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marina albuquerque 1 Asma INTRODUÇÃO Na década de 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizava a asma como crises paroxísticas de broncoespasmo, na qual se observava edema de mucosa e aumento da secreção de muco, com predominância do componente de espasmo brônquico. Nessa época, a asma era classificada em extrínseca, decorrente de reação alérgica tipo I, e intrínseca, que se aplicava a pacientes sem reações imunológicas identificáveis e estava relacionada à excessiva irritabilidade da árvore brônquica, com resposta diminuída dos betarreceptores. Também já se identificavam os fatores desencadeantes relacionados à asma, como: infecções do trato respiratório, mudança brusca de temperatura, alérgenos, poluição, temperatura e umidade do ar, emoção, exercício e uso de aspirina. Evidências sobre o papel da inflamação como mecanismo básico da asma só foram publicadas no final da década de 1980. O primeiro documento destacando as principais dúvidas sobre a definição e o tratamento das doenças pulmonares obstrutivas crônicas, incluindo a asma, enfatizava na definição a presença de sintomas paroxísticos de dispneia, sibilos, opressão torácica e tosse, decorrentes de obstrução variável das vias aéreas, secundária à hiper-responsividade brônquica (HRB), podendo se apresentar com gravidade de grau variável. Nos anos seguintes ocorreu a publicação de consensos, guias e diretrizes com enfoque no papel da inflamação como mecanismo básico do estreitamento das vias aéreas. A inflamação da asma é principalmente do tipo Th2, que é mais responsiva ao tratamento com corticosteroides, medicação de primeira linha no tratamento anti- inflamatório de manutenção na asma. DEFINIÇÃO Asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas inferiores na qual ocorre participação de muitas células e elementos celulares. A inflamação crônica está associada à HRB, que leva a episódios recorrentes de sibilos, dispneia, opressão torácica e tosse, particularmente à noi- te ou no início da manhã. Esses episódios são consequência da obstrução generalizada ao fluxo aéreo, que é variável e reversível espontaneamente ou com tratamento. A asma é uma doença perene e com recorrência dos sintomas. Até o presente momento, não tem cura, entretanto, pode ser tratada e a maioria dos pacientes obtém controle da doença. A perenidade indica a necessidade de um tratamento de manutenção. EPIDEMIOLOGIA A asma é uma doença de distribuição universal, que acomete aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo, mas cuja prevalência varia entre 1 a 18% da população conforme a região analisada. Os principais fatores que podem influenciar essa variação são genéticos e ambientais. No ranking mundial na prevalência de asma ativa, o Brasil se encontra em 8º lugar, com prevalência que varia de 4,7 a 30,5%, com média de aproximadamente 20%. MORBIMORTALIDADE Em 2011 foram registradas pelo DataSUS 160 mil hospitalizações por asma em todas as idades. Esse dado colocou a asma como a quarta causa de internações. É interessante ainda destacar o aspecto da sazonalidade da doença, com aumento das internações por asma durante os meses de outono e inverno. Registros mais recentes do DataSUS apontam 303.517 internações por asma no Brasil, nos últimos anos (janeiro de 2012 a março de 2014), com predomínio na faixa etária entre 1 a 4 anos de idade (Figura 4). Acima dos 20 anos de idade ocorreram aproximadamente 114.000 in- ternações nesse período. A mortalidade por asma ainda é considerada baixa, mas apresenta tendência de crescimento em alguns países e regiões. As desigualdades regionais de mortalidade por asma observadas no Brasil podem estar relacionadas às baixas taxas dos recursos in- marina albuquerque 2 vestidos na saúde, associadas à deficiência de atenção de forma sistemática à doença, com contraste na qualidade da atenção à saúde nas diferentes regiões. