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Fundamentos do Ensino de Geografia Teóricos e Práticos Geografia Fundamentos do Ensino de Teóricos e Práticos Paulo César Medeiros Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-0893-3 7 8 8 5 3 8 7 0 8 9 3 3 Fu nd am en tos do E ns ino de G eo gr af ia Te ór ic os e P rá tic os Código Logístico 17842 Fundamentos do Ensino de Geografia Teóricos e Práticos Paulo César Medeiros IESDE Brasil S.A. Curitiba 2010 IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. © 2008 - 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza- ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images M488f Medeiros, Paulo César. / Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de Geo- grafia. / Paulo César Medeiros. 2. ed.— Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2010. 280 p. ISBN: 978-85-387-0893-3 1. Geografia. 2. Ensino médio. 3. Educação e ensino. I. Título. CDD 372.7 Doutorando, Mestre e Graduado em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor de Geografia na rede pública e Metodologia do Ensino da Geografia na rede privada de educação superior. Paulo César Medeiros Sumário A ciência da Terra ...................................................................... 13 Por que ensinar a Geografia? ................................................................................................ 13 O encolhimento do planeta Terra ........................................................................................ 15 A crise socioambiental e as Ciên cias Humanas .............................................................. 18 A Geografia no século XXI ...................................................................................................... 20 A sistematização do saber geográfico .............................. 31 A evolução da Geografia......................................................................................................... 31 As escolas de Geografia .......................................................................................................... 33 Os princípios fundamentais da ciência geográfica ....................................................... 36 Grandes conceitos da Geografia .......................................................................................... 36 Ser humano: o construtor do espaço ................................ 51 O nascer da humanidade ....................................................................................................... 51 O trabalho humano .................................................................................................................. 53 As técnicas de produção ......................................................................................................... 56 O espaço humanizado ............................................................................................................. 57 O espaço vivido e o espaço percebido ............................. 67 O indivíduo e as instituições sociais ................................................................................... 67 A percepção do espaço ........................................................................................................... 69 A cognição do espaço.............................................................................................................. 70 O lugar e o poder da identidade.......................................................................................... 71 O espaço representado .......................................................... 83 O que é uma representação? ................................................................................................ 83 A produção/representação do espaço .............................................................................. 84 As representações e o contexto social............................................................................... 86 A Geografia das representações .......................................................................................... 87 O ensino de Geografia e os Parâmetros Curriculares .. 99 A Geografia e a Educação Infantil ........................................................................................ 99 A Geografia no primeiro ciclo .............................................................................................102 A Geografia no segundo ciclo.............................................................................................103 Construindo um sistema avaliativo ..................................................................................105 O ensino de Geografia e os Temas Transversais ..........121 A ética e a pluralidade cultural ...........................................................................................121 A saúde e o meio ambiente .................................................................................................122 Geografia e educação sexual ..............................................................................................123 Geografia, trabalho e consumo ..........................................................................................124 O eu e o outro ..........................................................................137 Justificativa ................................................................................................................................137 Objetivos ....................................................................................................................................138 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................138 Fontes de pesquisa .................................................................................................................140 Avaliação ....................................................................................................................................140 Explorando o espaço da escola .........................................151 Justificativa ................................................................................................................................151 Objetivos ....................................................................................................................................152 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................152 Fontes de pesquisa .................................................................................................................154 Avaliação ....................................................................................................................................155 Conhecendo os lugares .......................................................165 Justificativa ................................................................................................................................165 Objetivos ....................................................................................................................................166 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................166 Fontes de pesquisa .................................................................................................................169 Avaliação ....................................................................................................................................169 O trabalho e a organização do espaço ...........................179 Justificativa ................................................................................................................................179 Objetivos ....................................................................................................................................180Procedimentos