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O Exame Neurológico na Medicina Veterinária Parabéns! É meu dever te parabenizar por adquirir esse livro. Com certeza seu cérebro é seu maior ativo e o investimento em conhecimento é o que mais garante retorno em curto e longo prazo. Aproveite este livro e extraia o máximo dele. Sobre Richard Graduação em andamento em Medicina Veterinária pela Universidade do Sul de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Tecnológica do CNPq, Presidente da Liga Acadêmica de Estudos em Neurologia Veterinária (LANEV) e Vice- Presidente do Centro Acadêmico de Medicina Veterinária (CAMVET) na mesma instituição. Acompanha a rotina de Neurologia e Neurocirurgia Veterinária na região Sul de Santa Catarina sob orientação do Prof. Jairo N. Balsini. Também é membro do Grupo de Pesquisa em Neurobiologia dos Processos Inflamatórios e Metabólicos (NeuroIMet - Núcleo Sepse) do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Sul de Santa Catarina. Algumas palavras iniciais Gostaria inicialmente de compartilhar um pouco da minha breve história com a neurologia veterinária e como me veio a ideia de escrever esse livro. No momento estou prestes a concluir a graduação em Medicina Veterinária e não gostaria de deixá-la sem ao menos uma contribuição significativa. O percurso até aqui foi muito diferente do esperado, como sempre, com diversos obstáculos pelo caminho. Hoje estou dando os últimos passos na graduação. E esse é só o começo. Mas quem ele acha que é? Ainda não concluiu a graduação e quer me ensinar sobre exame neurológico. Eu te entendo, e talvez se eu estivesse no seu lugar, pensaria o mesmo. Se não fosse por eu ter me dedicado quase integralmente a esse assunto durante a graduação, eu nem teria confiança para escrever sobre. Logo cedo, tive a oportunidade de ter um grande mentor, além de, por meio dele, fazer network com outros profissionais da área. Isso me permitiu criar uma relação íntima com a neurologia e com certeza, foi um assunto que ganhou minha atenção. Tive o privilégio de acompanhar um grande volume de consultas neurológicas e procedimentos neurocirúrgicos ainda no começo da faculdade e isso fez toda diferença para mim. Entendo que não são todas as universidades que dispõe de um médico veterinário neurologista no corpo docente, ou ainda são poucas as que conseguem abranger o tema durante as aulas de clínica médica. Realmente, esses profissionais são escassos. Esse fato faz com que a neurologia pareça ainda mais distante, mesmo para aqueles que despertam um grande interesse quando ouvem sobre o assunto em palestras, simpósios ou jornadas acadêmicas. Desse modo, outras áreas com maior abrangência e oportunidades acabam chamando a atenção e sobrepondo o que poderia, talvez, ser uma realização profissional. Gosto de pensar que a medicina veterinária é como uma medicina humana, porém, com alguns anos de atraso. Isso serve quando tratamos a medicina veterinária no todo, mas serve ainda mais para a neurologia veterinária. Lembro de recorrer diversas vezes a conteúdos direcionados a medicina humana e conseguir tirar muito proveito disso, onde no mínimo me servia para abrir a mente e perceber o quanto estamos atrasados e que devemos nos capacitar cada vez mais para chegar ao nível de oferecer grandes possibilidades aos nossos pacientes como acontece lá. Não engrandeço uma, nem diminuo a outra. O que penso disso, é que devemos sempre utilizar o paralelo para somar ao nosso conhecimento. O desejo de escrever esse livro despertou através da percepção de que a neurologia veterinária é apresentada como algo complexo demais para aprender ainda na graduação, e isso acaba distanciando os acadêmicos desse assunto, o que por vez, posteriormente compromete o desempenho profissional. Acredite, compromete mesmo. Quase a totalidade dos profissionais com quem conversei antes de escrever esse livro, apresentam dificuldades em realizar a correta triagem e avaliação do paciente com sinais clínicos neurológicos, e mais ainda conseguir diagnosticar e tratar casos mais básicos e evidentes que sejam. O objetivo deste livro, é trazer uma linguagem clara da introdução a neurologia e os conceitos básicos para realização de um exame neurológico que pode revelar informações cruciais para guiar o paciente até as suspeitas clínicas, que serão parte importante do caminho ao correto diagnóstico, tratamento e prognóstico. Deixo claro também, que os ensinamentos expostos aqui não são unicamente de minha fonte. Todo conteúdo descrito é baseado no conhecimento transmitido em literatura por grandes nomes da neurologia veterinária. O livro também foi revisado pelos professores que confio cegamente, Jairo Nunes Balsini e Jean Joaquim. Espero que esse guia prático possa te fornecer informações importantes e mudar o seu pensamento em relação a neurologia veterinária, mesmo que você não seja um amante da área, tampouco queira se dedicar a ela. É importante lembrar que, seja qual for seu foco profissional, a neurologia pode aparecer, e cabe a você estar preparado para lidar com esse paciente. Ele pode ter o azar de cair em mãos (e cérebro) que não estão preparados para lidar com essa situação, ou ele pode ter a sorte de chegar a você, que está lendo esse livro e se preparando para casos como esses. Boa leitura! Sumário Cap. 1: Uma boa anamnese diz muito ....................................................................... 1 Cap. 2: Entenda neuroanatomia e neurofisiologia funcional ............................... 6 Cap. 3: O exame neurológico ................................................................................... 21 Cap. 5: Aplicando o DINAMITV ............................................................................... 45 Cap. 4: Neurodiagnóstico ........................................................................................ 46 Cap. 5: Não esqueça dos princípios ........................................................................ 53 Cap. 6: Aprofunde seus estudos .............................................................................. 57 Cap. 7: Considerações finais .................................................................................... 58 1 Cap. 1: Uma boa anamnese diz muito Como descrito no título desse capítulo, uma boa anamnese diz muito e eu vou lhe mostrar o porquê. Ao iniciar a consulta de um paciente com uma suspeita de uma afecção neurológica, você deve ter em mente que algumas informações obtidas tanto na visualização direta quanto na conversa com o proprietário do animal vão ser cruciais para criar uma ideia da neurolocalização da lesão e de uma lista de suspeitas clínicas como prováveis hipóteses de causas. A identificação de informações inerentes ao animal, como raça, idade e sexo são, em algumas vezes, determinantes para suas suspeitas. A seguir você verá isso com exemplos práticos. Além disso, a conversa com o proprietário ou tutor, como preferir, vai fornecer outra gama de informações sobre o animal, configurando seu histórico, que assim como as características do animal, é um fator determinante para criar a lista de hipóteses diagnósticas e guiar o médico veterinário no seu raciocínio clínico e na sequência, na sua conduta em requisitar exames complementares mais apropriados para chegar ao diagnóstico definitivo. Dito isso, vamos entender por que a raça, a idade, o sexo e o histórico do animal são pontos chave para a avaliação de um paciente com suspeita de um quadro neurológico. RAÇA Hoje em dia sabe-se que as raças carregam consigo a predisposição genética para o desenvolvimento de alguma ou algumas enfermidades. Na 2 neurologia veterinária não é diferente, várias afecções estão diretamente ligadas às raças, mas deve-se sempre levar em consideraçãoque algumas doenças ainda não estão relacionadas com determinadas raças por falta de conhecimento ou baixa incidência, então sempre leve em consideração aquele ponto fora da curva que pode, eventualmente, aparecer para a consulta. A tabela no final deste capítulo foi adaptada de uma versão sucinta exposta no livro Pratical Guide to Canine and Feline Neurology (Dewey & da Costa) e demonstra algumas raças comumente encontradas no Brasil e as suas respectivas predisposições para algumas afecções de cunho neurológico relacionadas à genética e hereditariedade. SEXO E IDADE As afecções neurológicas ligadas ao sexo são raras, portanto, não serão tratadas nesse capítulo. Entretanto, a identificação de idade é determinante. Algumas enfermidades estão diretamente relacionadas a idade, com algumas ocorrendo quase que exclusivamente em animais jovens e outras muito mais observadas em animais idosos. Perceba que em momento algum nós citamos que a doença X ocorre somente em animais jovens e doença Y somente em animais idosos. Mesmo que comumente algumas doenças, como as congênitas, sejam observadas em grande parte nos filhotes, elas também podem, de forma incomum, manifestar sinais clínicos somente em animais adultos. Assim como as neoplasias, relacionadas quase sempre com animais idosos, ainda podem se manifestar em animais jovens. HISTÓRICO 3 Os dados obtidos no histórico do animal são cruciais para criar um conjunto de suspeitas. Nessa parte é muito importante ter uma conversa detalhada com o proprietário do animal, questionando sobre os acontecimentos e a ordem cronológica, bem como sua evolução. Informações básicas como o histórico vacinal, uso prévio de medicações e outras doenças sistêmicas concomitantes também são necessárias para formar um bom histórico do animal. Um ponto chave é tentar guiar o proprietário com perguntas específicas