endógenas. 4 Componentes básicos dos tumores O tumor é formado, basicamente, pelo parênquima, que é composto pelas células neoplásicas, e pelo estroma, constituído pelo tecido conjuntivo, vasos sanguíneos, macrófagos e linfócitos. 5 Características das neoplasias As neoplasias apresentam diferenciação variada, ao passo que as células neoplásicas se parecem com as células normais, tanto morfologica quanto funcionalmente. Porém, em alguns tumores ocorre a anaplasia (que é a falta de diferenciação),geralmente associada a alterações morfológicas, como o pleomorfismo, que consiste na variação no tamanho e na forma da célula, e também à morfologia nuclear anormal, apresentando um núcleo hipercromático (devido a sua cromatina abundante), grandes nucléolos e formato irregular. O tumor benigno é bem diferenciado e comumente apresenta estruturas típicas do tecido de origem; já o tumor maligno apresenta falta de diferenciação com estrutura frequentemente atípica. As neoplasias apresentam ainda mitoses atipícas e bizarras, com fusos multipolares, além da perda da polaridade, que consiste na distribuição de organelas dentro da célula e do crescimento anárquico e desordenado, com a formação de células tumorais gigantes. 6 Microambiente tumoral O microambiente tumoral é um fator essencial na tumorigênese e na progressão tumoral, uma vez que coopera com as células do parênquima e também é auxiliado por elas, mecanismo conhecido como cooperação bidirecional. É composto pela matriz extracelular, fibroblastos, células inflamatórias e diversas proteínas, por exemplo, os fatores de crescimento. Ele proporciona condições físicas que favorecem o tumor, como a elevação da acidez extracelular, regiões de privação de oxigênio e nutrientes, alterando a matriz extracelular, que por sua vez gera barreiras terapêuticas, que minimizam o sucesso de eliminação do tumor. Como exemplo, citamos alguns medicamentos utilizados na terapia que não possuem ação no meio ácido conferido pelo microambiente, o que dificulta o tratamento. 7 Características adquiridas pela célula tumoral As células tumorais adquirem diversas características para a sua sobrevivência, dentre elas a autossuficiência em sinais proliferativos, insensibilidade aos sinais Patologia Oncológica I 7 antiproliferativos, evasão aos mecanismos de morte celular, potencial replicativo ilimitado, reprogramação do metabolismo energético, evasão ao sistema imune, angiogênese sustentada e invasão e metástase, sendo que estas últimas duas capacidades são exclusivas dos tumores malignos. 7.1 Autossuficiência em sinais proliferativos A célula normal depende de fatores externos para sair do estado chamado de quiescente e entrar em proliferação. A própria célula normal controla de maneira muito rígida tanto a produção quanto a liberação desses fatores de crescimento, de forma que possam progredir para o ciclo celular e a divisão da célula. Por sua vez, as células tumorais desregulam esses fatores por diferentes mecanismos, como a produção de fatores de crescimento com estimulação de seus próprios receptores, ou seja, levando a uma estimulação proliferativa autócrina e à superexpressão de receptores de superfície. Isso pode fazer com que as células se tornem hiper-responsivas aos fatores de crescimento ou alterem estruturalmente seus receptores, a fim de ativá- los de forma independente de ligante. As células tumorais também podem emitir sinais que induzem as células estromais a produzirem fatores de crescimento e ainda ativar constitutivamente suas vias de sinalização, dispensando os mecanismos de ativação convencionais. 7.2 Insensibilidade aos sinais antiproliferativos Uma vez que a célula tumoral já é capaz de produzir e induzir a produção de sinais proliferativos para o seu próprio crescimento, esta também desenvolve a capacidade de evadir ou, ao menos, resistir aos sinais que regulam negativamente a proliferação celular. Grande parte dos sinais antiproliferativos parte da ação de genes supressores de tumor, que atuam principalmente em processos de parada de proliferação celular, e, desta forma, mutações que inativam esses genes conduzem a célula a um crescimento descontrolado. Os dois genes supressores tumorais mais estudados são os genes p53 e RB. Tanto o gene p53 quanto o gene RB codificam proteínas de mesmo nome, a saber, a proteína p53 e proteína RB, respectivamente. São essas proteínas que decidem se a célula em questão irá proliferar, ativar programas de senescência ou entrar em morte celular programada, denominada apoptose. A proteína RB tem a capacidade de responder a sinais intra e extracelulares, como a falta de oxigênio, danos excessivos ao genoma e baixos níveis de glicose, e regula a passagem das células do estado G1 para a fase de síntese (fase S do ciclo celular), ou seja, é ela que determina se a célula deverá entrar em seu ciclo de divisão e crescimento. Já a proteína p53 responde apenas a sinais intracelulares, como os danos excessivos ao genoma, e determina se a célula em questão terá uma parada em seu ciclo ou se deve prosseguir para a morte celular por apoptose. Mutações nesses dois genes são comumente encontradas nas células tumorais malignas. 