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O HIV é um retrovírus que ataca o sistema imunológico causando eventualmente a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em casos não tratados. A transmissão do HIV para recém-nascido pode ocorrer por via transplancentária ou, principalmente, através do contato com sangue ou secreções maternas no canal do parto e pelo aleitamento materno no período pós-natal. A epidemia pediátrica de aids está entrando em uma nova fase, com crianças infectadas por via vertical, passando pela adolescência e chegando à idade adulta. Na faixa etária > 5 anos, considera-se a transmissão vertical responsável por praticamente 100% dos casos de aids. O sucesso na prevenção da transmissão vertical, principal via de aquisição do vírus da imunodeficiência humana (HIV) em pediatria, ocasionou a redução dos casos novos em crianças, especialmente em países desenvolvidos. Essa mudança de panorama ocorreu após o desenvolvimento de métodos para diagnóstico precoce da infecção e, principalmente, com o desenvolvimento de drogas antirretrovirais. OBS: O risco de transmissão diminui de 385 para 8% com uso de zidovudina profilático para gestante e RN. • PROFILAXIA DA TRANSMISSÃO DO HIV ➢ VERTICAL As estratégias para profilaxia da transmissão vertical do HIV baseiam-se no fato de a transmissão do HIV na criança ocorrer, em sua maioria, no período periparto (75%), podendo acontecer também durante a gestação em 25% (sobretudo no 3º trimestre). Como parte importante das medidas profiláticas, indica-se o tratamento da gestante com terapia antirretroviral combinada durante a gestação e a utilização de zidovudina (AZT), endovenosa (EV), com início ao menos 4 horas antes do parto. Além disso, todos os recém-nascidos de mulheres infectadas pelo HIV devem receber AZT por via oral, de preferência imediatamente após o nascimento (nas primeiras 4 horas de vida). Quando a criança não tiver condições de receber o medicamento por via oral ou sonda enteral, o AZT injetável pode ser utilizado. Nesse caso, não se associa a nevirapina, mesmo quando indicada, pois só está disponível em apresentação oral. No Brasil, adota-se a suspensão do aleitamento materno como medida profilática da transmissão vertical do HIV, uma vez que há um risco acrescido de 14 a 29% de ocorrer a transmissão via amamentação. • QUADRO CLÍNICO Sem tratamento, o curso clínico da infecção pelo HIV é mais rápido na criança em relação ao adulto, em consequência da imaturidade imunológica. A infecção é, em geral, assintomática no período neonatal e o risco de progressão é inversamente correlacionado à idade da criança, ou seja, os mais jovens estão sob maior risco de progressão rápida. Aos 12 meses, aproximadamente 50% das crianças desenvolvem imunossupressão moderada ou grave, e 20% delas, imunossupressão grave. Infelizmente, não há, para crianças > 5 anos, um limite viral ou imunológico definido como “de risco”, e a progressão da doença e infecções oportunistas podem ocorrer nessas crianças mesmo quando apresentam contagens normais de células TCD+. A história natural da doença segue 3 padrões distintos de evolução em crianças, descritos ANTES da disponibilidade do tratamento antirretroviral combinado: progressão rápida, normal e lenta. a) O padrão de PROGRESSÃO RÁPIDA ocorre em cerca de 20 a 30% das crianças não tratadas, que evoluem com quadros graves no 1º ano de vida e podem morrer antes dos 4 anos. Inicialmente, podem surgir sinais e sintomas inespecíficos, como dificuldade em ganhar peso, febre, adenomegalia, hepatoesplenomegalia, anormalidades neurológicas, anemia, plaquetopenia, diarreia prolongada, infecções bacterianas de repetição e candidíase oral de difícil controle. Infecções oportunistas, como pneumonia por Pneumocystis jirovecii, micobacteriose atípica, candidíase oral ou sistêmica, infecções crônicas ou recorrentes por citomegalovírus (CMV), toxoplasma, vírus varicela zóster e herpes simples, são frequentes entre as crianças com imunodeficiência grave. b) Nos pacientes com o padrão de PROGRESSÃO NORMAL (70 a 80% dos casos), o desenvolvimento dos sintomas pode iniciar-se na idade escolar, com tempo médio de sobrevida de 9 a 10 anos (dados prévios à disponibilidade de terapia específica). c) O padrão de PROGRESSÃO LENTA ocorre em uma porcentagem pequena (< 5%) das crianças infectadas no período perinatal, com progressão mínima ou nula da doença e contagem normal de LTCD4+ até o início da adolescência. DEPOIS da disponibilidade de tratamento precoce, as apresentações clínicas descritas anteriormente passaram a ser substituídas por quadros mais tardios e associados ao uso crônico da terapia ARV. Os adolescentes que se infectaram por transmissão vertical foram, em geral, expostos a múltiplos regimes ARV, apresentando vários efeitos adversos, como dislipidemia e lipodistrofia, além das complicações não infecciosas decorrentes da inflamação crônica causada pelo