quando se suspeita de alguma afecção. Com isso você pode induzir o proprietário a pensar em situações que ele talvez não tenha levado em consideração, achando que não teria significância para o caso. Um exemplo disso seria estar diante de um paciente suspeito de miastenia grave. O proprietário iria apenas relatar a fraqueza em membros que o animal vem apresentando, mas poderia não correlacionar que a regurgitação que o animal apresentava após se alimentar poderia ter relação com o fato de não conseguir se locomover de forma adequada, afinal o que o sistema digestório tem a ver com o sistema nervoso? Para o leigo, nada, para nós, tudo. Outra dificuldade dos proprietários é a de descrever eventos de crises epilépticas, principalmente as focais, por terem sinais brandos e assim, não serem interpretadas por eles como um episódio de crise epiléptica. Portanto, o médico veterinário jamais deve ater-se somente ao que o proprietário informar no momento da consulta. Um grande meio para auxiliar o médico veterinário nesse sentido, seria orientar previamente o proprietário a realizar gravação de vídeo dos sinais clínicos apresentados quando estão fora do ambiente clínico. Isso pode tornar- se uma informação chave que faltava para uma suspeita clínica ser confirmada. Você com certeza já viu o gráfico a seguir em algum livro ou material de neurologia veterinária. Esse é uma adaptação do elaborado por Dewey & Da 4 Costa. Nele é possível observar que as afecções apresentam diferentes intensidades de sinais clínicos de acordo com o tempo. Algumas iniciam de forma aguda e tendem a diminuir a intensidade dos sinais, já outras aumentam gradativamente com o tempo de forma crônica, enquanto umas tendem a se manter estáveis em relação a sua apresentação clínica. Figura 1. Sinais clínicos neurológicos relacionados com o tempo de evolução. Adaptado de Dewey & da Costa, 2017 Inicialmente, com essas informações você já pode ter uma boa noção do quadro exposto na consulta. Sempre anote ou tenha uma ficha de avaliação neurológica para posteriormente, somar esses dados aos obtidos no exame neurológico. 5 RAÇA AFECÇÃO RAÇA AFECÇÃO RAÇA AFECÇÃO RAÇA AFECÇÃO Miastenia grave adquirida Abiotrofia cerebelar Espondilomielopatia cervical Paralisia de Laringe Doença vestibular congênita Paralisia hereditária de laringe Doença vestibular congênita Abiotrofia cerebelar Espondilomielopatia cervical Hipercinese Head bobbing Epilepsia idiopática Doença do disco intervertebral tipo I Mal formação de Chiari like tipo 1 Neuropatia sensorial Miopatia Agenesia cerebelar Infarto cerebelar Miosite imunomediada Leucodistrofia/degeneração espongiforme Doença vestibular congênita Estenose do canal vertebral cervical Narcolepsia/cataplexia Síndrome da cauda equina Abiotrofia cerebelar Discinesia Dogo Argentino Paralisia de Laringe Miastenia grave Epilepsia idiopática Tromboembolismo femoral Polineuropatia Miotonia Doença do disco intervertebral tipo I Siringomielia Cisto sinovial extradural Narcolepsia/cataplexia Narcolepsia Epilepsia idiopática Mielopatia embólica fibrocartilaginosa Instabilidade e subluxação atlantoaxial Meningite responsiva a corticosteroides Instabilidade e subluxação atlantoaxial Miastenia grave Mal formação de Chiari like tipo 1 Instabilidade e subluxação atlantoaxial Instabilidade e subluxação atlantoaxial Miopatia Hidrocefalia congênita Mal formação de Chiari like tipo 1 Hidrocefalia congênita Tremor ortostático Cisto aracnóide Síndrome do tremor idiopático Meningoencefalite necrotizante Fila Brasileiro doença do disco intervertebral tipo II Mal formação de Chiari like tipo 1 Boiadeiro Australiano Polioencefalomielopatia Distrofia neuroaxonal Miastenia grave Hidrocefalia congênita Abiotrofia cerebelar Hipoplasia cerebelar Degeneração espinocerebelar Meningoencefalite necrotizante Mielopatia embólica fibrocartilaginosa Hipomielinização/desmieliniz ação Doença do disco intervertebral cervical Miastenia grave adquirida Epilepsia idiopática Miotonia Megaesôfago congênito Polimiosite autoimune Neuropatia sensorial Abiotrofia cerebelar Meningite responsiva a corticosteroides Espondilomielopatia cervical Polimiosite autoimune Doença vestibular congênita Síndrome da cauda equina Megaesôfago congênito Meningite responsiva a corticosteroides Hidrocefalia Mielopatia embólica fibrocartilaginosa Doença vestibular congênita Mielopatia degenerativa Paralisia facial idiopática Infarto talâmico Doença do disco intervertebral tipo II Head bobbing Doença do disco intervertebral tipo I Miastenia grave Síndrome da cauda equina Distrofia neuroaxonal Epilepsia juvenil Meningoencefalite eosinofílica Mielopatia degenerativa Neoplasia encefálica primária Leucodistrofia/degeneração espongiforme Síndrome de Horner Paralisia de Laringe Neuropatia sensorial Miotonia Polineuropatia Epilepsia idiopática Espondilose deformante Abiotrofia cerebelar Epilepsia idiopática Miosite de músculos mastigatórios Cisto aracnóide Epilepsia idiopática Neoplasia encefálica primária Distrofia neuroaxonal Hemivértebra Doença do disco intervertebral tipo I Neuropatia sensorial Doença do neurônio motor Head bobbing Miastenia grave Mielopatia degenerativa Instabilidade e subluxação atlantoaxial Abiotrofia cerebelar Narcolepsia/cataplexia Paralisia de Laringe Hidrocefalia congênita Hemivértebra Neuropatia sensorial Miastenia grave congênita doença do disco intervertebral tipo I Hidrocefalia Espondilomielopatia cervical Ataxia hereditária Hipoplasia do nervo óptico Head bobbing Hipertonicidade muscular episódica Cisto aracnóide Instabilidade e subluxação atlantoaxial Mal formação sacrococcígea Hipomielinização/desmieliniz ação Miotonia Mal formação de Chiari like tipo 1 Espinha bífida Paralisia de Laringe Distrofia neuroaxonal Abiotrofia cerebelar Instabilidade e subluxação atlantoaxial Narcolepsia/cataplexia Neuropatia sensorial Mielopatia degenerativa Doençado disco intervertebral Megaesôfago congênito Instabilidade e subluxação atlantoaxial Doença do disco intervertebral tipo I Cisto aracnóide Mielopatia embólica fibrocartilaginosa Mal formação de Chiari like tipo 1 Leucodistrofia/degeneração espongiforme Paralisia de Laringe Adipsia Hidrocefalia congênita Narcolepsia/cataplexia Epilepsia idiopática Epilepsia idiopática Doença do disco intervertebral tipo I Hipoplasia do nervo óptico Narcolepsia/cataplexia Doença do disco intervertebral tipo I Leucoencefalite necrotizante Epilepsia idiopática Abiotrofia cerebelar Miotonia Encefalopatia hepática Cisto aracnóide Hipoplasia cerebelar Sharpei Megaesôfago congênito Espondilomielopatia cervical Mal formação de Chiari like tipo 1 Miastenia grave congênita Instabilidade e subluxação atlantoaxial Paralisia de Laringe Hemivértebra Hipomielinização/desmielini zação Head bobbing Cisto aracnóide Mielopatia degenerativa Leucodistrofia/degeneração espongiforme Meningoencefalite necrotizante Miotonia Boxer Akita Basset Hound Beagle Bichon Frisé Border Collie Bull Terrier Cavalier King Charles Spaniel Chihuahua Chow Chow Cocker Spaniel Lhasa Apso Hidrocefalia congênita Bulldog Francês Bulldog Inglês Shih Tzu São Bernardo Samoieda Yorkshire Terrier Dachshund Dálmata Schnauzer Pinscher Miniatura Rottweiler Labrador Retriever Spitz Alemão Maltês Pastor Alemão Pequinês Poodle Pug Doença do neurônio motor Doberman Pinscher Dog Alemão Fox Terrier Galgo Golden Retriever Husky Siberiano Jack Russell Terrier 6 Cap. 2: Entenda neuroanatomia e neurofisiologia funcional Embora o entendimento da neuroanatomia e neurofisiologia seja fundamental para compreender a neurologia clínica, não se apavore! Sabemos que isso não é uma tarefa fácil, nem mesmo para quem está inserido há muito tempo nessa área. A neurologia clínica não vai demandar de um conhecimento complexo e profundo de anatomia e fisiologia para que você coloque em prática o exame neurológico. Obviamente você deve ter uma base para raciocinar o exame neurológico, mas grande parte do conhecimento mais profundo é adquirido principalmente quando você associa a teoria com a prática e fixa essas informações em uma curva de aprendizado, que inicialmente podem parecer complexas demais, e que muitas vezes é o principal motivo para desestimular os estudos. Se mantenha firme, não é tão complexo quanto parece. Vamos tentar esmiuçar ao máximo para que seja de fácil entendimento e você absorva o necessário para conseguir iniciar um bom exame neurológico e perder o medo de errar uma suspeita. Mas já fica a reflexão: na neurologia você vai errar, não tente ser perfeito. O importante, nesse caso, é acertar mais do que errar e conseguir proporcionar o melhor para seus pacientes, ou ainda, se errar, erre dentro de um raciocínio lógico e com coerência O entendimento da neuroanatomia e fisiologia vai guiar você ao que se chama de NEUROLOCALIZAÇÃO. Essa é a base da neurologia clínica e o ponto fundamental para criar suspeitas. Vamos dividir o Sistema Nervoso Central (SNC) em regiões para que fique mais fácil absorver. Caso você não tenha nenhuma familiaridade com o 7 assunto, pode ser que encontre termos novos nesse capítulo, mas que serão explicados no decorrer do livro. Figura 2. Divisão das estruturas que compõe o encéfalo. O SNC pode ser dividido em duas grandes regiões: encéfalo e medula espinhal. Essas ainda podem ser subdivididas, e dessa maneira será feito a seguir: ENCÉFALO O encéfalo é um grande órgão que compreende as regiões que ficam abrigadas pela calota craniana. São elas, o cérebro (telencéfalo e diencéfalo), 8 cerebelo e tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo). Vamos destrinchar cada uma dessas estruturas separadamente. Cérebro (telencéfalo e diencéfalo) No telencéfalo, as regiões funcionais são conhecidas por lobos, sendo eles o lobo frontal, lobo parietal, lobo temporal, lobo occipital e lobo piriforme. Cada lobo tem uma função em particular, ou melhor, várias funções, mas vamos tratar de maneira simplificada. Lobo frontal: é uma área motora, e lá se originam dois tratos responsáveis por essa função, sendo eles o corticoespinhal e corticonucleares. Esses tratos que se originam lá, percorrem pela substância branca da medula espinhal. Lobo parietal: é uma área relacionada com a sensibilidade dolorosa ou nocicepção. Esse lobo recebe informações proprioceptivas e nociceptivas de outras regiões, que lá são interpretadas e moduladas. Lobo temporal: é uma área relacionada com o equilíbrio do animal, ou melhor, com o sistema vestibulococlear. Lobo occipital: é uma área relacionada com a interpretação da visão, pois lá é o local de terminação das fibras do trato óptico. Sim, esse lobo fica lá atrás, mas o trato óptico o cruza para interpretar os estímulos e proporcionar a visão. 