7.3 Evasão aos mecanismos de morte celular A apoptose, conhecida como morte celular programada do tipo I, é um processo altamente regulado por diversas vias de sinalização que têm um final em comum, e está presente em todas as células do organismo. Esta via está ativa desde as primeiras etapas do desenvolvimento, participando de diferentes processos. Sua ativação pode ocorrer em razão de anomalias como mitoses atípicas, danos no DNA e excesso de células em determinado tecido. A partir do reconhecimento dessas anomalias por suas proteínas fiscalizadoras, como a p53, uma complexa cascata de eventos proteolíticos é ativada e a célula vai progressivamente sendo desestruturada até Patologia Oncológica I 8 ser fagocitada por células do sistema imunológico ou até mesmo por células vizinhas. A célula apoptótica apresenta como características morfológicas o arredondamento celular, redução do volume celular (picnose), condensação da cromatina, fragmentação do núcleo (cariorréxis) e a formação de bolhas na membrana plasmática (blebs). Sua principal característica é a manutenção da integridade celular até os estágios finais de morte, sem a ativação da resposta inflamatória. Entretanto, as células tumorais desenvolveram estratégias para evadir dos mecanismos de morte celular. Além do já citado gene p53, que se encontra frequentemente mutado no câncer, pode-se citar o aumento nos reguladores antiapoptóticos, como as proteínas BCL-2 e BCL-xL encontradas superexpressas em alguns tipos de câncer, assim como a regulação negativa dos fatores pró- apoptóticos, como as proteínas BAX e BIM. Outros mecanismos de morte também são evadidos pelas células tumorais, como a necrose e até mesmo a autofagia, que vem sendo citada na literatura como mais uma forma de morte celular programada ainda em estudo. A necrose, ao contrário da apoptose, ainda não está definida como um processo altamente regulado de morte, uma vez que, ao morrer, a célula libera todo seu conteúdo citoplasmático no tecido adjacente, o que provoca lesões e inflamação, recrutando, por sua vez, as células do sistema imune para o local. As células necróticas apresentam como características morfológicas o aumento do volume celular, das organelas e do núcleo, a perda da integridade da membrana, ativação de resposta inflamatória local e lesão aos tecidos adjacentes. No entanto, já é sabido que as células inflamatórias também podem contribuir para o tumor, já que estimulam a angiogênese local, a proliferação celular e também a invasão. Como consequência, é possível que alguns tumores resistam a certo grau de necrose só para ganhar tais vantagens. A autofagia já está sendo citada na literatura como morte celular programada do tipo II. Trata-se de um processo fisiológico de renovação de proteínas e de outras macromoléculas, como agregados proteicos e organelas malformadas. A literatura sugere que a modulação da autofagia, tanto para estimulá-la como inibi-la, pode destruir as células tumorais, uma vez que esta pode usar a autofagia para conseguir nutrientes para sua sobrevivência, destruir fármacos,ou ainda sinalizar para a morte, por meio da interação com apoptose (BINCOLETTO et al., 2013). 7.4 Potencial replicativo ilimitado Uma célula normal possui um número limitado de replicações, e essa limitação de ciclos está associada a duas barreiras distintas da continuação do processo de proliferação celular. Uma delas é a condição de senescência, que é um estágio irreversível não proliferativo, mas que mantém a viabilidade celular. Por sua vez, a outra barreira corresponde à entrada no processo de morte celular. Evidências demonstram que os telômeros também estão envolvidos com essa proliferação desenfreada. Esses são sequências repetitivas de DNA localizados na extremidade dos cromossomos, que garantem a integridade da replicação do conteúdo genético evitando perdas de informação durante a replicação. A