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INSTITUTO DE ESTUDOS EM DIREITO E SOCIEDADE – IEDS FACULDADE DE DIREITO – FADIR INVESTIGAÇÃO CIENTIFICA Discente: Reynaldo Lobato Sousa Matrícula: 202044627042 Docente: Gabriela Natacha Bechara Turma: Mocajuba/2021.3 Disciplina: Direito Civil I DIREITO AO ESQUECIMENTO 1. DOS FATOS No ano de 1958, no alto de um edifício em Copacabana, no Rio de Janeiro, três indivíduos atentaram conta a dignidade sexual da vítima Aída Curi, de 18 anos de idade, ato contínuo em que praticaram homicídio contra a mesma, atirando-a do 12º andar do prédio. Um dos principais acusados foi condenado a oito anos e nove meses de reclusão, por homicídio e tentativa de estupro. A barbaridade de tal delito ganhou repercussão geral e se tornou pauta de debates em todos os meios na época. Tempos mais tarde, a Rede Globo de televisão exibiu, no extinto programa “Linha Direta”, uma matéria sobre o ocorrido, na qual divulgava fotos, o nome e as circunstâncias do assassinato da vítima, numa roda de conversa em rede nacional. A família de Aída, diante dessa publicação, moveu uma ação civil à Justiça do Rio de Janeiro, mediante pedido de indenização por danos morais, aduzindo que a reintrodução do fato ocorrido, aos dias atuais, não havia razão que o justifica-se. Pelo contrário, a lembrança daquela tragédia envolvendo seu ente, gerava gatilhos e traumas emocionais na família. Contudo, o juízo de 1º grau entendeu o caso de forma diferente, indeferindo o pleito, ponderando que o objeto da causa era de conhecimento público geral, amplamente divulgado pela imprensa na época, e que a TV Globo teria, somente, cumprido com sua função social de informar e debater o aventado caso. Insatisfeitos, os irmãos da vítima recorreram ao Supremo Tribunal Federal, mediante interposição de Recurso Especial. Além do pedido de reforma da decisão do juízo a quo, no sentido da procedência da ação indenizatória, invocaram estar presente o direito ao esquecimento a favor da memória de Aída e de seus familiares. No programa Linha Direta teria ocorrido violação à imagem da vítima pela utilização comercial não autorizada das imagens do crime. Conhecendo o recurso, o STF afirmou em seu julgado, que o crime era indissociável do nome da vítima, motivo esse de não assistir razão aos autores da ação. O Supremo Tribunal Federal determinou que deveria prevalecer a liberdade de imprensa e expressão, uma vez que a matéria jornalística reportava a fatos verídicos, formadores da história do país e de repercussão nacional negando, consequentemente, a pleiteada indenização aos recorrentes. 2. COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS O caso em pauta implica uma série de fatores valorativos que o torna um hard case para os operadores do Direito enfrentar. Isso porque, a valoração a ser feita é a colisão entre dois princípios complexos: a liberdade de manifestação do pensamento, na pessoa do veículo de imprensa e de publicação (garantia constitucional – art. 5°, XIV e XXXIII) e o dito “Direito ao Esquecimento” como uma ramificação do Direito à Privacidade, mas que juridicamente não possui expressão legal positivada. É certo, porém, em sede doutrinária, que tal direito foi reconhecido no Enunciado n. 531 pela “VI Jornada de Direito Civil”, tendo o seguinte teor: “o direito ao esquecimento [...] não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados”. (Tartuce, p. 231) Nessa conjuntura, é importante a realização da técnica de ponderação orientada pelos dispositivos legais, sob um olhar interdisciplinar do caso concreto em questão, o que de fato ocorreu. Com nove votos contrários ao “direito ao esquecimento”, o Supremo Tribunal Federal concluiu que tal direito é incompatível com a Constituição Federal de 1988, sendo sua aplicação ao caso concreto uma excepcionalidade, nunca regra geral. 