9 Lobo piriforme/Olfatório: é uma área relacionada com o olfato, pois recebe e interpreta os estímulos oriundos das terminações nervosas do trato olfatório. Figura 3. Divisão do telencéfalo em lobos. Um detalhe importante para lembrar é que os tratos oriundos do telencéfalo que vão para os membros são cruzados quando passam pelo tronco encefálico, mais precisamente na região entre mesencéfalo e ponte. Nesse sentido, alterações em membros que são originadas por disfunções no telencéfalo, sempre vão se apresentar de forma contralateral, ou seja, se há uma ataxia proprioceptiva (veremos adiante) em membro pélvico esquerdo, é muito provável que a lesão esteja localizada no lado direito, se oriunda de disfunção encefálica. 10 De modo geral, lesões no telencéfalo podem provocar mudanças de comportamento (andar sem rumo ou vocalizar), crises epiléticas, andar em círculos, déficit proprioceptivo, alteração do estado mental, déficits na resposta à ameaça, head pressing (pressão de cabeça contra paredes e objetos) e rotação de cabeça. A cervicalgia ou dor cervical também pode estar presente, principalmente em pacientes com afecções encefálicas que promovam aumento da pressão intracraniana (PIC). Clinicamente, o diencéfalo vai apresentar sinais de disfunção muito semelhantes aos do telencéfalo, sendo quase que inviável separá-los no exame clínico. Por esse motivo, o termo clínico para disfunções do telencéfalo e/ou diencéfalo é denominado como disfunção talamocortical ou prosencefálica, que engloba as duas regiões. Uma característica importante de ser lembrada é que pacientes com disfunção diencefálica podem apresentar indícios de disfunção endócrina, visto que o diencéfalo abriga importantes estruturas relacionadas com a secreção de hormônios. Cerebelo O cerebelo é o responsável por refinar o movimento, ou seja, ele controla a velocidade e a amplitude dos movimentos executados pelo animal. Então, qualquer sinal de disfunção nessa região vai impedir esse refinamento, e os movimentos podem ficar exagerados em amplitude (hipermetria) ou diminuídos (hipometria), sendo que as duas alterações configuram a dismetria. A lesão em cerebelo também pode provocar a ataxia cerebelar, que é caracterizada por tremores de intenção com a cabeça, além disso, alterações relacionadas com a via ocular. 11 Tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo) Você já deve ter ouvido falar de pares de nervos cranianos, certo? Eles são 12 e o tronco encefálico abriga a origem de 10 desses pares, ou seja, é uma área em que sua disfunção vai culminar em alterações em pares cranianos. Se você já se tocou disso, você está no caminho certo. As funções dos pares de nervos cranianos serão abordadas mais a fundo no próximo capítulo. No mesencéfalo, estão localizadas as origens dos pares cranianos III (nervo oculomotor) e IV (nervo troclear). Entreo final do mesencéfalo e o início da ponte, fica o local onde há uma decussação dos tratos craniais a ponte, sendo assim esse é o ponto que distingue as lesões de marcha contralaterais (rostrais ao mesencéfalo) e ipsilaterais (caudais ao mesencéfalo). Na ponte, está localizada a origem do par craniano V (nervo trigêmeo, mais especificamente seu núcleo motor). Além disso, essa nobre região é responsável pelos principais centros respiratórios, juntamente com o bulbo. O bulbo abriga a origem de diversos pares cranianos, sendo eles o V (nervo trigêmeo, núcleo sensitivo), VI (nervo abducente), VII (nervo facial), VIII (nervo vestibulococlear), IX (nervo glossofaríngeo), X (nervo vago), XI (nervo acessório) e XII (nervo hipoglosso). Essa área também atua no controle de funções vitais, como a frequência cardíaca e a respiratória. MEDULA ESPINHAL É importante iniciar comentando a diferença entre segmentos medulares e segmentos vertebrais. A seguir você pode observar na imagem, que em alguns momentos os segmentos não se respeitam e seguem em ordem 12 diferente. Fique atento, pois na neurologia clínica os segmentos medulares são utilizados como pontos de referência em afecções que acometem a medula espinhal. Sobre os segmentos medulares e sua relevância clínica, esse tópico será abordado no próximo capítulo, onde trataremos do exame neurológico. Lembrete 1 Ao examinar uma radiografia, com os espaços intervertebrais, lembre-se que a lesão na radiografia não é a mesma no segmento vertebral ou seja uma lesão radiográfica no segmento de L3L4 na verdade é uma lesão no segmento medular L4L5 com sinais de NMI. 13 Figura 4. Segmentos medulares e seus respectivos segmentos vertebrais. Adaptada de Dewey & da Costa, 2017 Você pode achar que a medula espinhal é um simples cordão localizado no canal interior das vértebras, mas acredite, não é. Ela abriga em seu interior diversos componentes, que são responsáveis por funções motoras e sensitivas para cada local do corpo. A substância branca da medula espinhal pode ser dividida em funículos, e dentro de cada funículo, há diversos tratos e fascículos com funções motoras e sensitivas. Esse assunto é complexo, mas pode ser 14 compreendido de acordo com seu interesse. Não abordaremos sobre o assunto nesse livro, e talvez ele não seja inicialmente fundamental para você compreender o exame neurológico. Se apegue em conceitos mais simples no momento. Mas como título de curiosidade, segue uma imagem para você entender como eles estão divididos. Esse entendimento é importante principalmente na classificação de lesões medulares, onde você pode compreender o nível de comprometimento da medula e as disfunções decorrentes. Figura 6. Divisão dos componentes funcionais da medula espinhal. Legenda: 1 - trato corticoespinhal lateral; 2 - trato rubroespinhal; 3 - trato reticuloespinhal pontino; 4 - trato reticuloespinhal medular; 5 - trato vestibuloespinhal; 6 - fascículo grácil; 7 - fascículo cuneado; 8 - trato espinocuneocerebelar; 9 - trato espinocerebelar; 10 - trato espinotalâmico. 15 Outro conceito integrado nesse assunto é o de neurônio motor. Para facilitar, entenda que os neurônios motores são divididos em superior (NMS) e inferior (NMI). O NMS manda no NMI. Nesse sentido, os axônios dos tratos do NMS descendem do encéfalo e fazem conexão com o NMI através dos interneurônios, localizados na substância cinzenta da medula espinhal. Por sua vez, esse impulso é continuado através do NMI até os músculos apendiculares, mas não somente eles. A bexiga e os esfíncteres anais e uretrais também são inervados pelo NMI. Lembra que falamos de segmento medular no início deste tópico? Essa divisão segmentar também está relacionada com o tipo de neurônio motor afetado. Os NMI de relevância clínica estão localizados principalmente na intumescência cervical e lombossacra, que corresponde aos segmentos C6-T2 e L4-S3, respectivamente. A lesão nesses segmentos configura uma lesão do tipo NMI, que é caracterizada por paresia ou plegia, com redução ou ausência dos reflexos e diminuição do tônus muscular dos membros acometidos. Lembrar que as lesões dos nervos cranianos são sempre do tipo NMI. A lesão nos segmentos que correspondem ao NMS, ou seja, lesão em segmentos C1-C5 e T3-L3, vai impedir o controle do NMS sobre o NMI. Desse modo, haverá também paresia ou plegia, porém, com a presença dos reflexos e do tônus muscular de maneira normal ou aumentada. Medula cervical (C1-C5) A ocorrência de uma lesão nesse segmento medular pode acarretar paresia ou plegia. Mais especificamente hemiparesia/plegia ou tetraparesia/plegia, dependendo do tipo de lesão. A cervicalgia ou dor cervical também é um sinal clínico bastante associado, sendo evidenciada 16 principalmente à palpação. Fisiologicamente, déficits proprioceptivos e motores deveriam estar presentes, mas em alguns casos, são discretos ou ausentes, de modo que podem mascarar a lesão. Isso tudo vai depender da intensidade da lesão, bem como de sua localização e extensão. Quando há acometimento do segmento C1-C5, os sinais clínicos de NMS podem ser observados em membros torácicos e pélvicos. Medula cervicotorácica (C6-T2) Esse segmento dá origem a intumescência cervical, de onde se origina um plexo de nervos que se direcionam para os membros torácicos. Os principais nervos incluem o supraescapular, subescapular, musculocutâneo, axilar, radial, mediano e ulnar. A lesão nesse segmento configura sinais de NMI nos membros torácicos (caso a lesão envolva a substância cinzenta) e mais evidentes de NMS nos membros pélvicos. Mas por que NMI para membros torácicos e NMS para membros pélvicos? Bem, imagine que a lesão está a nível de membros torácicos, ali está a origem de diversos nervos que inervam essa região, enquanto para os membros pélvicos isso não se aplica, pois é apenas parte do caminho percorrido pelo NMS até a intumescência lombossacra. Nesse segmento que também origina o nervo torácico lateral, que é um ramo eferente do reflexo cutâneo do tronco ou panículo, sendo assim, ele pode estar ausente ou diminuído se lesão associada. Nesses casos, a bexiga também pode sofrer impactos com sinais de NMS. Lembrete 2 As lesões de NMI de C6T2 são menos intensas que as de L4S1, devido ao canal medular ser mais largo na região cervical e, portanto, mais complacente. 