cada ciclo celular o telômero encurta, uma vez que esse não é replicado. Com o passar das replicações, os telômeros atingem seu tamanho mínimo, o que leva ao início dos danos no DNA cromossomal, danos estes que são reconhecidos pelas proteínas fiscalizadoras, como a p53, que encaminhará a célula para a senescência ou apoptose. Portanto, o tamanho do DNA telomérico dita a capacidade celular de replicação, antes de ela entrar em apoptose. A telomerase é uma transcriptase reversa que adiciona sequências repetitivas de DNA telomérico à extremidade 3’ do cromossomo. Para isso, ela usa um molde de RNA para a produção do DNA. A telomerase está presente principalmente em células embrionárias e tumores, já que Patologia Oncológica I 9 além de prevenir o encurtamento dos telômeros, o que retarda o envelhecimento, também ativa genes que fazem a célula proliferar. Ela está presente em 80% dos tumores humanos, de forma que os tumores não têm seus telômeros reduzidos com as sucessivas replicações, o que favorece, e muito, o crescimento tumoral. Por essa razão, inibidores da telomerase são considerados candidatos terapêuticos promissores, e a droga em estudo nesta área é o Imetelstat, ou GRN163L. 7.5 Reprogramação do metabolismo energético As células tumorais, além de desenvolverem mecanismos para manter a proliferação descontrolada e evadir-se da morte celular, ainda precisam reprogramar seu metabolismo, a fim de suprir suas necessidades energéticas, ainda mais frente ao estresse do ambiente, como a privação de oxigênio e nutrientes. Nas células normais, a glicose é oxidada em duas moléculas de piruvirato pela via da glicólise no citoplasma, que é uma das principais vias de formação do ATP, e posteriormente segue para a mitocôndria para a produção de energia na forma de ATP (adenosina trifosfato), por meio da fosforilação oxidativa. Esses processos acontecem sob condições aeróbias, porém, quando existe uma condição anaeróbia na célula normal o processo de glicólise é favorecido, fazendo com que o piruvato seja processado em lactato. Já as células tumorais, mesmo em condições aeróbias, reprogramam seu metabolismo de glicose por meio de uma produção limitada de glicose, chamada de glicólise aeróbia ou efeito Warburg. Este efeito está relacionado ao aumento do transporte de glicose pela membrana da célula tumoral, sendo verificado que há uma superexpressão dos genes que codificam a síntese de transportadores de glicose, como os receptores GLUT1, e também das principais enzimas que controlam a via glicolítica. Em nível de eficiência na produção de ATP essa reprogramação metabólica não é das mais vantajosas, uma vez que produz menos ATP do que a fosforilação oxidativa. Entretanto, trata-se de um processo mais rápido, e diversos metabólitos intermediários podem ser utilizados em outras biossínteses — como na produção de aminoácidos e nucleotídeos, que são necessários para a formação de novas organelas e geração de novas células. O efeito Warburg contribui para a geração de compostos nocivos pelo tumor, uma vez que induzem a acidose do microambiente tumoral, favorecem a invasão e a seleção de células tumorais resistentes, assim como suprimem a resposta imune antitumoral, induzem a morte de células normais, a degradação da matriz extracelular e promovem a angiogênese. Na prática clínica, essa reprogramação se faz útil no acompanhamento do paciente oncológico, auxiliando no prognóstico e análise da agressividade tumoral por meio da tomografia de emissão de pósitrons, conhecida como PET scan. Nesse procedimento é administrado ao paciente um análogo de glicose ligado a uma molécula fluorescente, a FDG (F-18-fluorodeoxyglucose). Como as células tumorais captam mais glicose do que as células normais em cerca de 50 vezes, esse procedimento detecta a maior captação de glicose pelas células tumorais, por meio da emissão de fluorescência dos tumores. Fonte:http://www.acrin.org/PATIENTS/ ABOUTIMAGINGEXAMSANDAGENTS/ABOUTPETSCANS.aspx Patologia Oncológica I 10 7.6 Evasão ao sistema imune As células tumorais podem expressar antígenos que são reconhecidos pelas células do sistema imune, o que leva a certa inibição do crescimento e disseminação; porém, o sistema imune não impede totalmente a formação dos tumores, uma vez que as células tumorais também desenvolvem ferramentas para evadir-se dele. Em alguns tumores ocorre a diminuição da expressão de proteínas apresentadoras de antígenos, o que impede seu reconhecimento pelos linfócitos citotóxicos. Também liberam TGF-β (fator de transformação