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A principal característica fisiopatogênica da asma é a inflamação brônquica que está presente em todos os pacientes com asma, mesmo naqueles com início recente, pouco sintomáticos ou assintomáticos. O processo inflamatório é decorrente da interação entre células inflamatórias, mediadores e células estruturais das vias aéreas. A mucosa brônquica inflamada torna-se hiper-reativa a vários estímulos inespecíficos. Em mais de 90% das crianças e em cerca de 60% dos adultos a asma é alérgica, com resposta mediada por imunoglobulina E (IgE), desencade- ando reações imediatas poucos minutos após a exposição ao alérgeno, que se seguem por reações tardias, constituindo a resposta inflamatória crônica característica da perenida- de da doença. A inflamação promove redução do calibre das vias aéreas por edema da mucosa e presença de secreção, além de HRB com contração exagerada da musculatura brônquica. Esse processo é resultado da interação entre fatores genéticos, ambientais e adquiridos (obesidade, ansiedade etc.) que estimulam e mantêm a inflamação brônquica, responsável pelos sintomas. FISIOPATOLOGIA A primeira etapa é o processo de sensibilização. Os alérgenos inalados, em contato com a mucosa do trato respiratório, são capturados pelas células dendríticas presentes no epitélio brônquico. Estas têm a capacidade de reconhecer, processar e apresentar os fragmentos alergênicos aos linfócitos T auxiliares, que, por sua vez, vão produzir citocinas (Figura 7), sobretudo interleucinas (IL). IL- 3, IL-4, IL-5, IL-6, IL-9, IL-13 e fator estimulante de colônia granulócito-macrófago (GM-CSF) carac- terizam uma resposta predominantemente humoral, resultando em proliferação de linfócitos do tipo T helper 2 (Th2). Relembrando: A diferenciação entre T helper 1 (Th1) e Th2 se dá pela ocorrência de um mecanismo regulatório, com participação do gamainterferona (IFN-) − produzido pelas células Th1 – que resulta em inibição das células Th2, e a IL-4 − produzida pelas células Th2 − que inibe as células Th1. Essa diferenciação entre Th1 e Th2 depende da IL-12 produzida pela célula apresentadora de antígeno e IL-4 sintetizada pelos mastócitos e linfócitos T CD4 estimulados pelos antígenos. O desequilíbrio do mecanismo de diferenciação que favoreça as células Th2 é importante na asma alérgica. A inflamação do tipo Th2 é mais responsiva ao tratamento com corticosteroides do que a Th1, sendo este um dos motivos pelos quais os corticoides inalados são a medicação de primeira linha no tratamento da asma. As citocinas produzidas pelos linfócitos T têm como principal papel a estimulação da produção de IgE pelos linfócitos B, bem como estimular a proliferação de mastócitos, ativar e aumentar a sobrevida de eosinófilos. Os anticorpos produzidos são liberados na circulação e vão se ligar aos receptores de alta afinidade nos mastócitos. marina albuquerque 3 No momento em que ocorre uma nova exposição ao antígeno, este irá se ligar à IgE nos mastócitos, que vão liberar mediadores pré-formados, abrindo as junções entre as células epiteliais. Esse mecanismo permite a entrada de mais antígeno na mucosa para ativar mastócitos e eosinófilos, que também liberam mediadores. Esses mediadores, tanto por via direta como por reflexos neuronais, induzem broncoespasmo, aumento da permeabilidade vascular, produção de muco e recrutamento de células do sangue que também secretarão mediadores inflamatórios. Essa reação que ocorre minutos após a exposição ao antígeno é denominada de fase imediata e é caracterizada principalmente por obstrução das vias aéreas. O principal fator responsável pela obstrução brônquica nessa fase é a contração da musculatura lisa das vias aéreas; entretanto, outros fatores, como formação de edema e hipersecreção demuco também estão envolvidos. As principais alterações observadas essa fase são decorrentes da ação dos leucotrienos. A fase tardia ocorre horas após a exposição ao antígeno e tem início com a chegada dos leucócitos que foram recrutados (neutrófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos), ocorrendo liberação de mediadores produzidos pelos leucócitos, pelo endotélio e por células epiteliais. Fatores liberados principalmente pelos eosinófilos (proteína básica principal e proteína catiônica eosinofílica) também causam dano epitelial. Em indivíduos sensíveis, a reação pulmonar a antígenos pode ser caracterizada por uma resposta imediata isolada, tardia isolada ou associação de ambas. Os asmáticos atópicos apresentam broncoconstrição geralmente após 2 horas da exposição ao alérgeno (resposta imediata). Aproximadamente 60% apresentam uma res- posta entre 3 e 7 horas depois, caracterizando a resposta tardia, que está associada a HRB e inflamação eosinofílica das vias aéreas, e a obstrução das vias aéreas nessa fase é mais prolongada e geralmente mais grave do que a que ocorre na resposta imediata. Microscopia: As células epiteliais e os miofibroblastos, presentes abaixo do epitélio, proliferam e consequente- mente iniciam deposição intersticial de colágeno e proteoglicanos na lâmina reticular da membrana basal, resultando no espessamento da membrana basal e nas lesões irreversíveis que podem ser observadas em alguns pacientes com asma. Outras alterações observadas incluem hipertrofia e hiperplasia do músculo liso, aumento no número de células caliciformes, aumento das glândulas submucosas, além de alteração no depósito e degradação dos componentes da matriz extracelular. Esses componentes alteram a arquitetura das vias aéreas e podem resultar no remodelamento, contribuindo para as alterações irreversíveis da função pulmonar observada em alguns pacientes. Embora as células Th2 sejam a parte central na inflamação da asma alérgica, com produção de citocinas inflamatórias, principalmente IL-4, IL-5 e IL-13, outros tipos de células podem participar da inflamação alérgica, incluindo células da imunidade inata e adaptativa, células epiteliais, células da musculatura lisa e fibroblastos. A marina albuquerque 4 perpetuação da inflamação persistindo ao longo dos anos pode levar ao remodelamento da parede brônquica, com alterações irreversíveis como hipertrofia muscular e de glândulas mu- cosas, fibrose subepitelial e perda de estrutura elástica. DIAGNÓSTICO HISTÓRIA CLÍNICA A tríade clássica é formada por dispneia, tosse e sibilância. Podem ocorrer outros sintomas, como opressão ou desconforto torácico. A apresentação clínica da asma é muito variável e pode não haver um ou mais desses sintomas. Pelo amplo espectro de apresentação clínica e gravidade (fenótipos) observado, alguns autores consideram a asma como uma síndrome e não uma única doença. Na forma clássica os sintomas ocorrem de maneira episódica, ou seja, em crises. São recorrentes e mais intensos à noite e pela manhã. Os sintomas podem melhorar espontâ- neamente ou com o uso de medicamentos (broncodilatadores e/ou corticosteroide). No período entre as crises, o paciente pode permanecer assintomático ou oligossintomático, mas nas formas graves os sintomas geralmente são contínuos. É comum a identificação de fatores desencadeantes, como a exposição a alérgenos ambientais (ácaros da poeira domiciliar, animais com pelos, baratas, pólen e mofo), infecções virais de vias aéreas (resfriados e gripes), exposição a irritantes ambientais (poluição, fumaça de tabaco etc.) ou ocupacionais (látex, irritantes químicos), drogas (ácido acetilsalicílico/anti-inflamatórios não hormonais e betabloqueadores), alterações climáticas, exercícios, fatores emocionais (estados de ansiedade) e outros. EXAME FÍSICO Durante a fase assintomática, o exame físico pode ser normal. Manifestações alérgicas, comuns em indivíduos atópicos, como dermatite, obstrução nasal/rinorreia, prega nasal rinítica (típicas de rinite) ou conjuntivite podem ser observadas. Na presença de obstrução ao fluxo aéreo, o principal achado é a sibilância difusa. Pode ocorrer ta- quipneia e taquicardia. Outros achados, geralmente relacionados ao maior grau de obstrução brônquica são: ansiedade, sudorese, tiragem intercostal e supraesternal, inquietação e pulso paradoxal. Durante uma exacerbação grave podemos presenciar o “tórax silencioso” em razão da intensa redução do fluxo de ar que ocorre na presença de obstrução brônquica grave. Essa condição representa iminência de parada respiratória e pode estar acompanhada de hipoxemia, cianose e rebaixamento da consciência. QUESTIONÁRIO DIAGNÓSTICO EXAMES COMPLEMENTARES Espirometria O diagnóstico da asma é principalmente clínico e na maioria dos casos confirmado pela espirometria (método de escolha para avaliar a presença de obstrução ao fluxo aéreo). A caracterização de obstrução ao fluxo aéreo é feita pela redução desproporcional do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) em relação à capacidade vital forçada (CVF), observando-se VEF1 abaixo de 80% do predito e a relação VEF1/CVF menor que 0,70. A reversibilidade, ou resposta após o uso de broncodilatador, é documentada pelo aumento do VEF1 maior ou igual a 12% e maior ou igual a 200 mL. A presença de obstrução ao fluxo aéreo e a sua reversibilidade é compatível com asma. A espirometria pode ser normal no período entre as crises e a ausência de resposta ao broncodila- tador pode ser transitória ou negativa em pacientes em uso dessa classe de medicação, sendo