HIV. Esses comprometimentos envolvem todos os sistemas, com especial preocupação às alterações cardiovasculares (perfil aterogênico), renais (glomerulopatia associada ao HIV) e ósseas (redução da densidade mineral óssea). • DIAGNÓSTICO Em razão da passagem transplacentária de anticorpos maternos para o concepto, a detecção de anticorpos anti-HIV NÃO É SUFICIENTE para o diagnóstico em crianças < 18 MESES DE IDADE, sendo necessária a realização de testes virológicos, como a quantificação do ácido ribonucleico (RNA) viral (carga viral), disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Se a carga viral do HIV for detectável nas primeiras 48 horas de vida, indica-se que houve INFECÇÃO INTRAUTERINA. A transmissão no MOMENTO DO PARTO é caracterizada quando, após um resultado indetectável da carga viral (< 50 cópias/ mL) na 1ª semana de vida, segue-se o encontro do vírus em exame realizado entre 7 e 90 dias de vida, em recém-nascidos não amamentados. Como a recomendação do Ministério da Saúde é que os serviços solicitem a primeira medida da carga viral após 30 dias de vida, essa distinção entre infecção intrauterina ou no momento do parto não é feita rotineiramente. Para o DIAGNÓSTICO LABORATORIAL da criança <18 meses de vida, a primeira carga viral deve ser coletada com 4 a 6 semanas de vida. Em recém-nascidos sintomáticos, a carga viral pode ser coletada em qualquer momento. Caso a carga viral tenha um resultado DETECTÁVEL, esta deve ser repetida o mais breve possível. Se a segunda carga viral também for DETECTÁVEL, considera-se a criança como INFECTADA pelo HIV. Caso a primeira carga viral tenha um resultado INDETECTÁVEL, esta deve ser repetida após o 4º mês de vida. Se a segunda carga viral também for INDETECTÁVEL, considera-se a criança NÃO INFECTADA. Esta deve manter acompanhamento clínico segundo as recomendações do Ministério da Saúde e realizar a sorologia anti-HIV após 12 meses para documentar a “sororreversão” (perda dos anticorpos maternos). É importante ressaltar que valores de carga viral até 5.000 cópias/mL podem se tratar de resultados falso- positivos e devem ser cuidadosamente analisados dentro do contexto clínico, demandando nova determinação assim que possível. Crianças > 18 MESES serão consideradas “NÃO INFECTADAS” quando houver uma amostra NÃO REAGENTE ao se utilizar uma das metodologias da etapa I (triagem), que detecta anticorpos anti-HIV-1, incluindo o tipo 0, e anticorpos anti-HIV-2. Persistindo a suspeita de infecção, uma nova amostra deve ser coletada após 30 dias. Caso o resultado da etapa I seja reagente ou indeterminado, será realizado um teste confirmatório (etapa II), com as possibilidades de resultados conforme o fluxograma. • TRATAMENTO Diante da evidência de redução da morbimortalidade e do risco de progressão rápida para doença, recomenda-se iniciar a terapia ARV em TODAS AS CRIANÇAS MENORES DE 12 MESES, independentemente de sintomatologia clínica, classificação imunológicaou carga viral do HIV. Segundo o último Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Ministério da Saúde, nas crianças MAIORES DE 12 MESES, recomenda-se iniciar a terapia ARV nas situações apresentadas no Tabela 2. No Brasil, recomenda-se o teste de genotipagem do HIV pré-tratamento, para detecção de resistência transmitida e também porque a maioria dos expostos por via vertical tem histórico de exposição aos ARV na vida intrauterina, perinatal e/ou pós-natal (possibilidade de resistência adquirida). Não é necessário aguardar o resultado para início da terapia ARV! Os regimes recomendados para o início da terapia ARV são compostos por: a) dois inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN) associados a b) um inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (ITRNN) ou a c) um inibidor de protease (IP). Os esquemas contendo IP/r têm como vantagem a maior barreira genética, que implica menor risco de desenvolvimento de resistência, enquanto aqueles contendo ITRNN estão menos associados a dislipidemia e lipodistrofia (Figura 2). Em crianças e adolescentes com ≥ 35 kg de peso corpóreo, que tenham impossibilidade de usar o esquema TDF + 3TC + EFV, sugerem-se as seguintes substituições: • 1ª opção: AZT, se contraindicação ao TDF; • 2ª opção: ABC, se contraindicação ao TDF e AZT; • 3ª opção: ddI, se contraindicação ao TDF, AZT e ABC. A resposta terapêutica aos antirretrovirais deve ser constantemente monitorada, considerando-se que dois tipos de resposta terapêutica (sucesso ou falha) podem ocorrer em um mesmo paciente no decorrer de seu acompanhamento. Considera-se SUCESSO TERAPÊUTICO quando há controle sustentado da replicação viral, isto é, carga viral indetectável mantida ao longo do tempo, associado à restauração e à preservação da função imunológica e à ausência ou resolução de sinais ou sintomas relacionados à infecção pelo HIV. A FALHA DO TRATAMENTO pode ocorrer em relação ao controle virológico (falha virológica), ao