de crescimento beta), que é um imunosupressor, ou seja, ele desativa células NK (natural killers) e linfócitos T citotóxicos. Além desses mecanismos, as células tumorais são capazes de atrair células do sistema imune que possuem ação imunosupressoras — neste caso, as células T reguladoras, que suprimem a atividade citotóxica dos linfócitos, o que garante ao tumor um ambiente ainda mais propício para desenvolver-se. 7.7 Angiogênese sustentada A angiogênese é fundamental para o crescimento tumoral, progressão do tumor e para a formação de metástases. A formação de novos vasos, além de fornecer oxigênio e nutrir o tumor, também drena o lixo metabólico e o dióxido de carbono. Ela também funciona como uma rota de disseminação via corrente sanguínea e vasos linfáticos. Em nível molecular, este processo é regulado por meio de fatores pró e antiangiogênicos. Os fatores pró-angiogênicos, como o VEGF (fator de crescimento vascular endotelial), FGF (fator de crescimento de fibroblastos), TNF (fator de necrose tumoral), TGF (fator transformante) e as metaloproteinases de matriz extracelular e integrinas são produtos das células tumorais e de outras células, como as do músculo liso, endoteliais, inflamatórias, fibroblastos e de plaquetas. Eles induzem, direta ou indiretamente, a proliferação e a diferenciação das células endoteliais para a formação dos novos vasos. Os fatores antiangiogênicos, como a angiostatina, interleucina-12, endostatina, trombospondina-1, tumstatina e arrestina, originam-se da ativação proteolítica de proteínas da matriz extracelular e da membrana basal vascular. Muitos são fragmentos derivados da matriz extracelular, como produtos de proteólise de diferentes tipos de colágeno. Eles atuam inibindo, direta ou indiretamente, a proliferação e a diferenciação das células endoteliais para a formação dos novos vasos. Nas células tumorais há um desbalanço entre estes fatores, o que leva a uma angiogênese sustentada durante o desenvolvimento tumoral, que contribui para a expansão e crescimento neoplásico. 7.8 Invasão e metástase O processo de invasão e metastatização é característico dos tumores malignos. Trata-se da principal causa de morbidade, ou seja, a soma de agravos à saúde e mortalidade relacionada ao câncer. O tumor benigno não apresenta invasão local, cresce como uma massa coesa e bem delimitada, geralmente formando uma cápsula fibrosa. Esta, por suavez, é formada de tecido conjuntivo comprimido derivado da matriz extracelular do tecido de origem, o que confere ao tumor a característica de massa palpável e móvel. Tal cápsula não impede seu crescimento. Uma exceção é o hemangioma, o tumor benigno de vasos sanguíneos, pois este não apresenta cápsula e aparenta estar invadindo o tecido adjacente, no caso a derme. Geralmente, nos tumores malignos a infiltração progressiva em forma de caranguejo é uma característica marcante, tanto que daí se originou o termo “câncer” que vem do latim, câncer = caranguejo. Patologia Oncológica I 11 Às vezes, o tumor maligno pode se desenvolver vagarosamente e formar uma pseudocápsula, que em nível de exame histológico apresenta fileiras de células que invadem os tecidos adjacentes. Seu crescimento vai comprimindo e destruindo os tecidos adjacentes, comprometendo estas estruturas, dependendo do seu sítio. A invasão se dá por etapas sequenciais, sendo elas: • In situ: a neoplasia se desenvolve no interior do tecido de origem e não ultrapassa a membrana basal; • Microinvasora: a neoplasia maligna ultrapassa a membrana basal em até 5 mm do tecido conjuntivo; • Invasora: a infiltração é verificada com invasão profunda de tecidos adjacentes. Milhares de células tumorais malignas são encontradas na circulação, porém a porcentagem de células que conseguem colonizar outro sítio é de 0,01%. As metástases são implantes tumorais descontínuos do tumor primário, representando a característica principal de diferenciação entre o tumor benigno e o câncer. A cascata metastática é composta por diversas etapas. De início, a célula tumoral precisa se soltar do tumor primário e não entrar em morte celular. Para tanto, primeiro elas precisam invadir a matriz extracelular (MEC) por meio de alterações (“relaxamento”) das interações célula-célula, o que leva à redução da capacidade de adesão, fazendo com que a célula se solte das outras. Uma vez desprendidas, essas células podem desencadear um processo de morte celular em razão do desprendimento, conhecido como anoikis; porém, algumas células também resistem a esse mecanismo de morte. A