17 Medula toracolombar (T3-L3) Lesões no segmento toracolombar (T3-L3) provocam sinais de NMS nos membros pélvicos, enquanto os membros torácicos permanecem intactos. Uma exceção é quando há acometimento das primeiras vértebras lombares, mais precisamente L2-L4, onde estão localizadas as chamadas células da borda ou border cells. Esses neurônios se projetam para a intumescência cervical, atuando como inibidores para os músculos apendiculares dos membros torácicos. Nesse sentido, esse tipo de lesão causa disfunção também nos membros torácicos, que se manifestam como rigidez extensora. A postura exercida pelos pacientes nesse tipo de lesão é denominada Schiff-Sherrington. Aqui pode ocorrer um dos erros clínicos no momento da neurolocalização de mielopatias, sendo facilmente confundidas com lesões em segmento C1-C5. Importante lembrar que lesões toracolombares também podem comprometer o funcionamento vesical, nesses casos culminando em uma bexiga com sinais de NMS. Lembrete 3 Schiff-Sherrington: lesão nos neurônios da borda, normalmente por traumas, atropelamentos, raramente ou nunca por discopatia, não havendo relação com prognóstico. Lembrete 4 Diferencial básico de Schiff-Sherrington e lesão cervical alta: animais em Schiff-Sherrington executa manobra de carrinho de mão, enquanto animais com lesões cervicaisaltas não conseguem executar essa manobra 18 Medula lombossacra (L4-S3) Lesões em nível de L4-S3, de forma geral, vão causar sinais de NMI exclusivamente nos membros pélvicos, não afetando de maneira alguma os membros torácicos. Em níveis mais caudais, como L7-S3, também há acometimento do nervo pudendo e pélvico, culminando em disfunção do esfíncter e tônus anal, e de uma bexiga com sinais de NMI. No próximo capítulo também veremos quais reflexos podem estar comprometidos nesse caso. Figura 5. Esquema da divisão segmentar da medula espinhal. Adaptado de Jaggy, 2011 Para fixar, observe a imagem acima. Lembre-se que os segmentos que correspondem ao NMS são C1-C5 e T3-L3, já os que correspondem ao NMI são C6-T2 e L4-S3. Agora preste atenção em qual região há uma lesão e que tudo 19 que está caudal a ela pode ser comprometida. Relacione o que você aprendeu aqui com o que você aprenderá no próximo capítulo e tudo fará mais sentido. 20 21 Cap. 3: O exame neurológico Antes de iniciar um exame neurológico, é muito importante realizar um bom exame físico geral para verificar as condições do animal em relação aos outros sistemas, principalmente o articular e o ortopédico. O exame neurológico vai confirmar a existência ou não de uma alteração neurológica, bem como identificar o local ou locais neuroanatômicos dessa lesão, a assimetria e a sua gravidade. Como veremos adiante, algumas partes do exame neurológico podem causar dor ou desconforto ao paciente, portanto, é orientado começar sempre por procedimentos não dolorosos e deixar estes para o final do exame. Iniciar por procedimentos dolorosos pode fazer com que o animal fique incomodado e não permita a realização do restante do exame ou mascare reações a estímulos. Também é importante conversar com o proprietário durante a realização do exame, explicando a finalidade de cada um, para que ele não se assuste com alguns procedimentos, como verificar a dor profunda do animal. Instrumentos Antes de entrarmos no exame neurológico em si, é importante iniciar comentando sobre os instrumentais necessários para realização de um bom exame. Dentre as ferramentas utilizadas pelo neurologista veterinário, podemos citar as seguintes: 22 Plexímetro: este é o famoso martelo de borracha, que pode ser de vários modelos (Taylor, Buck, Babinski). Sua finalidade é testar os reflexos miotáticos. Outros instrumentos improvisados podem não elucidar estímulos consistentes. Pinça hemostática: utilizada para verificar estímulos nociceptivos, como o de percepção de dor profunda e do reflexo panículo. Foco de luz: utilizado para elucidar os reflexos pupilares fotomotores. Tapete antiderrapante: utilizado para realização dos testes de reação postural, principalmente o de propriocepção consciente. REALIZANDO O EXAME NEUROLÓGICO Agora vamos entrar no exame neurológico propriamente dito. Aqui você deve associar tudo que aprendeu nos capítulos anteriores para realmente conseguir criar suas suspeitas clínicas diante de um paciente com alterações 23 neurológicas. Para ficar mais didático, vamos dividir o exame neurológico em duas partes: HAND OFF e HANDS ON. HANDS OFF Hands off, como o nome deixa explícito, é a parte do exame neurológico onde o clínico não coloca a mão no seu paciente. Mas como assim não coloca a mão? Isso mesmo! Essa parte do exame é baseada unicamente em uma palavra: observação. Essa primeira parte requer um bom olhar clínico para notar até as alterações mais sutis, que nos primeiros atendimentos, podem passar despercebidas, mas que com o passar do tempo e com a observação de diversos pacientes, podem se tornar cada vez mais aparentes. 1) Estado mental e comportamento Avaliar o estado mental e o comportamento, além de informações advindas de uma boa anamnese, pode ser feito quando o animal entra no consultório. É muito comum, principalmente cães de pequeno porte, ficarem sobre os braços do proprietário durante a consulta. Mas é muito importante que você o oriente a soltar o animal na sala para que você observe a capacidade deambulatória do animal e a percepção dele com o ambiente ao seu redor. O estado mental deve ser avaliado e classificado de acordo com níveis de consciência, sendo eles: 24 a. Alerta. É aquele em que o animal responde e interage adequadamente com os estímulos ambientais. b. Depressão. É aquele em que o animal está sonolento, mas facilmente capaz de despertar com estímulos. Esses exigem desinteresse a estímulos externos e pouca atividade espontânea. c. Estupor. É aquele em que o animal está em estado de sono, mas pode ser despertado, porém com estímulos mais dolorosos. d. Coma. É aquele em que o animal está em estado inconsciente e não pode ser despertado nem com estímulos dolorosos. Como o estado mental é dependente do Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA), localizado no tronco encefálico até ativar o córtex cerebral, alterações em nível de tronco podem causar alterações de estado mental. O comportamento pode ser avaliado através da comparação com o comportamento para o animal em questão, levando em consideração suas características. Alterações de comportamento estão relacionadas com lesões em nível de prosencéfalo (telencéfalo e diencéfalo; talamocortical). As principais alterações de comportamento comumente observadas são andar compulsivo ou em círculos, se esconder, não obedecer a ordens que antes respondia e agressividade. Delírio e vocalização também podem estar presentes e relacionados principalmente com o conteúdo de consciência do animal. 2) Postura 25 Na postura, busca-se observar se há alterações em relação a cabeça, tronco e membros. Alterações posturais de cabeça podem incluir head tilt (inclinação de cabeça) e head turn (rotação de cabeça). É muito importante diferenciar as duas, pois head tilt indica principalmente lesão vestibular, enquanto head turn sugere lesão em nível de prosencéfalo. Na primeira, o animal tende a manter o pescoço em sua posição, mas a cabeça inclina, fazendo com que uma orelha se eleve em relação a outra. Seria como virar a cabeça para observar uma imagem que está inclinada em 180º. Na segunda, o animal tende a virar o pescoço e olhar para a região do tronco (olhar para a lesão como você pode ter ouvido falar). Andar em círculos também pode estar associado a head turn. Alterações posturais em membros, como a postura palmígrada e plantígrada podem ser adotadas principalmente por animais com doenças neuromusculares, sendo mais observada em felinos com neuropatia por diabetes mellitus. Ventroflexão cervical é uma alteração que pode estar associada a doenças do disco intervertebral ou doenças inflamatórias do encéfalo que cursam com cervicalgia. Outra postura que já comentamos anteriormente, mas vale lembrar é a de Schiff-Sherrington, observada em lesão no segmento toracolombar. Cifose, lordose e escoliose também são alterações posturais da coluna vertebral. A cifose costuma ser observada em pacientes com dor em região toracolombar. A escoliose pode ser observada em pacientes com malformações congênitas da junção crânio cervical, como a síndrome de Chiari like tipo 1. Já a lordose, é resultado principalmente de fraqueza da musculatura epaxial. Para finalizar, ainda há duas alterações posturais, denominadas rigidez de descerebração (descerebrada) e rigidez de descerebelação (descerebelada), atribuídas a lesão em tronco encefálico e cerebelo, respectivamente. 