aconselhável a repetição do teste. A capa- cidade vital forçada geralmente está normal; entretanto, pode estar reduzida em pacientes com obstrução de maior gravidade ou que apresentem um distúrbio restritivo associado. Outro aspecto importante que deve ser ressaltado é presença de obstrução persistente ou fixa (VEF/CVF < 0,7 e/ou VEF1 < 80%) em pacientes com doença grave. A espirometria tem indicação no diagnóstico, na avaliação da gravidade, no acompanhamento e na resposta ao tratamento. marina albuquerque 5 Medidas do pico de fluxo expiratório (PFE) (peakflow) O PFE apresenta uma correlação razoável com o VEF1, embora a medida seja menos sensível quando comparada à espirometria no diagnóstico de obstrução ao fluxo aéreo. A medida é feita em equipamentos portáteis, que registram o fluxo (litros/minuto). O PFE avalia grandes vias aéreas, é esforço-dependente, pode produzir medidas de má qualidade e seus valores variam entre os diversos aparelhos que existem no mercado. A medida da variação diurna do PFE é uma forma mais simples, quando comparada à espirometria, para diagnosticar a limitação ao fluxo aéreo na asma; entretanto, é menos acurada. Pode ser importante nos locais em que a espirometria não está disponível, auxiliando no diagnóstico e na monitorização da asma. O ideal é que a comparação de medidas seja realizada com dados prévios do próprio paciente, coletados nas melhores condições dele e ideal- mente com o seu próprio medidor. Aumento de 60 L/min ou ≥ 20% do PEF, após uso de broncodilatador, ou uma variação diurna superior a 20% (ou maior que 10% em leituras duas vezes por dia) são considerados positivos e sugerem o diagnóstico de asma. Teste de broncoprovocação (TBP) Empregado para documentar a presença de hiperresponsividade (HR) das vias aéreas. A HR representa a sensibilidade ou a facilidade com que as vias aéreas reagem a estímulos externos, podendo causar sintomas relacionados à asma. Indicado para pacientes com suspeita clínica de asma e que apresentam espirometria normal e ausência de reversibilidade ao broncodilatador, podendo auxiliar na confirmaçãodo diagnóstico de asma. Os resultados são expressos em concentração ou dose da substância na qual ocorre queda ≥ a 20% do VEF1 basal. Para a realização do TBP utilizam-se substâncias broncoconstritoras. A broncoprovocação inespe- cífica pode ser direta ou indireta. A bronco- provocação inespecífica direta utiliza substâncias como metacolina ou histamina, que atuam nos receptores específicos do músculo liso das vias aéreas e apresentam alta sensibilidade para o diagnóstico. A broncoprovocação inespecífica indireta utiliza substâncias como adenosina, solução salina hipertônica, exercício físico, manitol ou hiperventilação voluntária eucápnica que promovem liberação de mediadores endógenos pré-formados (histamina, prostaglandinas, leucotrienos), promovendo contração da musculatura lisa das vias aéreas. Os TBPs são importantes para a decisão diagnóstica, especialmente nos casos com manifestações de tosse crônica ou dispneia, com espirometria normal, uma vez que apresentam alta sensibilidade e elevado valor preditivo negativo (VPN). Assim sendo, um TBP com resultado ne- gativo, em indivíduos sintomáticos, exclui o diagnóstico de asma como causa desses sintomas. A HR das vias aéreas não é exclusiva da asma, podendo ser positiva em outras doenças obs- trutivas e em presença de rinite. Avaliação da etiologia alérgica A presença de alergia aumenta a probabilidade do diagnóstico de asma, auxiliando na identificação dos fatores etiológicos que desencadeiam o processo inflamatório das vias aéreas e causam sintomas na asma alérgica. A documentação de exposição a alérgenos relacionados com a asma pode ser identificada durante a anamnese e a confirmação é realizada por meio de provas in vivo (testes cutâneos) ou in vitro (determinação da concentração sanguínea de IgE específica). A IgE total sérica aumentada sugere a etiologia alérgica que pode ser confirmada pelas IgEs específicas elevadas (p. ex., para ácaro, mofo, epitélio animal). A técnica mais utilizada para realizar os testes cutâneos é a de puntura (prick test), a qual pode ser complemen- tada pelo teste intradérmico em situações específicas. Os testes cutâneos são preferíveis aos exames sanguíneos por serem mais simples e de menor custo, além de demonstrarem a sensibilização ao paciente, aumentando a adesão ao tratamento. No nosso meio predomina