célula já solta começa a degradação da MEC por meio da produção de enzimas proteolíticas (como a catepsina D), com o auxílio das células estromais. Os produtos originados na clivagem de proteínas estimulam a migração das células tumorais pela ligação a diversos receptores e proteínas de sinalização, que realizam a contração do citoesqueleto para a passagem da célula tumoral através das células dos vasos sanguíneos ou linfáticos, atingindo assim a circulação. Uma vez que atinge a circulação, a célula está sujeita à destruição pela força de cisalhamento (que é o estresse mecânico da circulação), morte celular por anoikis e às defesas do sistema imune. Como mecanismo de resistência, as células tumorais começam a formar agregados com outras células tumorais, células do sistema imune e também com plaquetas, o que aumenta a sobrevida e a capacidade de se instalar em outro sítio. A partir desse ponto ocorre a adesão à membrana basal, extravasão dessas células para o novo sítio, instalação do depósito metastático e a angiogênese, seguida pelo crescimento tumoral, e, novamente, pela capacidade de metastatização. O câncer pode se disseminar por três vias diferentes, a saber, por implante direto, disseminação linfática ou disseminação hematológica. O implante direto em cavidades ou superfícies corpóreas pode ocorrer sempre que o tumor maligno penetrar em um “campo aberto” natural, como a cavidade pleural, subaracnoidea, pericárdica, articular e, a mais frequente entre elas, a cavidade peritoneal. A disseminação linfática é a via mais comum dos carcinomas, mas os sarcomas também a utilizam. O câncer não possui vasos linfáticos funcionais; ele se utiliza dos vasos linfáticos das margens tumorais para se disseminar. Os linfonodos localizados próximos aos tumores atuam como uma barreira contra a disseminação por um tempo. Neles, as células tumorais podem ser destruídas pela resposta imune tumoral específica, e a drenagem dos restos celulares e antígenos tumorais pode causar alterações reativas dentro deles, como a hiperplasia, que é uma proliferação fisiológica. Patologia Oncológica I 12 É por esse motivo que o aumento de um linfonodo próximo a um câncer, ao mesmo tempo em que levanta a suspeita de disseminação, não significa necessariamente um meio de propagação. A disseminação hematogênica, conhecida como hematológica, é a mais utilizada pelos sarcomas; porém, os carcinomas também podem se utilizar desta via. As células tumorais penetram mais facilmente nas veias devido a sua parede mais fina em comparação com as artérias. Apesar disso, alguns tipos de câncer também penetram as artérias. As metástases, por sua vez, são comumente encontradas no fígado, devido à drenagem do sistema porta fluir para ele, e em pulmões, em razão da drenagem da veia cava. Há que se ressaltar que alguns cânceres formam metástases, outros não e, dentre aqueles que formam, alguns possuem órgãos-alvo para suas metástases. Diversas teorias ainda estão sendo estudadas para explicar esses fatos, entre elas cita-se a teoria do modelo de evolução clonal, que sugere que um subconjunto de subclones desenvolve a combinação “certa” de produtos gênicos para viabilizar a metástase, em razão dos acúmulos de mutações. Outra teoria é que a metástase é resultado de alterações ocorridas ainda no início da evolução tumoral, por meio de propriedades intrínsecas da célula e também do microambiente tumoral. Quanto à predileção das metástases por um órgão-alvo, é sabido que as células tumorais podem ter moléculas de adesão cujos ligantes são expressos pelos órgãos-alvo. Um exemplo se encontra nas células tumorais que possuem receptores de quimiocinas, que são citocinas reguladoras da inflamação. Alguns tecidos expressam bastante essas quimiocinas, como no câncer de mama (este possui receptor de quimiocina CCR7); pulmões e linfonodos também expressam muito a quimiocina CCR7, o que acaba aumentando a probabilidade do aparecimento de metástase nesses tecidos. 