26 3) Locomoção Na avaliação da locomoção, o primeiro ponto a ser verificado é se o animal possui capacidade deambulatória, ou seja, se ele ainda tem a capacidade de se locomover preservada. Animais com comprometimento da locomoção podem se apresentar de diversasmaneiras e podemos classificar esse comprometimento como paresia (perda incompleta da função motora voluntária) ou plegia (perda completa da função motora). Desse modo, ainda pode-se classificar mais afundo em: a. paraparesia/paraplegia. Quando há comprometimento apenas dos membros pélvicos, muito comum em algumas afecções como síndrome da cauda equina, doença do disco intervertebral toracolombar ou lombossacra, mielopatias degenerativas e traumas. b. tetraparesia/tetraplegia. Quando há comprometimento dos membros pélvicos e torácicos, comum em traumas medulares, doença do disco intervertebral cervical ou cervicotorácica, neoplasias medulares, tromboembolismo fibrocartilaginoso ou subluxação atlantoaxial. c. hemiparesia/hemiplegia. Quando há acometimento dos membros de apenas um lado do corpo e é mais comum em hérnias de disco lateralizadas e neoplasias primárias ou secundárias. d. monoparesia/monoplegia. Quando há acometimento de apenas um membro, seja ele pélvico ou torácico, sendo mais comum em neoplasias de nervos periféricos ou tromboembolismo vascular. 27 Feito isso, você já pode começar a pensar nas alterações observadas e tentar compreender onde é a neurolocalização da lesão. Mas saiba que, afecções ortopédicas também podem cursar com claudicação ou perda da capacidade deambulatória, como ocorre em pacientes com doença grave da articulação coxofemoral, ruptura do ligamento cruzado ou luxação grave de patela. Afecções como essas podem provocar sinais que mimetizam muito bem alterações neurológicas, principalmente as medulares. Aqui necessário lembrar que doenças neuromusculares ou afecções que acometem exclusivamente o NMI também podem cursar com sinais semelhantes, principalmente uma marcha de passo curto com fraqueza nos membros acometidos. Embora não tenhamos abordado o Sistema Nervoso Periférico (SNP) no capítulo anterior, eventualmente poderemos comentá-lo aqui dentro do exame neurológico. Além da capacidade motora deambulatória, outra alteração que deve ser observada ainda nessa parte do exame neurológico, é a presença de ataxia. O que é ataxia? Você já deve ter ouvido falar, mas em termos práticos ataxia é a incapacidade de realizar uma atividade motora coordenada, ou simplesmente, a perda da coordenação motora. Antes de definir que o animal apresenta uma ataxia, é necessário ter certeza de que ele não apresenta alteração musculoesquelética, que pode induzir falsamente alterações. Há três tipos de ataxia, e sua presença pode ser definida basicamente através da observação. São elas: a. Ataxia proprioceptiva. Essa ataxia é decorrente da interrupção das vias proprioceptivas ascendentes, que resulta na incapacidade de identificar a posição dos membros e do corpo como um todo. É comum o animal apresentar base ampla de sustentação, arrastar os dígitos ou cruzar os membros no momento da marcha, onde é frequentemente associada a 28 paresia. A causa é decorrente de lesões que acometem a medula espinhal, principalmente a substância branca, onde estão localizados os tratos proprioceptivos. Mas as afecções encefálicas também podem interromper essa via, portanto, é crucial determinar o local lesionado. Entre algumas afecções, pode-se citar doença do disco intervertebral, neoplasia, doenças inflamatórias e síndrome da cauda equina. b. Ataxia vestibular. Essa ataxia é decorrente de lesões que acometem o sistema vestibulococlear. Se o acometimento for unilateral, o animal pode apresentar head tilt (inclinação de cabeça) para um dos lados, além disso, outros sinais como nistagmo, andar em círculos, queda e rolamento podem ser evidentes. Em acometimento bilateral, o animal tende a manter uma postura agachada e evita se movimentar, sem head tilt evidente, mas com movimentos oscilatórios de lateralização de cabeça. Estrabismo posicional e nistagmo também podem estar associados. Algumas afecções que cursam com ataxia vestibular, incluem infecção pelo vírus da cinomose canina, otite interna, acidente vascular encefálico e neoplasias primárias e secundárias em tronco encefálico, principalmente. c. Ataxia cerebelar. Essa ataxia é decorrente, principalmente, de afecções cerebelares. A alteração mais evidente é a incapacidade de refinar a amplitude e a velocidade de movimento dos membros, caracterizando o que pode ser denominado como dismetria, onde eventualmente reflete uma hipermetria, que são movimentos exagerados de flexão dos membros. Tremor intencional de cabeça também pode estar presente. Doenças que podem cursar com esse tipo de ataxia incluem infecção pelo vírus da cinomose canina, infartos isquêmicos e anomalias congênitas, como hidrocefalia. 29 4) Identificação de movimentos anormais Movimentos anormais são caracterizados por movimentos involuntários apresentados esporadicamente ou de forma contínua. Alguns dos principais observados na rotina clínica incluem: mioclonia, crise epiléptica e head bobbing. A mioclonia é a contração muscular de aspecto de choque, produzindo um movimento rítmico e contínuo de uma parte da musculatura. É muito comum, e já foi até denominada por alguns autores, como um sinal patognomônico para a infecção pelo vírus da cinomose canina. A crise epiléptica pode ser definida como um evento hiperssincrônico neuronal transitório que resulta em movimentos involuntários, que podem ser focais ou generalizados. Há diversas causas que levam um animal a ter um evento de crise epiléptica. Nesse livro não abordaremos a fundo sobre crises epilépticas e epilepsia. Mas saiba que é de extrema importância diferenciar a etiologia da crise para estabelecer o correto tratamento focado na causa primária. O head bobbing é um movimento involuntário e contínuo da cabeça, muito semelhante ao tremor de intenção provocado por ataxia cerebelar. Porém, nesse caso, essa alteração muitas vezes é idiopática sem cursar com nenhum comprometimento da saúde do animal, muito mais por ser um fator ligado ao gene ou raça do animal. Mas é necessário realmente ter esse diagnóstico para afirmar tal fato. 30 HANDS ON A partir de agora, você vai colocar as mãos no animal e realizar a segunda parte do exame neurológico. Assim como a primeira parte requer uma boa observação, essa requer técnica para realização dos testes. Alguns testes, como o de propriocepção podem nos enganar se não repetidos várias vezes, portanto, não canse de repetir até que realmente consiga afirmar que viu ou não uma alteração evidente. Às vezes um simples sinal pode entregar ou mascarar uma suspeita. Por isso é crucial repetir quantas vezes forem necessárias. 1) Reações posturais Quando você avalia as reações posturais, você também está avaliando as vias relacionadas com a capacidade deambulatória. Na avaliação das reações posturais, quando bem feita, você pode detectar alterações que eventualmente não são observadas durante a marcha do animal. O principal teste empregado para avaliar a reação postural do animal é o teste de propriocepção. Esse teste é muito importante para detectar déficit proprioceptivo, mesmo que seja sútil. A propriocepção pode ser definida como a capacidade do animal em reconhecer a posição do corpo e dos membros. O teste consiste basicamente em manter o animal em estação, se necessário com sustentação do seu corpo em casos em que há paresia associada, e flexionar a pata do animal de forma que a superfície dorsal fique em contato com o chão. É importante que o chão ou a superfície onde o animal se encontra seja de 31 material antiderrapante, pois um chão ou superfície lisa pode mascarar facilmente o teste, induzindo uma falsa interpretação. Após flexionar a pata, é esperado que o animal imediatamente reconheça a posição e retorne-a para sua posição normal. Entretanto, caso isso não ocorra, pode-se determinar quehá uma interrupção da via proprioceptiva, ou seja, uma lesão em SNC, que pode ser tanto em nível medular, quanto no encéfalo. Mas então isso não isso me diz nada, não é? Basicamente pode confirmar sua suspeita neurológica, assim como excluir definitivamente a possibilidade de que a etiologia seja ortopédica. Já é um bom norte para o clínico. Uma dica é realizar repetidas vezes esse teste. Em alguns casos, o animal pode ter um déficit proprioceptivo e no seu primeiro teste responder normalmente. Mas como isso acontece? Então, você deve ter em mente que não é simplesmente flexionar a pata e esperar que ela não volte, com certeza em casos mais graves isso acontece. Mas em déficits sutis, onde o animal pode estar iniciando uma alteração de marcha, você deve realizar com técnica e repetir diversas vezes para realmente ter certeza se há ou não um déficit proprioceptivo. Acompanhando a rotina, já pude observar pacientes que ao primeiro teste não exibiram alteração alguma, mas, por meio de repetições, ficou claro que ele discretamente tinha essa alteração. E saiba, se isso passar despercebido, você pode bater muita cabeça pensando em outras possibilidades, gerando um desconforto para seu paciente, já que não tem diagnóstico e para o proprietário dele, já que terá que investir mais para chegar ao diagnóstico. Seja técnico e definitivamente, repita quantas vezes for necessário. O outro teste é o de saltitamento, utilizado principalmente em felinos, já que essa espécie é relutante a realização do teste anterior. O teste consiste em segurar o animal de modo que ele se sustente apenas em um membro, 32 avaliando-os separadamente. Desloque o animal para uma direção e ele deve saltitar com esse membro na direção do deslocamento suportando seu peso. 2) Avaliação de nervos cranianos Os pares de nervos cranianos estão localizados no encéfalo, em sua maioria no tronco encefálico, portanto, essa parte do exame neurológico