a sensibilização a alérgenos inaláveis, sendo os mais frequentes os ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e Blomia tropicalis). A broncoprovocação específica, que consiste na administração de aeroalérgenos por via inalatória, também pode ser realizada. O exame não é utilizado na prática clínica, sendo reservado para investigação de casos complexos em centros de referência e para pesquisas. Radiografia de tórax A asma por si só não promove alterações radiológicas importantes e no período entre as crises o exame é geralmente normal, podendo logo de início excluir uma série de doenças com sintomas semelhantes à asma. Durante exacerbações e nos quadros mais graves pode eventualmente apresentar os sinais clássicos de hiperinsuflação pulmonar. A importância da radiografia de tórax na asma é excluir outras patologias associadas. Durante as exacerbações graves sua indicação remete a avaliação de complicações como pneumotórax, pneumome- diastino, pneumonia e atelectasia. Tomografia computadorizada de tórax A TC de tórax de alta resolução (TCAR) permite a visualização das vias aéreas e do parênquima pulmonar com maior detalhe do que a tomografia marina albuquerque 6 convencional e a radiografia do tórax. O exame está indicado em casos de asma grave ou de difícil controle. As alterações mais observadas na TCAR de pacientes com asma grave são: espessamento brônquico (100%), aprisionamento aéreo nas imagens em expiração (87%), diminuição da atenuação do parênquima na inspiração (60%) e o estreitamento da luz brônquica (40%). Uma vantagem adicional da realização da TCAR é a exclusão de outras doen- ças, como bronquiectasias, enfisema, bronquiolite obliterante e aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA); no entanto, a asma grave pode ser indistinguível da bronquiolite obliterante. Em pacientes com asma grave, sem indicação específica para realização de tomografia para investigação diagnóstica, recomenda-se a realização de TCAR somente nos casos em que haja apresentação atípica da doença, como exemplo, em pacientes com hipersecreção, de- clínio rápido de função pulmonar, redução da difusão do monóxido de carbono e ausência de atopia em crianças com asma de difícil controle. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Doenças que causam obstrução alta das vias aéreas (tumor, corpo estranho, estenose), que levam à dispneia (ICC, obesidade, deformidade da caixa torácica, ansiedade, miopatia) e outras doenças pulmonares obstrutivas ou supurativas (DPOC, bronquiolite, bronquiectasia, fibrose cística) são os principais diagnósticos diferenciais. Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC): tem característica de evolução insidiosa. A dispneia evolui de forma mais grave e progressiva e a maioria dos indivíduos tem histórico de tabagismo e/ou exposição à queima de biomassa. Dados clínicos e antecedentes podem auxiliar no diagnóstico diferencial entre ambas. Infecções virais e bacterianas: podem induzir HRB por semanas a meses, especialmente após uma infecção de via aérea inferior. As crianças podem apresentar sibilância durante infecção viral res- piratória, sem necessariamente evoluírem para um quadro de asma posteriormente. Alguns pacientes não são atópicos e geralmente só apresentam sibilos na vigência de infecção respiratória durante os 3 primeiros anos de vida (sibilantes transitórios). Não têm antecedentes pessoais de doença atópica, não apresentam sensibilização alérgica ou dermatite atópica associada nem história familiar de asma. A infecção bacteriana da via aérea inferior pode aumentar a HRB e a inflamação brônquica em pacientes com asma estabelecida. Bronquiolite viral aguda (BVA): as infecções virais pelo vírus sincicial respiratório (VSR) e por outros (influenza, rinovírus, parainfluenza e adenovírus), em lactentes, podem causar inflamação aguda dos bronquíolos terminais. Os sintomas e sinais iniciais são de comprometimento de vias aéreas superiores e, após alguns dias, refletem o aco- metimento das vias aéreas inferiores, com dispneia, tosse, sibilos e crepitações à ausculta. Pode ocorrer cianose e apneia. A radiografia de tórax pode mostrar hiperinsuflação pulmonar, marina albuquerque 7 espessamento peribrônquico, opacificações segmentares e atelectasias. A resposta aos beta- agonistas e corticoides é variável. O efeito dos corticoides é geralmente muito inferior se comparado às crises de asma e seu uso é controverso