3. DIREITO AO ESQUECIMENTO Trata-se da veiculação de fatos verdadeiros obtidos por meios lícitos e legítimos sobre um determinado evento pretérito, em que há associação desse fato a uma pessoa ou grupo, seja ela humana ou não, sendo essa conexão a matriz que promove sofrimento ao sujeito exposto ou a seus familiares. Em outros termos, também nomeado por outros doutrinadores de “Direito de ser deixado em paz", o direito ao esquecimento não permite que um fato, mesmo que verídico, ocorrido em determinado momento da vida de alguém, seja exposto ao público geral, causando sofrimento ou transtornos. Dessa forma, na tentativa de prevenir ou cessar o dano causado, introduz-se um apagamento daquela informação, ou seja, sua circulação pelos meios de comunicação é extinta, provocando, paulatinamente, o esquecimento daquele evento. como: O Ministro Relator do STF, Dias Toffoli, em seu voto, o conceitua “(...) a pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtual, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante.” (RE 1010606/RJ, p.32, em 11.12.2021) Na prática, os efeitos desse suposto direito recaem sobre um fato social que, em algum grau, prejudicam a imagem ou a honra de uma pessoa, e então a ofendida ou terceiros pleiteiam indenização pelos danos causados, mas por outro lado, o esquecimento da história compromete a busca pela verdade e a garantia do não retrocesso das conquistas alcançadas. 4. DOUTRINA FAVORÁVEL A dinâmica do mundo globalizado compreende um processo volátil, de complexidade, incertezas e ambiguidades nas relações interindividuais, na qual é reflexo a hiperinformação que movimenta-se por vários meios de comunicação, sejam virtuais ou não, e que põe em cheque uma série de exposições de informações e dados de cunho pessoal, onde a esfera da vida privada é invadida/vazada, podendo ser alvo de contemplação pelos internautas. Nesse sentido, a disponibilidade da informação indevidamente acessada, constrói um carácter permanente de violação, que independente do lastro temporal, poderá ser revisitada e trazer à contendo todo teor dos fatos ocorridos. A manutenção desse processo, corrobora para a revitimização do sujeito, causando-lhe danos morais, psicológicos e, em alguns casos, danos materiais. Em que pese o entendimento dessa doutrina, em 2013, o Superior Tribunal de Justiça, julgou o Recurso Especial (RE), interposto contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), em que a decisão relatada pelo Min. Luis Felipe Salomão reconheceu existência do Direito ao Esquecimento, mesmo que de forma implícita e se tratando de uma conduta penal: “Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo de folha de antecedentes, assim também à exclusão dos registros da condenação no instituto de identificação, por maiores e melhores razões, aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos”. (Resp. 1335153/RJ) Em outro precedente emblemático no cenário internacional, o Tribunal de Justiça da União Européia, em 2014, entendeu que o direito à proteção de dados individuais podem ser afetadas significativamente por operadores de mecanismos de busca, devendo ser permitido, portanto, que o indivíduo afetado solicite aos operadores a remoção de links de pesquisa ligado em seu nome. Prosperando, dessa forma, o direito ao esquecimento no sentido de reparar o constrangimento sofrido. É importante observar, outrossim, que esses precedentes tratam -se de casos isolados, pois não há no ordenamento jurídico brasileiro previsão legal para tal direito, o que temos, na realidade, são meros entendimentos jurisprudenciais. 5. DOUTRINA CONTRÁRIA Sob outra perspectiva, existe uma forte corrente crítica quanto ao direito ao esquecimento, baseada em três pilares que sustentama ideia, síntese, de Supremacia da Constituição. Mormente, afirmar a possibilidade de existência de um “Direito ao Esquecimento” seria permitir que toda sociedade sofresse um atentado e/ou uma afronta a um de seus bens mais valiosos: o direito à memória coletiva. Do mesmo modo, quando se legitima o apagamento da história, consequentemente a coletividade corre riscos diante do Revisionismo Histórico iminente, pois a distorção de fatos pretéritos importantes é a porta de entrada para pessoas más intencionadas radicalizarem com os valores democráticos. Além disso, é válido lembrar, que os direitos e garantias fundamentais não podem, em nenhuma hipótese, se tornarem escudo para a prática de atos ilícitos, e por isso são limitados. Isto é, invocar um direito que lhe dê proteção em detrimento de outro que assegure o interesse público, parece injusto. É cristalino na doutrina pátria esse entendimento quando analisamos alguns julgados, dentre eles, o célebre caso do “Massacre do Carandiru” (2010), em que prosperou o direito à liberdade de informação dos veículos televisivos ao realizarem matérias jornalísticas em que se continha os desdobramentos da