é muito importante para determinar afecções encefálicas. Vamos discutir separadamente as funções de cada par de nervo craniano e como realizar a sua avaliação. I. Nervo olfatório O par craniano I é o nervo responsável pelo olfato. Habitualmente não é avaliado durante o exame neurológico, mas caso deseje, você pode testá-lo cobrindo os olhos do animal e oferecendo alimento. Evite usar substâncias irritantes, pois além de gerar desconforto podem induzir falso resultado ao teste. II. Nervo óptico O par craniano II é responsável pela visão. Antes de testar esse par craniano é necessário observar a presença de qualquer alteração no diâmetro pupilar. O teste se inicia com a utilização do foco luminoso aplicado sobre cada olho. Nesse sentido, a pupila deve responder com miose a presença de luz, tanto 33 na avaliação direta, quanto na avaliação consensual, que é a avaliação da resposta na pupila quando aplicado luminosidade na pupila contralateral. Lembre-se que existe um quiasma óptico! Outro teste é o de reação ameaça, que consiste em levar a mão em direção aos olhos do animal, de modo que seja interpretado como uma ameaça a visão e induza o ato de piscar para se proteger. Antes de realizar esse teste é importante verificar se o animal tem a capacidade de piscar preservada, ou seja, integridade do par VII. Além disso, a idade do animal pode interferir na resposta desse teste. Isso pode ser explicado de forma totalmente evolutiva, ou seja, filhotes ainda não desenvolveram a capacidade de responder a ameaças, portanto, realizar o teste em animais com menos de 4 meses pode não refletir bons parâmetros. Assim como o teste de propriocepção, há técnica para realização do teste de resposta ameaça, não é simplesmente direcionar a mão em direção ao rosto do animal. O recomendo é manter uma distância variando de 15 a 30cm e com os dedos abertos, de modo que esse ato não crie uma corrente de ar em direção ao rosto do animal. Se isso acontecer, você ativará um ramo do par V e tendo uma falsa resposta. III. Nervo oculomotor Comumente você vai encontrar a descrição deste par craniano (III) juntamente com o par IV e VI. Isso acontece, pois, esses três pares estão intimamente relacionados em sua função, que é movimentar os olhos. Lembra a constrição pupilar avaliada no par II? O par III também está relacionado com essa constrição, pois ele constitui a inervação parassimpática das pupilas. 34 Para avaliação desses pares, você pode induzir o movimento de cabeça do animal para ambos os lados, assim como para cima e para baixo. Desse modo, você avaliará o reflexo oculocefálico. A principal alteração observada quando há disfunção desses pares é o estrabismo. Isso acontece pois ambos participam diretamente da inervação motora somática dos músculos oculares. É possível entender melhor a interação desses nervos na imagem a seguir. Figura 6. Esquema funcional dos nervos III, IV e VI em conjunto com suas respectivas disfunções. 35 Na imagem é possível observar quais pares estão envolvidos em cada musculatura responsável pela movimentação dos olhos. No sentido horário, da cor verde para azul estão: músculo oblíquo ventral, reto ventral, reto lateral, reto dorsal, oblíquo dorsal e reto medial. É importante considerar que o animal não tenha nenhum indício de lesão cervical antes de iniciar esse teste. Nesses casos pode-se movimentar o animal como um todo, caso seja possível, levando em consideração seu porte. IV. Nervo troclear Conferir o tópico anterior (III). V. Nervo trigêmeo O par V é um grande nervo motor e sensitivo. Sua porção motora é responsável por inervar os músculos envolvidos na mastigação, como temporal e masseter. A avaliação consiste em verificar alterações nesses grandes músculos, como assimetria ou atrofia bilateral. É comum que em pacientes com essas alterações, o proprietário também pode observar dificuldade em se alimentar. A porção sensitiva do nervo trigêmeo pode ser anatomicamente dividida em três ramos. São eles: ramo oftálmico, ramo maxilar e ramo mandibular. O ramo oftálmico, que já foi citado anteriormente durante a avaliação do par II, pode ser avaliado pelo toque no canto medial do olho durante o reflexo palpebral. A função do nervo trigêmeo é a sensibilidade desse canto e o ato de piscar dependente da integridade do nervo facial. O ramo maxilar é avaliado 36 pelo toque no canto lateral do olho durante o reflexo palpebral. O estímulo no lábio superior também pode ser empregado para avaliar a função sensitiva do nervo. Já o ramo mandibular pode ser avaliado por estímulo no lábio inferior. A avaliação da sensibilidade nasal é dependente da integridade do ramo maxilar e pode ser testada com um estímulo na parte externa da narina. Uma resposta positiva ao teste é observada pelo ato do animal em recuar a cabeça. É importante avaliar as duas narinas. VI. Nervo abducente Conferir o tópico III. VII. Nervo facial O par VII é responsável, principalmente, pela função normal das glândulas salivares e lacrimais, músculos palpebrais, músculos mastigatórios e da mímica facial e a capacidade gustativa nos 2/3 rostrais da língua. A função desse par craniano é avaliada pelo teste de reflexo palpebral, onde é possível induzir o ato de piscar do animal ao tocar o canto medial e lateral do olho. Lembrando que a sensibilidade dessas regiões é mediada pelo par V, como vimos anteriormente, mas a função motora como resposta ao toque vai ser mediada pelo nervo facial. A paralisia ou paresia facial, além de promover alterações no reflexo palpebral, também pode cursar com outras alterações na face do animal. Não é incomum, pacientes com alteração de par VII, exibirem assimetria da face, evidenciada principalmente com ptose palpebral, do lábiosuperior e auricular. 37 Além disso, alteração parassimpática como diminuição da produção de lágrima também pode estar associada. Sinais de olho seco, principalmente quando unilaterais, e teste de Schirmer positivo para diminuição da porção aquosa da lágrima, podem ser fortes indícios de lesão localizada em par VII. É necessário lembrar que os pares de nervos cranianos fazem parte do SNP e não do SNC. Sendo assim, afecções neuromusculares podem sim causar alteração em nervos cranianos. A infecção por Clostridium botulinum, por exemplo, pode cursar com alteração em nervo trigêmeo e nervo facial. VIII. Nervo vestibulococlear O par VIII está envolvido na função vestibular e auditiva. Os sinais relacionados com a audição ou com a porção coclear são facilmente percebidos pelos proprietários quando seus animais de estimação deixam de ouvi-los quando chamados. Essa é uma alteração que pode ser reconhecida no momento da anamnese, e se você leu o capítulo 1 já sabe que uma boa anamnese diz muito! A porção vestibular está relacionada com o equilíbrio do animal, portanto, uma alteração nessa porção do par VIII pode resultar em head tilt, alterações de postura e nistagmo. O head tilt pode ser observado diretamente ao avaliar o animal, e o nistagmo também. Mas para evidenciar a presença do nistagmo, pode-se movimentar a cabeça do animal suavemente em diversos sentidos. O nistagmo fisiológico consiste em uma fase rápida que vai em direção ao movimento da cabeça, mas se o nistagmo patológico for observado, ou seja, aquele que foi induzido por uma movimentação e permanece, seja no sentido vertical ou horizontal, você pode suspeitar de uma lesão vestibular. Você já viu anteriormente que realizar essa movimentação de cabeça também 38 pode elucidar o estrabismo, ou seja, alteração em par III, IV e VI. O nistagmo vertical é indicativo de que a lesão está localizada em SNC, já o nistagmo horizontal pode indicar tanto uma lesão em SNC quanto SNP. Aqui é importante associar outros testes para determinar melhor a neurolocalização da lesão, como o teste proprioceptivo. IX. Nervo glossofaríngeo O par IX é responsável pela movimentação da língua, bem como do 1/3 caudal da capacidade gustativa, sensibilidade da faringe e reflexo do engasgo e deglutição. Também participa da inervação parassimpática das glândulas salivares. Na avaliação desse par é importante questionar o tutor sobre dificuldades de alimentação que o animal possa estar apresentando, como disfagia e regurgitação. X. Nervo vago O par X, muito conhecido, é o responsável pela inervação parassimpática das vísceras. Também atua no reflexo de engasgo e inervação da faringe. XI. Nervo acessório O par XI é responsável por inervar a musculatura trapézio cervical e sua disfunção pode ser observada pela atrofia dessa musculatura. 39 XII. Nervo hipoglosso O par XII também fornece inervação motora para a língua, portanto, alterações de atrofia, assimetria ou desvio de língua podem fornecer evidências de sua disfunção. Pode-se ainda pingar algo amargo na boca do animal para apreciar a movimentação da língua e a função sensitiva do nervo facial. 3) Reflexos espinhais A avaliação dos reflexos espinhais serve para verificar se há integridade da porção sensitiva e motora que compõe o arco reflexo, bem como a influência de vias motoras do NMS. De forma geral, é indicado iniciar os testes por ordem de conforto, ou seja, sempre deixe por último os testes mais desconfortáveis ou que possam parecer dolorosos para o animal. Nesse momento, mais do que nunca, você precisa da cooperação do seu paciente, portanto, seja consciente e induza sua cooperação através da ordem de realização dos testes. Vamos discorrer entre os principais testes para avaliação dos reflexos espinhais na sua ordem indicada de realização. Antes de realizá-los também é importante que você saiba diferenciar a intensidade de apresentação dos reflexos. Isso significa saber distinguir um reflexo ausente, diminuído, normal ou aumentado. Entender isso te proporciona uma correta interpretação do resultado obtido. Aqui é importante também a repetição e a casuística, pois é um detalhe aprimorado a cada atendimento, onde você desenvolve cada vez mais um olhar clínico, sabendo diferenciar até os detalhes mais sutis. 