nos casos leves. COMORBIDADES E SITUAÇÕES ESPECIAIS Um dos fatores de piora ou comorbidade mais fre- quentemente associados à asma é a rinite perene. Um estudo com pacientes do ambulatório do HC FMUSP demonstrou que o tratamento da rinite é tão importante quanto o da asma para o controle desta, de forma que as duas patologias são lados diferentes da mesma “cerca inflamatória” (como duas partes da mesma entidade), de modo que o tratamento de rinite é parte integrante do manejo dos pacientes com asma. A sinusite crônica, com ou sem polipose, pode ser um dos fatores associados à gravidade da asma ou à dificuldade para controle. A nasofibroscopia e a tomografia computadorizada dos seios da face podem ser empregadas para avaliação. A eventual manipulação cirúrgica dos seios paranasais deve ser levada em consideração em asmáticos, indicada principalmente nos que não se controlam com medicação otimizada. A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)aparece muitas vezes associada à asma, influenciando no seu controle. A prevalência de DRGE em asmáticos é alta (possivelmente porque ambas são muito prevalentes). Até o momento não se conseguiu demonstrar relação de causa e consequência entre a DRGE e a asma. De maneira geral, asmáticos sintomáticos apesar de medicação adequada e portadores de sintomas e/ou sinais de DRGE devem ser tratados com doses altas de IBP por 12 a 16 semanas. A obesidade é uma comorbidade bastante prevalente em asmáticos, especialmente os com doença mais grave e maior dificuldade de controle. O emagrecimento de asmáticos obesos demonstra melhora clínica e da qualidade de vida. A prevalência de ansiedade e depressão em asmáticos é estimada em 30 e 9%, respectivamente. Os pacientes com problemas psíquicos usam doses mais elevadas de corticosteroides inalados e têm pior qualidade de vida relacionada à saúde. Asmáticos tabagistas têm pior controle da asma por provável aumento da permeabilidade da mucosa respiratória e diminuição da enzima histona-acetilase, mecanismos que interferem direta e indiretamente na ação anti-inflamatória dos corticosteroides. Avaliar se o paciente é fumante (ativo ou passivo) ou não, no momento da consulta ambulatorial, é um desafio. Conhecer a prevalência de tabagismo entre os asmáticos é fundamental para a estratégia terapêutica e o prognóstico. A prevalência de tabagismo em pacientes do HCFMUSP foi de 20%, sendo 3% tabagistas ativos e 17% passivos e 33% eram ex- fumantes. A entidade atualmente denominada de síndrome de sobreposição (overlap syndrome − ACOS) ganhou espaço por conta da dificuldade que por vezes ocorre para distinguir a asma da DPOC, particularmente em tabagistas e idosos. Há também a asma ocupacional, que, apesar de corresponder a uma pequena parte dos asmáticos (5 a 10%), está associada a alta mor- bidade. Indivíduos doentes que não melhoram com o afastamento de seus locais de trabalho podem evoluir com uma forma grave de asma, frequentemente dependente de corticosteroides orais e/ou altas doses de corticosteroides inalados. História clínica detalhada, principalmente em pacientes com início tardio da doença, pode ajudar a identificar esse tipo de asma. CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A GRAVIDADE DA ASMA ANTES DO INÍCIO DO TRATAMENTO Quanto à gravidade, a asma pode ser classificada em quatro tipos: intermitente, persistente leve, persistente moderada e persistente grave. A classificação quanto à gravidade deve ser realizada antes do início da terapêutica (em marina albuquerque 8 pacientes virgens de tratamento) e tem importância no momento de se tomar decisões em relação à terapia inicial a ser instituída. A terapia da asma envolve uma abordagem gradual, na qual o nível do tratamento aumenta com a gravidade da doença. É importante a realização de avaliação periódica do paciente com asma e relevante o estabelecimento do tratamento de manutenção ao longo do tempo de acordo com o nível de controle. Assim, para os pacientes que já estão em tratamento de manutenção, a classificação deve ser realizada com enfoque no controle da doença. DE ACORDO COM OS NÍVEIS DE CONTROLE DA ASMA DURANTE O TRATAMENTO O objetivo do manejo da asma é atingir e manter o controle da doença. A análise do controle avalia a extensão com a qual as manifestações da asma são suprimidas, espontaneamente ou pelo tratamento. Compreende dois domínios distintos: o controle das limitações clínicas atuais