ação policial e relatos de populares, na qual foi reconhecido pelo Tribunal a necessidade de expor todos esses elementos. O caso de repercussão nacional de Aída Curi, o qual foi apreciado recentemente pelo STF e centro dessa discussão, também amolda-se nesse universo de entendimentos contrários a um suposto “Direito ao Esquecimento”, posto que a decisão tomada pela Suprema Corte servirá de substrato jurídico para consolidar a tese de que não há, nem poderá vim a ser o direito ao esquecimento uma prerrogativa válida para ordenamento jurídico brasileiro. Vejamos a tese firmada pelo STF: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício de liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.” (RE 1.010606/RJ, p.203 – STF) Depreende-se desse raciocínio, que no exercício de sopesamento entre os princípios postos, não há o que se falar em “Direito ao Esquecimento” neste caso concreto, assim como a sua aplicabilidade certamente deverá ser subsidiária, a exceção à regra. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Verossímil à análise do Supremo Tribunal Federal, considero que, assim como em todos os conflitos “hard case", é necessário que todas as circunstâncias do caso concreto sejam valorizadas, pois o imediatismo e a visão unilateral dos fatos por si só não consegue responder à demanda de ambas partes e naturalmente não sanam o problema. Nesse viés, no conflito em questão, o sopesamento realizado é assertivo, vez que é inadmissível que os efeitos de uma garantia inconstitucional, pleiteada para assegurar o interesse particular, comprometa o princípio da supremacia do interesse público. Isto é, se o reconhecimento do Direito ao Esquecimento implica na perda do valor histórico, social, político e cultural de um povo, deve-se promover o afastamento do mesmo. Idem, a manifestação de tal direito não imperará quando o fato pretérito discutido for objeto de relevância social, na qual sua existência e disponibilidade seja imprescindível à manutenção das garantias fundamentais conquistadas por meio das lutas sociais (políticas públicas, ações afirmativas, o feminismo, diversidade sexual, etc). Alinha-se a esse raciocínio, a contribuição do sociólogo alemão François Ost (1952), para a Corte Alemã, em decisão histórica, na qual assegurou que o direito de esquecimento somente possível com o passar do tempo, desde que passada a historicidade do direito postulado, a notícia não justifique mais a sua publicação, pois não há mais interesse. E, a essência dessa abordagem pode ser vislumbrada pelas palavras da Min. do STF Cármen Lúcia sobre o tema: “Em um país de curta memória, discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental, nesse sentido aqui adotado, ou seja, de alguém poder impor o silêncio e até o segredo de fato ou ato que poderia ser de interesse público, pareceria, se existisse essa categoria no direito, o que não existe, um desaforo jurídico.” - (RE 1.010606/RJ, p. – STF) 7. REFERÊNCIAS https://www.conjur.com.br/2021-abr-26/direito-civil-atual-supremo-tribunal-federal-julgamento- aida-curi Acesso em: 10.07.2021 T198d Tartuce, Flávio Direito civil: lei de introdução e parte geral – v. 1 / Flávio Tartuce. – 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. Inclui bibliografia ISBN 978853098404-5 1. Direito civil - Brasil. I. Título. II. Série. https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/340373/direito-ao-esquecimento https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudenci a/865642274/recurso-especial-resp-1335153-rj-2011-0057428-0/inteiro-teor- 865642298/amp&ved=2ahUKEwil- o3PoN7xAhXVlZUCHX3MDJ8QFjAAegQIBBAC&usg=AOvVaw3ghgt7BK77Ax4gYT7ZZaeY&am pcf=1 ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura v. 3, n. 1, janeiro-junho 2017 © 2017 by RDL – doi: 10.21119/anamps.31.259-274 RE 1010606 / RJ - O documento pode ser acessado pelo endereço https://www.conjur.com.br/2021-abr-26/direito-civil-atual-supremo-tribunal-federal-julgamento-aida-curi https://www.conjur.com.br/2021-abr-26/direito-civil-atual-supremo-tribunal-federal-julgamento-aida-curi https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/340373/direito-ao-esquecimento http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 7E6C-AF8F-D2FD-9EE7 e senha 8481-58C3-9AF0-AF59 http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp
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