40 a. Tônus extensor. O teste do reflexo extensor pode ser realizado com o animal em decúbito ou estação. Sua execução consiste na aplicação de uma força na face palmar ou plantar, no sentido que empurre o membro em direção ao tronco. Cães sem alterações podem ter seus membros facilmente flexionados. Já quando a aplicação dessa força resulta numa resposta aumentada do tônus extensor, impossibilitando de flexionar o membro, há fortes indícios de que há uma lesão em NMS. b. Reflexo patelar. O reflexo patelar é um dos mais fáceis e um dos mais executados entre os reflexos miotáticos, sendo um ótimo teste para neurolocalizar a lesão. Neste caso, é necessário manter o paciente em decúbito lateral e poiar a coxa do animal sobre sua mão, mantenho o membro suspenso e parcialmente flexionado. Com mão oposta, você utiliza o plexímetro para aplicar um golpe suave no ligamento patelar do animal. Dessa forma, uma resposta normal vai se apresentar como uma extensão rápida e isolada do joelho. Apresentação normal, assim como aumentada podem ser interpretadas como lesão de NMS quando há suspeita. Já em situações em que a resposta é ausente ou diminuída, pode-se associar com suspeita de lesão em NMI. É importante, sempre antes de iniciar o teste, certificar-se com o proprietário sobre histórico de alterações ortopédicas no animal, principalmente as relacionadas com a patela, a fim e de evitar falsas interpretações dos resultados. Outro detalhe importante, é lembrar que animais idosos, com mais de 10 anos, podem ter comprometimento do reflexo patelar. Quando for realizar o teste em felinos ou cães de pequeno porte agitados, que impossibilitam colocar na posição de decúbito lateral, pode-se segurar os animais os apoiando sobre os braços, de modo que eles fiquem de 41 frente para o clínico. Esse teste vai avaliar principalmente a função do nervo femoral, bem como do segmento medular que emergem, nas radiografias temos lesões entre L3-L4. Existem outros reflexos miotáticos passíveis de serem avaliados, como o reflexo gastrocnêmico, reflexo tibial-cranial, reflexo tricipital e reflexo extensor radial do carpo, mas esses não são usualmente aplicados na rotina clínica como o reflexo patelar. c. Reflexo flexor. Esse teste também pode ser conhecido como reflexo de retirada. Sua função é avaliar a integridade dos segmentos medulares C6-T2 e L6-S2 para membros torácicos e pélvicos, respectivamente. É importante saber que neste momento, você avaliará, especificamente, a ação dos nervos eferentes, como musculocutâneo, axilar, mediano, ulnar e radial para membros torácicos e, nervo ciático para membros pélvicos. O teste consiste em aplicar uma força na membrana interdigital, de forma que o animal tenha como reação o reflexo de retirada do membro, flexionando em direção ao tronco. Além dessa resposta, alguns animais podem se mostrar incomodados e ter uma resposta comportamental associada. d. Reflexo perineal. O reflexo perineal é utilizado para avaliar a integridade do esfíncter anal, que é dependente da integridade dos segmentos medulares S1-S3, bem como do nervo pudendo, do qual emerge o nervo perineal e reto caudal. O teste consiste no toque no períneo com a utilização de um swab, verificando a sensibilidade de ambos os lados. Uma resposta normal vai consistir em contração imediata do esfíncter anal externo e flexão da cauda. Uma dica utilizada por alguns clínicos para facilitar a execuçãodesse teste é aferir a 42 temperatura do animal no momento da consulta, isso te fornece parâmetros sistêmicos e neurológicos do animal. As principais afecções que comprometem esse reflexo incluem trauma, síndrome da cauda equina, doença do disco intervertebral e discoespondilite. e. Reflexo cutâneo do tronco. Esse também pode ser conhecido como reflexo panículo. Esse reflexo é mediado pelo nervo torácico lateral, que se estende pela região toracolombar, mais precisamente entre T1 até L1- L4 (pode variar entre literaturas) e avalia a integridade sensorial dos dermátomos. Você pode realizar o teste pinçando a região lateral a coluna vertebral, de modo que, em situações normais, o animal apresente uma contração do músculo cutâneo do tronco como resposta. O teste deve ser realizado em ambos os lados da coluna vertebral. Uma alternativa para causar menos desconforto ao animal é iniciar o pinçamento pela região mais caudal, em nível de L4, para que, se houver uma resposta presente, não necessite de mais pinçamentos em sentido cranial. Mas por quê? Se a resposta está presente na região mais caudal, pode ter certeza de que ela também estará presente na região cranial. Agora se o animal não apresentar resposta, procure pinçar até identificar a primeira região a apresentar resposta. A partir daí, geralmente se determina que a lesão está localizada em nível de duas vértebras craniais a região de reflexo. 4) Palpação A palpação é necessária para identificar alterações morfológicas ou mesmo induzir estímulos dolorosos em algumas regiões. 43 Em região de cabeça, busque por meio da palpação, identificar a presença de massas ou defeitos ósseos. Defeitos palpáveis podem ser identificados em pacientes que apresentam possível histórico de trauma em crânio. Em neonatos e filhotes, a palpação pode revelar a presença de fontanela aberta, podendo ser um indicativo de anomalias quando os sinais clínicos são correspondentes. A palpação epaxial da coluna vertebral pode relevar luxação ou subluxação vertebral. Entretanto, o principal sinal buscado com esse teste é o de dor. Presença de dor quando aplicada uma força sobre a coluna vertebral pode ser um forte indicativo de lesão, quando são relacionadas com a suspeita clínica. Cães com mielopatia cervical tendem a apresentar uma contração da musculatura cervical quando essa região é palpada. Pacientes com doenças encefálicas que cursam com aumento de pressão intracraniana, como as meningoencefalopatias, também podem apresentar dor a palpação cervical. Uma dica é manter a mão sob o abdômen do animal ao palpar a região toracolombar, pois geralmente animais com dor nessa região exibem contração dos músculos abdominais como resposta. 5) Percepção dolorosa O teste de percepção dolorosa tem por objetivo avaliar a integridade dos tratos nociceptivos. Existem dois tipos de sensibilidade dolorosa, a superficial e a profunda. A superficial é uma sensação de dor rápida que se origina pelo estímulo na pele. A profunda é uma sensação de dor mais lenta e contínua que se origina não só na pele, mas também em estruturas mais profundas. Inicialmente, deve-se comprimir os dígitos do animal sem a utilização de instrumentos, somente com seus dedos. Nesse sentido o animal sem qualquer 44 alteração tende a apresentar uma resposta comportamental de dor. Se não houver evidências da presença de dor superficial, você deve iniciar o teste de dor profunda, que consiste em causar o mesmo estímulo, porém, desta vez com a utilização de uma pinça hemostática, pinçando os dígitos mediais e laterais. A intensidade do estímulo aumenta até que o animal apresente uma resposta de dor, retirando o membro, rotacionando a cabeça e vocalizando. Retirar o membro indica apenas um arco reflexo. Como vimos anteriormente, no capítulo 2, a medula abriga tratos e fascículos. O trato espinotalâmico, responsável pela nocicepção, se encontra em uma região mais interna, portanto seu acometimento, em outras palavras, a ausência de dor profunda, indica uma lesão medular mais grave. Esse parâmetro vinha sendo usado como fator prognóstico para determinar as chances de um animal recuperar sua capacidade deambulatória. Eu respeito a literatura e até que se prove o contrário, ela é a lei. Mas jamais deixe de acreditar no seu paciente. Acompanhando consultas, já presenciei pacientes que tinham mínimas chances de voltar a andar, e acredite, foram suficientes para que eles voltassem, assim como já observei pacientes com bons prognósticos que mesmo com sessões intensas de fisioterapia, não recuperaram essa função. Seja integro com proprietário do animal e apresente o que a literatura nos oferece, mas jamais deixe de acreditar no seu paciente. 