e a redução dos riscos futuros. A avaliação do controle com enfoque nas limitações atuais deve ser realizada em relação às últimas quatro semanas. Inclui verificação dos sintomas, da necessidade de medicação de alívio, da limitação de atividades físicas e da intensidade da limitação ao fluxo aéreo. A análise desses parâmetros nos pacientes em tratamento permite a classificação da asma em três grupos distintos: asma controlada, asma parcialmente controlada e asma não controlada (Quadro 5). A prevenção de riscos futuros inclui reduzir a instabilidade da asma, prevenir ocorrência de exacerbação e a queda acelerada da função pulmonar, além de prevenir os efeitos adversos do tratamento. INSTRUMENTOS AVALIATIVOS DO CONTROLE DA ASMA Os mais utilizados são o Questionário de Controle da Asma – ACQ (Asthma Control Questionnaire) e o Teste de Controle da Asma − ACT (Asthma Control Test). O ACQ foi desenvolvido para avaliar o controle da asma na semana anterior a da sua aplicação e inclui a avaliação pulmonar funcional. Consiste de sete questões com alternativas que variam de 0 a 6 pontos (0 = bem controlada e 6 = mal controlada). O escore final refere-se à média das sete respostas. Estudos apresentam dois pontos de corte para discriminar, com segurança, a asma controlada da não controlada (escores ≤ 0,75 e ≥ 1,5, respectivamente). Uma variação ≥ 0,5 pontos é considerada clinicamente significativa. Existe validação do ACQ para uso no Brasil com boa capacidade de discriminar asma não controlada em pacientes ambulatoriais. marina albuquerque 9 FENÓTIPOS DE ASMA A asma é uma doença heterogênea, tanto no que tange às suas manifestações, como em relação à resposta ao tratamento. Essa heterogeneidade é reconhecida como fenótipos. Relembrando: O espectro de apresentação de uma doença pode consistir em múltiplos fenótipos. Os fenótipos são características resultantes da interação entre fatores genéticos do indivíduo e o meio ambiente. Diferentes fenótipos são descritos com base nas características clínicas dos pacientes, como atopia, idade de início da doença, duração da asma e comorbidades. A asma grave não controlada é agrupada em quatro possíveis fenótipos, por meio da classificação hierárquica arbitrária de características alérgica, clínica, inflamatória e funcional: A: atópico; NA: não atópico; E: asma de início precoce; l: asma de início tardio; EOS: eosinofilia escarro-positiva; NEOS: eosinofilia escarro- negativa; P: limitação persistente ao fluxo aéreo. TRATAMENTO O manejo da asma deve incluir um plano de ação com abordagem da relação médico-paciente, identificação e controle dos fatores de risco e tratamento para manutenção do controle da asma. Também faz parte dele orientações objetivas para um plano de automanejo da doença, que incluem, entre outras: -Treinamento do uso adequado de dispositivos para inalação -Diferenciação entre medicação de alívio (bronco-dilatadores), preventiva ou de controle da doença (anti-inflamatórios) e para tratamento das exacerbações. -Reconhecimento de sinais precoces de gravidade das crises. -Treinamento dos pacientes e familiares. Apesar de não haver cura para a asma, os principais objetivos do tratamento incluem: obter e manter o controle clínico, atingir valores de função pulmonar o mais próximo do normal, manter atividade de vida diária normal, incluindo a possibilidade de executar exercícios físicos, prevenir exacerbações, evitar efeitos adversos das medicações e prevenir mortalidade. A educação sobre a doença, associada ao tratamento farmacológico, é fundamental no manejo da asma. É importante identificar e reduzir a exposição a alérgenos e irritantes, controlar os fatores capazes de intensificar os sintomas ou precipitar exacerbações, e assegurar a utilização correta dos medicamentos. ADESÃO AO TRATAMENTO, EDUCAÇÃO EM ASMA E USO DE INALADORES A adesão ao tratamento representa um desafio no manejo da asma. Apesar da disponibilidade de medicação efetiva para controle da asma, a adesão ao tratamento inalado ainda é muita baixa. No Brasil, dados apontam que somente 52% dos asmáticos moderado-graves utilizavam a medicação prescrita da forma adequada. A educação, associada ao tratamentofarmacológico, deve fazer parte do manejo da asma em qualquer idade. ETAPAS DO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO O tratamento é dividido em cinco etapas (Figura 20), e cada paciente deve ser alocado para uma dessas etapas de acordo