8 Genes supressores de tumor, proto- oncogenes e oncogenes Os genes supressores de tumor são aqueles que quando ativados produzem proteínas que irão reparar o DNA, evitando assim a formação de células tumorais. Eles também podem produzir proteínas que param o ciclo celular caso haja alguma célula tumoral em ciclo. Podem- se citar os genes p53, RB1 (associado ao retinoblastoma), APC (associado ao câncer colo-retal), BRCA (associado ao câncer de mama e ovário). Também existem os genes supressores de metástase, que produzem proteínas de adesão celular que impedem as células de sofrerem metástase, pois não deixam que as células se soltem do tumor. Já os proto-oncogenes são genes que produzem as proteínas responsáveis pelo ciclo celular normal. Quando sofrem alterações genéticas, como mutação, rearranjo cromossômico ou amplificação gênica, são ativados e ganham o nome de oncogenes, pois codificam de maneira descontrolada essas proteínas de ciclo, permitindo que as células se dividam desproporcionalmente por muitos ciclos celulares. Como exemplos de oncogenes temos o RAS (associado aos sarcomas), ABL/BCR (associado à leucemia mieloide crônica), MYC (associado ao linfoma de Burkitt) e a Bcl-2 (proteína antiapoptótica associada aos linfomas). Os proto-oncogenes são classificados de acordo com as propriedades funcionais de seus produtos proteicos, como os genes de fatores de crescimento (como o VEGF), genes receptores de tirosina-quinase, componentes do sistema de sinalização celular, proteínas transdutoras de sinal (como a proteína G), proteínas reguladoras da morte celular (como a antiapoptótica Bcl-2 e as pró-apoptóticas BAX). Por sua vez,as possíveis alterações encontradas nos oncogenes são a mutação, o rearranjo cromossômico e a amplificação gênica. Patologia Oncológica I 13 As mutações por substituição de base são chamadas de mutação pontual. Há ainda as mutações por deleção ou inserção. A família dos proto-oncogenes RAS sofre mutação pontual, estando associada ao câncer de bexiga e de cólon. Os rearranjos, também chamados de translocações cromossômicas, consistem na quebra da dupla fita de DNA e troca de fragmentos entre dois ou mais cromossomos, como é o caso do cromossomo Philadelphia, que está presente na leucemia mieloide crônica. Esse cromossomo origina a oncoproteína BCR/ABL, que é utilizada como marcador de diagnóstico e também alvo terapêutico para quimioterápicos. Podem também ocorrer inversões cromossômicas quando existirem duas quebras em um cromossomo unifilamentoso durante a intérfase, havendo também a soldadura em posição invertida do fragmento em relação ao restante do cromossomo. A amplificação gênica consiste em centenas de cópias do mesmo gene, ou ainda de diferentes genes — neste caso, gerando diferentes proteínas, o que leva ao aumento no nível de transcrição com consequente crescimento celular, como é observado no proto-oncogene MYC, cuja amplificação está associada a tumores de mama e de ovário. 9 Crescimento tumoral Com os pontos de checagem do ciclo celular comprometidos em razão das alterações genéticas ocorridas, as células tumorais são incitadas a entrarem no ciclo celular sem as restrições habituais. Vale ressaltar que estas células, apesar de proliferarem de maneira desenfreada, não completam o ciclo celular mais rápido do que as células normais. As células tumorais levam o mesmo tempo, ou até mais, do que a célula normal para completar o ciclo, ou seja, o crescimento do tumor não está associado ao encurtamento do tempo do ciclo celular. Fonte: Imagem esquemática adaptada de http://www. sobiologia.com.br/conteudos/Citologia2/nucleo6.php As fases do ciclo celular compreendem a intérfase e a mitose. A intérfase corresponde ao período entre o final de uma divisão celular e o início da outra, e a célula geralmente permanece durante a maior parte da vida em tal fase. É um período em a célula passa por intensa atividade, ocorrendo também a duplicação do material genético. Esta fase é dividida em três etapas, a saber, a fase G1, S e G2. Na Fase G1 ocorre a síntese de diversas proteínas, enzimas e RNA, verificando-se também a formação de organelas celulares. Por conseguinte, há o crescimento da célula. Já na Fase S ocorre a replicação do DNA. A partir daí os cromossomos passam a ter duas cromátides, que são ligadas por um centrômero. Na Fase G2 dá-se a síntese de moléculas que serão necessárias para a divisão celular, por exemplo os centríolos. As fases G e S são assim denominadas devido às abreviações do inglês, G para gap (intervalo) e S para synthesis (síntese). Por sua vez, a fase G0 ocorre quando uma célula permanece de forma contínua durante a intérfase, interrompendo assim a divisão. Por meio de estímulos externos, a célula pode retornar para seu ritmo normal. Patologia Oncológica I 14 A divisão celular ocorre na mitose e na citocinese. A mitose consiste em um processo contínuo, composto por quatro fases: • Prófase: trata-se da fase mais extensa da mitose, na qual os filamentos de cromatina se enrolam, o que os torna cada vez mais curtos e possibilita sua visualização no microscópio