sistema imune (falha imunológica) ou às manifestações clínicas (falha clínica). As situações consideradas como falha VIROLÓGICA OU IMUNOLÓGICA são destacadas na Tabela 3. A FALHA CLÍNICA pode se apresentar como deterioração neurológica progressiva, crescimento inadequado, ocorrência de infecções graves ou recorrentes e doenças associadas à aids, quando transcorridos ao menos 6 meses de terapia ARV. Em situações de falha terapêutica, deve ser solicitado teste de genotipagem, recomendação válida já na primeira falha. Esse teste evita trocas desnecessárias ou manutenção de drogas inativas com potencial de toxicidade, orientando, assim, escolhas de esquemas de resgate mais efetivos. • VACINAÇÃO Crianças infectadas pelo HIV geralmente apresentam, ao nascimento, boa capacidade de resposta imune aos antígenos vacinais. Assim, as vacinas devem ser aplicadas precocemente, favorecendo uma proteção melhor e mais prolongada, antes de qualquer possível deterioração do sistema imune. As vacinas vivas atenuadas podem representar riscos e seu uso deve ser analisado caso a caso, mas não há risco no uso de vacinas inativadas. Assim, todas as vacinas do calendário básico de vacinaçãodevem ser aplicadas segundo as orientações: • vacina BCG (Bacillus Calmette-Guérin): em crianças infectadas pelo HIV, quando não aplicada precocemente após o nascimento, não deve ser aplicada se a criança for sintomática ou tiver imunossupressão; • vacina hepatite B: deve ser aplicada em 4 doses (ao nascimento, 2, 4 e 6 meses); primeira dose isolada e as seguintes junto com a vacina pentavalente; • vacina pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, Haemophilus influenzae B- Hib – e hepatite B): deve ser aplicada de forma rotineira, com uma dose de reforço da vacina Hib aplicada após os 12 meses de idade; • vacina poliomielite: a vacina inativada (VIP) deve ser a de escolha; • vacina pneumocócica conjugada: deve ser aplicada de forma rotineira (2, 4 e 6 meses). Duas doses adicionais de vacina pneumocócica polissacarídica (Pneumo 23) devem ser aplicadas após os 2 anos de idade, com intervalo de 3 a 5 anos entre as doses. Crianças > 5 anos de idade e adolescentes não vacinados previamente contra pneumococo devem receber apenas a vacina Pneumo 23; • vacina sarampo, caxumba, rubéola: não deve ser aplicada em crianças sintomáticas graves (classe C) ou com imunossupressão grave (classe 3). Crianças assintomáticas devem receber a primeira dose aos 12 meses e a segunda dose, 3 meses depois; • vacina varicela: deve ser aplicada nas crianças com mais de 12 meses de idade que não apresentem manifestações graves da doença ou linfócitos T CD4 < 15%. Uma segunda dose deve ser aplicada 3 meses depois; • vacina hepatite A: duas doses a partir de 12 meses de idade com intervalo de 6 meses entre elas; • vacina do papilomavírus humano (HPV): deve ser aplicada em meninas de 9 a 26 anos, independentemente da contagem de LT CD4+, com esquema de 3 doses, em intervalos de 0, 2 e 6 meses. • PREVENÇÃO A aspiração de boca, narinas ou vias aéreas deve ser evitada e, se for necessária, deve ser cuidadosa. Caso tenha havido deglutição de sangue ou mecônio, pode-se promover a lavagem gástrica cuidadosa, evitando-se traumas de mucosas tanto durante a passagem da sonda gástrica quanto durante a aspiração. O recém-nascido deve ser banhado com água e sabão logo após o parto, assim que esteja estável. Somente após a remoção de secreções maternas pode-se administrar medicações injetáveis. O aleitamento materno é contraindicado e o Ministério da Saúde do Brasil, por meio do Programa Nacional de DST/AIDS, disponibilizará fórmula infantil durante seis meses para filhos de mães infectadas pelo HIV. A criança exposta à infecção materna pelo HIV deve receber todas as imunizações rotineiras do calendário vacinal. A profilaxia deve ser administrada à criança logo após o nascimento, dentro de 12 horas de vida, preferencialmente nas primeiras 2 horas, mesmo que seja indicada com base apenas em um resultado positivo de teste rápido. Não é necessário aguardar testes confirmatórios. A parturiente deve receber zidovudina por meio de infusão endovenosa desde o início do trabalho de parto (devendo ser iniciada no mínimo 3 horas antes do parto cesáreo), na dose de 2mg/kg na primeira hora, seguida de infusão contínua de 1mg/kg/hora até a ligadura do cordão. O anti retro viral atualmente aprovado para uso na criança é a zidovudina (AZT), que está disponível como solução oral ou endovenosa. Mesmo se a infecção materna for diagnosticada entre 12 e 48 horas após o parto, a profilaxia deve ser iniciada. O início da administração de zidovudina ao recém-nascido após 2 dias do nascimento provavelmente não é eficaz para a prevenção. A duração do uso de zidovudina para o RN é de seis semanas. A medicação deve ser fornecida pelo serviço de referência com instruções cuidadosas para o seu uso.
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