com o tratamento atual e o seu nível de controle (Quadro 5). O tratamento será ajustado de forma dinâmica, na dependência dos resultados alcançados. Nesse contexto, é necessário promover educação sobre a doença e orientação quanto ao controle ambiental em todas as etapas. Etapa 1: medicação de resgate para o alívio dos sintomas Na etapa 1, o tratamento medicamentoso baseia- se apenas na utilização de medicação de resgate para alívio dos sintomas. Está indicado para pacientes que têm sintomas ocasionais, duas vezes ou menos por semana e de curta duração. marina albuquerque 10 BD = broncodilatadores (medicação de alívio) CI = corticoide inalado (medicação de controle) LABA = B2-agonista inalado de ação prolongada (medicação de controle) Para a maioria dos pacientes nessa etapa, utiliza- se um B2-agonista de início rápido de ação (sal- butamol, fenoterol ou formoterol). Como alternativas estão anticolinérgico inalatório, B2- agonista oral ou teofilina oral, e os medicamentos orais têm um início de ação mais lento e um maior risco de efeitos adversos. Etapa 2: medicação de alívio + 1 medicamento de controle Na etapa 2, a primeira escolha são os corticoides inalados em doses baixas. Para pacientes que não conseguem utilizar a via inalatória ou que têm efeitos adversos intoleráveis com o uso de corticoide inalado, a alternativa são os antileucotrienos. Etapa 3: medicação de alívio + 1 ou 2 medicamentos de controle Na etapa 3, a primeira escolha é a associação de um corticoide inalado (CI) em doses baixas a um B2-agonista inalado de ação prolongada (LABA). Um B2-agonista de início rápido de ação é utilizado para o alívio de sintomas, quando necessário. Aumentar a dose do corticoide inalado pode ser alternativa à associação de um B2-agonista de ação prolongada. Outras opções são a adição de um antileucotrieno ao corticoide inalado em doses baixas ou a adição de teofilina, nessa ordem Etapa 4: medicação de alívio mais dois ou mais medicamentos de controle Na etapa 4, o tratamento deve ser conduzido por um médico especialista no tratamento da asma, sempre que possível. A principal opção é a associação de corticoide inalado em doses médias ou altas a um B2-agonista de ação prolongada. As alternativas são adicionar um anti- leucotrieno ou teofilina à associação descrita. Etapa 5: medicação de alívio mais medicação de controle adicional Na etapa 5, a principal opção é adicionar corticoide oral às outras medicações de controle que já estão sendo utilizadas, sempre considerando os efeitos adversos potencialmente graves dessa classe de medicamentos. Esse esquema somente deve ser empregado para pacientes com asma não controlada na etapa 4, que apresentam manutenção de limitação de suas atividades de vida diária e exacerbações frequentes (desde que tenham adesão ao tratamento questionada e verificada). A dose do corticoide oral deve ser a menor possível para manter o controle da doença e os potenciais efeitos adversos esclarecidos e discutidos com o paciente. A adição de anti-IgE para pacientes atópicos é uma alternativa ao corticoide oral nessa etapa do tratamento, com o objetivo de melhorar o controle da asma e reduzir o risco de exacerbações. A última atualização da GINA em 2015 recomenda a adição de anticolinérgico de longa ação (brometo de tiotrópio) como uma opção marina albuquerque 11 alternativa para medicação de controle, nas etapas 4 e 5, para pacientes exacerbadores. PECULIARIDADES DO TRATAMENTO Em pacientes que irão iniciar o tratamento, deve- -se fazê-lo na etapa 2 ou, se o paciente estiver muito sintomático, iniciar pela etapa 3. Independentemente da etapa de tratamento, medicação de resgate deve ser prescrita para o alívio dos sintomas conforme a necessidade. Em crianças menores de 5 anos de idade, não é recomendado o uso de B2-agonista de ação prolongada, porque os efeitos colaterais ainda não estão adequadamente estudados nessa faixa etária. Pacientes com asma moderada ou grave devem receber vacinação contra influenza anualmente. As vacinas são seguras tanto para adultos como para crianças. Referência: Martins, M.D. A.; Carrilho, F. J.; Alves, V.A. F.; Castilho, E. Clínica Médica, Volume 2: Doenças Cardiovasculares, Doenças Respiratórias, Emergências e Terapia Intensiva. Editora Manole, 2016. 9788520447727. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788520447727/. Acesso em: 2021 ago. 17.
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