óptico. O fuso acromático, isto é, o sistema de microtúbulos proteicos que se agrupam e formam fibrilas, é formado entre os dois pares de centríolos, que se afastam em sentidos opostos. Esse movimento dos centríolos faz com que invólucro nuclear se quebre quando eles atigem os polos da células. • Metáfase: nessa fase os cromossomos alcançam a máxima condensação e estão alinhados no plano equatorial, isto é, no plano equidistante dos dois polos da célula, formando a placa equatorial. O fuso acromático, iniciado na fase de prófase, completa seu desenvolvimento e algumas fibrilas ligam-se aos centrômeros, ao passo que as outras ligam os dois centríolos. • Anáfase: essa fase tem início pela duplicação dos centrômeros, nos quais as fibras do fuso ligadas a eles se encurtam, puxando os cromossomos para os polos da célula e liberando as cromátides-irmãs, também conhecidas como cromossomos-filhos, que migram para os polos do fuso. Anteriormente, os cromatídios pertenciam ao mesmo cromossomo, mas após serem separados pela clivagem passam a formar dois cromossomos independentes. • Telófase: ocorre a formação de dois núcleos com informação genética igual, cromossomos condensados e menos visíveis, uma vez que a membrana nuclear formou-se em volta dos cromossomos de cada polo da célula. Reaparecem os nucléolos e o fuso mitótico se desintegra. A fase final é a citocinese, com a divisão celular e, consequentemente, a individualização das duas células- filhas, em decorrência do estrangulamento do citoplasma. Ao final da mitose formam-se, na zona do plano equatorial, um anel contráctil de filamentos proteicos que se contrai e, por conseguinte, puxa a membrana plasmática para dentro, até que as duas células-filhas se separem. À medida que o tumor continua a crescer, a porcentagem de células no estado replicativo cai como consequência da descamação, morte celular, diferenciação e passagem para a o estado G0. Por isso, quando um tumor é clinicamente detectável, a maior parte das células não está mais no estado replicativo, e mesmo os tumores que apresentam grande estado replicativo não ultrapassam 20% de células neste estado, como é o caso das leucemias. O excesso de produção de células em relação à perda celular determina o crescimento progressivo do tumor. Em tumores que têm a fração de crescimento alta, esta relação está muito desequilibrada, como é o caso das leucemias, linfomas e alguns tipos de câncer de pulmão (como o carcinoma de pequenas células). Isso faz com que o curso clínico da doença seja mais rápido do que nos tumores que possuem a fração de crescimento menor, como os cânceres de mama e cólon, nos quais este desequilíbrio chega a cerca de 10% — o que lhes confere um ritmo de crescimento mais lento. O desequilíbrio entre produção e perda celular compromete a efetividade dos medicamentos antineoplásicos, visto que grande parte destes tem como alvo as células em replicação (ou seja, que se encontram em alguma etapa do ciclo celular) e, consequentemente, põe em risco o sucesso do tratamento. Uma estratégia utilizada para o tratamento de tumores que possuem uma baixa fração de crescimento com uma pequena porção de células em divisão é induzir estas células a entrarem no ciclo celular e iniciarem o processo de divisão, e isto é possível por meio de cirurgias ou radioterapia, pois ambas reduzem o tamanho do tumor, Patologia Oncológica I 15 fazendo com que as células sobreviventes tenham uma maior tendência a entrar no ciclo celular e assim serem mais suscetíveis ao tratamento medicamentoso. Para que uma célula tumoral produza um tumor clinicamente detectável, apresentando cerca de 1 grama em 1 cm, ou 109 células, são precisos, em média, 90 dias e cerca de trinta duplicações populacionais com um ciclo de três dias, considerando que nenhuma célula seja descamada ou perdida. O período de latência, isto é, o tempo que a célula transformada leva para formar um tumor clinicamente detectável, pode variar de dias a anos. 10 Nomenclatura dos tumores A nomenclatura dos tumores baseia-se na histogênese e histopatologia das células do parênquima. Por esse motivo, relembraremos a origem dos tecidos. No quadro abaixo temos a formação do embrião tridérmico, do qual derivam todos os tecidos do corpo humano: Fonte: Acervo pessoal. O tumor benigno pode ter mais de uma linhagemcelular e, neste caso, recebe o nome dos tecidos que o compõem, além do sufixo “OMA”, por exemplo: • Tumor benigno de tecido cartilaginoso = Condroma; • Tumor benigno de tecido adiposo = Lipoma; • Tumor benigno