45 Cap. 5: Aplicando o DINAMITV Desde que comecei a acompanhar as consultas de rotina na neurologia, eu sempre observei que meu mentor, ao final de cada consulta, colocava uma coluna de letras e começava a explicar para o proprietário as possíveis afecções que seu animal poderia estar apresentando e os exames que ele iria solicitar para possivelmente chegar ao diagnostico. Essa coluna de letras nada mais era que o DINAMITIV. Esse acrônimo é amplamente utilizado para criar as principais suspeitas neurológicas para o caso. Consiste basicamente em criar uma lista de afecções e as ir eliminando de acordo com as alterações observadas durante a anamnese e na execução do exame neurológico. Esse ato de colocar todas as cartas na mesa ao final da consulta sempre passou uma boa credibilidade ao meu mentor, além de definitivamente esclarecer a situação para o proprietário. Por mais leigo que ele fosse, com certeza sairia da consulta sabendo exatamente as possíveis causas do problema. Estou discutindo sobre isso, pois espero que você realmente use. Pode ter certeza de que vai te ajudar, principalmente nas primeiras consultas, pois evita que alguma afecção passe despercebida e se torna um jeito atrativo de explicar ao proprietário a situação em questão. Bom, mas o que significa o DINAMITV? Como eu falei anteriormente, é um acrônimo para diversas etiologias de afecções neurológicas comumente encontradas na rotina de neurologia clínica. A seguir você pode entender o que significa cada letra. A partir daí, você deve pensar em afecções que se encontram dentro de cada etiologia apresentada. Criar uma lista de afecções pode ser uma tarefa mais complexa, mas aconselho que você conheça as 46 principais afecções neurológicas de rotina. Na lista do capítulo 1 tem uma quantidade considerável de afecções que você deve conhecer. Use esse acrônimo a seu favor para melhorar sua lista de suspeitas. Certamente ele te fará eliminar aquelas que não são compatíveis com os achados do exame neurológico. Desse modo você ficará com as mais compatíveis e te fornecerão clareza sobre quais exames complementares devem ser solicitados para chegar ao possível diagnóstico. Como já mencionei, 47 é necessário você ter uma boa gama de afecções em mente antes mesmo de colocar em prática a execução do exame neurológico. Mas ainda assim, você já é capaz de neurolocalizar uma lesão, agora basta saber determinar que afecções causam aquele tipo de lesão. Você consegue! 48 Cap. 4: Neurodiagnóstico Neurodiagnóstico nada mais é que chegar ao diagnóstico de determinada afecção neurológica. Isso muitas vezes requer, além de todo conhecimento que você somou até aqui com a leitura dos capítulos anteriores, a necessidade de exames complementares para confirmar sua suspeita diagnóstica ou até mesmo descartá-la. Habitualmente, na rotina da neurologia clínica você vai perceber que alguns exames complementares são disparadamente considerados em situações em que há grande suspeita de afecção encefálica ou medular. Os exames de imagem estão entreeles. Este capítulo tem o propósito de discorrer sobre os principais exames complementares que são aliados do médico veterinário que atua na neurologia clínica e como eles podem contribuir nas respectivas situações em que são solicitados. Coleta e análise de líquido cefalorradiano (LCR) O LCR possui diversos sinônimos, entre eles líquido ou fluído cerebroespinhal ou simplesmente líquor. Esse líquido é produzido no encéfalo, em maior parte no plexo coróide dos ventrículos cerebrais e está em constante processos de produção e drenagem. Fica localizado no espaço subaracnóideo, entre as meninges aracnóide e pia mater, fornecendo proteção mecânica e imunológica ao tecido nervoso. Desse modo, afecções que acometem esses tecidos podem refletir alterações de cor ou conteúdo deste líquido, podendo contribuir para um diagnóstico. Esse exame não é capaz de definir um 49 diagnóstico, mas quando resultados esperados são compatíveis com suas suspeitas, há grandes chances de que você esteja no caminho certo. Mas e se os resultados forem totalmente divergentes dos esperados para minha suspeita? Continue com a sua suspeita e investigue. Como foi falado, esse exame não é capaz de definir um diagnóstico. Eu mesmo já presenciei diversos pacientes avaliados pelo meu mentor em que a clínica apontava fortemente para encefalopatias inflamatórias (afecções que comumente cursam com alteração na composição celular do LCR) e o LCR não apresentou alteração alguma. Lembre-se, a clínica é soberana. Continue a investigação. Nesses casos, muitas vezes o diagnóstico terapêutico foi um grande aliado. Mas não esqueça que o tratamento imunossupressor também pode mascarar as alterações presentes no LCR, portanto, saiba o momento certo para coletar, que provavelmente será antes de iniciar a terapia ou após um período de suspensão da droga. Alguns profissionais fazem uma analogia de que: a análise de LCR equivale para o SNC como um hemograma equivale para avaliação das condições gerais. Em outras palavras, o LCR pode ser o hemograma do SNC. Essa afirmação pode sim ser interpretada com sentido, já que muitas vezes um hemograma não fornece muitos dados relevantes para corroborar com encefalopatias. Nesse contexto, o LCR pode te fornecer dados muito mais fidedignos, mas jamais descarte a realização de exames básicos e considerados de triagem para qualquer paciente enfermo. As doenças inflamatórias, sejam elas infecciosas ou não infecciosas, constituem as principais afecções com indicação de coleta de LCR, pois essas são capazes de alterar o conteúdo de proteínas presente no LCR, bem como os tipos e concentrações celulares. Além dessas, afecções de etiologia degenerativa, traumática, metabólica e neoplásica também podem cursar com alteração do LCR. De forma resumida, quando o paciente apresentar sinais 50 sugestivos de lesão encefálica, considere a realização do exame. Mas e doenças da medula espinhal (mielopatias)? Sim, essas também podem alterar o LCR, pois esse líquido também as circunda. Vai haver casos em que pode ser estabelecida uma contra indicação da coleta de LCR. Esses casos incluem principalmente situações em que há suspeita de aumento da PIC. Pacientes que apresentam PIC elevada são predispostos ao evento de herniação cerebelar no momento da coleta. Portanto, avalie a necessidade e indicação do caso antes de solicitar um exame como esse. Esse livro não tem o propósito de ensinar a técnica de coleta do LCR, pois talvez me falte renome necessário para isso. Mas saiba que há dois pontos de punção, na cisterna magna e na região lombar. Comumente, na rotina que tive a oportunidade de acompanhar, as coletas eram que quase em sua totalidade, realizada na região da cisterna magna. Isso pois a coleta nessa região poderia fornecer dados mais relevantes que os obtidos na região lombar. Alguns livros ou cursos podem te capacitar para realização de tal técnica. Um bom meio para treinamento é com a utilização de cadáveres para fins educacionais. Em termos de análise, os principais parâmetros avaliados são a coloração, a celularidade total, a contagem diferencial dessas células e a concentração de proteínas. O LCR também pode ser submetido para análises sorológicas e moleculares na busca por doenças infecciosas em cães e gatos. Exame radiográfico A radiografia, por mais simples que possa parecer, é um excelente exame de triagem, principalmente por ser rápido e acessível. É indicada 51 principalmente quando há suspeita de alterações ósseas, como busca por fraturas ou defeitos ósseos. A radiografia da coluna vertebral pode fornecer alguns achados sugestivos de doenças do disco intervertebral, luxações, subluxações, fraturas, anomalias ósseas ou até mesmo neoplasias. Os achados podem ser mais fidedignos quando o exame é realizado com animal sob anestesia, pois isso diminui a tensão dos músculos que envolvem a coluna vertebral. Obviamente é um exame simples, em que não se pode exigir grandes achados confirmatórios. Para tal, veremos adiante que exames de imagens mais avançados são capazes de fornecer melhores respostas. Uma variante da radiografia, que pode sim ajudar no diagnóstico de lesões medulares, é o exame de mielografia, que veremos a seguir. Mielografia A mielografia já foi mais utilizada quando o acesso a outras técnicas mais avançadas de imagens eram mais restritas a grandes centros, entretanto devido a sua grande utilidade clínica, baixo custo e excelente informação sobreneurolocalização, principalmente em doença do disco intervertebral, ainda é um exame executado. Esse exame consiste em obter imagens radiográficas da coluna vertebral do paciente após administração de contraste no espaço subaracnóideo. Isso, exatamente no mesmo local onde é encontrado o LCR. Essa técnica consegue fornecer uma imagem radiográfica de melhor qualidade que a anterior, fornecendo mais informações sobre as condições do canal medular, ou seja, do espaço que abriga a medula espinhal. Pode ser útil para identificar locais que impossibilitam a passagem da substância contrastante. 52 Este procedimento apresenta vantagens e desvantagens. É relativamente rápido e fácil de ser executado, mas ainda assim, é um procedimento invasivo que tem como reação adversa mais frequente, a ocorrência de crises epilépticas, principalmente quando a administração do contraste é realizada pela cisterna magna com volume acima do adequado e ou por idiossincrasia do paciente. De forma geral, você precisa conhecer essa técnica, pois muitas vezes não terá acesso a exames mais avançados de imagem. Porém, é crucial entender como ela funciona e a quais riscos o paciente será submetido. Sempre que possível, o substitua por exames de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética. É claro que você sempre deve levar em consideração as condições financeiras do proprietário. Não esqueça que além de lidar com um paciente, você também precisa entender que muitas vezes os proprietários desses animais não estão preparados para gastos mais consideráveis, portanto, seja porta voz do conhecimento e os instrua para tomarem as melhores decisões referente a saúde dos seus respectivos pets. Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada é um exame fantástico, eu admito que sou fã e já vou lhe contar o porquê. Esse exame é capaz de obter imagens do crânio e da coluna em diversos cortes, que também podem ser interpretados como fatias do paciente, permitindo uma avaliação de diversos pontos. Outra característica é que ela também pode ser associada ao contraste, sendo chamada de mielotomografia. Não confunda com tomografia contrastada, pois essa pode ser feita com uso de contraste endovenoso, comumente realizada em exames de tomografia. Esses achados são quase que essenciais 53 para um paciente