de tecido glandular = Adenoma. Para o tumor maligno deve-se considerar a origem embrionária dos tecidos de que deriva o tumor, por exemplo: • Origem dos epitélios de revestimento externo e interno = Carcinoma; • Origem de epitélio glandular = Adenocarcinoma; • Origem em tecido conjuntivo (mesenquimais) = Uniu-se o nome do tecido mais a determinação sarcoma, por exemplo: ◦ Tumor maligno de tecido cartilaginoso = Condrossarcoma; Patologia Oncológica I 16 ◦ Tumor maligno de tecido adiposo = Lipossarcoma; ◦ Tumor maligno de tecido muscular liso = Leiomiossarcoma. Existem exceções, como os tumores de origem em célula blástica, chamados de blastomas — por exemplo, o retinoblastoma, osteoblastoma, neuroblastoma e hepatoblastoma. Já os tumores que têm origem em células primitivas totipotentes que antecedem o embrião tridérmico podem ser classificados em quatro tipos: • Teratomas (benigno e maligno); • Seminomas; • Coriocarcinomas; • Carcinoma de células embrionárias. Existem ainda os tumores epônimos, que receberam o nome dos cientistas que descreveram a doença pela primeira vez. São nomes consagrados pelo uso, por exemplo, o linfoma de Burkitt, sarcoma de Ewing, sarcoma de Kaposi e tumor de Wilms. 10.1 Morfologia tumoral Os carcinomas e adenocarcinomas recebem nomes complementares de acordo com sua morfologia micro ou macroscópica, como cistoadenocarcinoma papilífero, adenocarcinoma mucinoso, carcinoma ductal, e também outros termos, tais como epidermoide, seroso, lobular e medular. 11 Estadiamento do tumor O estadiamento do tumor é a avaliação do tumor maligno quanto à dimensão do tumor primário, representada pela letra “T”, extensão da disseminação em linfonodos regionais, representada pela letra “N”, e quanto à presença ou não de metástases a distância, representada pela letra “M”. A dimensão do tumor primário, o T, é classificado como T0 a T4, sendo que: • T0 = Benigno; • T1 s = Carcinoma in situ; • T1 = Menor que 3 cm e restrito; • T2 = Maior que 3 cm com comprometimento moderado; • T3 = Qualquer dimensão com comprometimento grave; • T4 = Qualquer dimensão com comprometimento de órgãos vitais; • Tx = Não se sabe a extensão. A extensão da disseminação em linfonodos regionais, o N, é classificado como N0 a N3, de forma que: • N0 = Ausência de comprometimento linfático; • N1 = Comprometimento linfático leve; • N2 = Comprometimento linfático moderado; • N3 = Comprometimento linfático grave; • NX = Metástases linfonodais não identificadas. A presença ou não de metástases a distância, o M, é classificado como M0 a M1: • M0 = Ausência de metástases; • M1 = Presença de metástases; • MX = Metástases não identificadas. Outros nomes também são utilizados, porém esses não apresentam critérios para classificação: • Mola hidatiforme, que é um tumor benigno irregular do tecido placentário • Doença de Hodgkin, um linfoma; • Micose fungoide, um linfoma maligno de pele. Patologia Oncológica I 17 Referências BINCOLETTO, C. et al. Interplay between apoptosis and autophagy, a challenging puzzle: new perspectives on antitumor chemotherapies. Chemico-Biological Interactions, São Paulo, v. 206, n. 2, p. 279-288, nov. 2013. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Indicadores sociais divulgados pelo IBGE colocam o câncer como segunda maior causa de mortes no Brasil. Disponível em: <http://www2.inca. gov.br/wps/wcm/connect/agencianoticias/site/home/noticias/2010/indicadores_divulgados_ibge_colocam_cancer_ como_segunda_maior_causa_+mortes_brasil>. Acesso em: 16 fev. 2014. KUMMAR, V. et al. Robbins & Cotran — Patologia: Bases patológicas das doenças. 8. ed. São Paulo: Elsevier, 2010. 1458 p. LOPES, A.; CHAMMAS, R.; IYEYASU, H. Oncologia para a graduação. 3. ed. São Paulo: Lemar, 2013. 752 p. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Rede nacional de câncer familial — Manual Operacional. 2009. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/publicacoes/Cancer_Familial_fim.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2014. MUKHERJEE, Siddhartha. O imperador de todos os males: uma biografia do câncer. 1. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012. 648 p. NEWS.MED.BR. OMS divulga as dez principais causas de morte no mundo de 2000 a 2011. Disponível em: <http://www.news.med.br/p/saude/367834/oms+divulga+as+dez+principais+causas+de+morte+no+mundo+de+2 000+a+2011.htm>. Acesso em: 16 fev. 2014. STEWART, B.W.; WILD, C.P. World Cancer Report 2014. Lyon: International Agency for Research on Cancer; World Health Organization, 2014. 630 p.
Compartilhar