metodológicos ..........................................................................................180 Fontes de pesquisa .................................................................................................................183 Avaliação ....................................................................................................................................183 A natureza e suas dinâmicas ..............................................193 Justificativa ................................................................................................................................193 Objetivos ....................................................................................................................................194 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................194 Fontes de pesquisa .................................................................................................................197 Avaliação ....................................................................................................................................197 O campo e a cidade ...............................................................209 Justificativa ................................................................................................................................209 Objetivos ....................................................................................................................................210 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................210 Fontes de pesquisa .................................................................................................................213 Avaliação ....................................................................................................................................214 Atividades produtivas ...........................................................227 Justificativa ................................................................................................................................227 Objetivos ....................................................................................................................................228 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................228 Fontes de pesquisa .................................................................................................................231 Avaliação ....................................................................................................................................231 A cultura e os grupos sociais ..............................................241 Justificativa ................................................................................................................................241 Objetivos ....................................................................................................................................242 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................242 Fontes de pesquisa .................................................................................................................245 Avaliação ....................................................................................................................................245 O espaço geográfico brasileiro ..........................................253 Justificativa ................................................................................................................................253 Objetivos ....................................................................................................................................254 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................254 Fontes de pesquisa .................................................................................................................257 Avaliação ....................................................................................................................................257 O espaço geográfico mundial ............................................265 Justificativa ................................................................................................................................265 Objetivos ....................................................................................................................................266 Procedimentos metodológicos ..........................................................................................266 Fontes de pesquisa .................................................................................................................269 Avaliação ....................................................................................................................................269 Anotações .................................................................................279 Apresentação O ensino da Geografia na educação básica possibilita reflexões e ações siste- matizadas dos educandos sobre o espaço vivido, desse modo, o saber geográfi- co contribui para o desenvolvimento da identidade e da autonomia da criança diante da sociedade e do seu ambiente. Para a realização dessa aprendizagem o professor tem como possibilidades, além da fundamentação teórica, as práticas e procedimentos didático-pedagógicos, associadas aos conteúdos curriculares dos anos respectivos a que se destinam. O convívio com a família, os grupos de amigos, a religião, os esportes, o lazer e, principalmente, com a comunidade escolar, são fundamentais para a forma- ção de valores de solidariedade e para o fortalecimento da identidade espacial. É a partir dos laços afetivos que as crianças têm com outras crianças e com os adultos, que se inicia o processo de investigação do mundo. O reconhecimento das semelhanças e diferenças entre as pessoas contribui para o esclarecimento e enriquecimento de si própria. A escola e seu entorno representam as primeiras referências socioespaciais, os elementos culturais e naturais que permitirão o desenvolvimento do trabalho educativo, o descobrimento dos lugares e a prática com as referências espaciais. É fundamental que o educador tenha uma participação ativa na construção do saber e, principalmente, que ele garanta ampla participação dos educandos nesse processo, tendo como premissa básica a formulação de uma visão crítica do trabalho na escola e fora dela. O presente estudo busca uma abordagem plural da Geografia, consideran- do as principais abordagens do pensamento contemporâneo, os grandes con- ceitos, métodos e técnicas aplicados ao ensino básico. A valorização do espaço vivido, percebido e representado pela criança permite ao educador estimular o sentimento de identidade e reforça os laços sociais e ambientais, tanto quanto garante a aprendizagem espacial. Bons estudos! Paulo César Medeiros Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos séculos. Sabemos, ou pelo menos é razoá vel supor, que ele não pode prosseguir ad infinitum. O futuro não pode ser uma continuação do passado, e há sinais, tanto externamente quanto internamente, de que chegamos a um ponto de crise histórica. As forças geradas pela economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para destruir o meio ambiente, ou seja, as fundações materiais da vida humana. As próprias estruturas das sociedades humanas, incluindo mesmo algumas das funda- ções sociais da economia capitalista, estão na iminência de ser destruídas pela erosão do que herdamos do passado humano. Nosso mundo corre o risco[...] Se tentarmosconstruir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão. (HOBSBAWN, 1995, p. 562) Por que ensinar a Geografia? As diferentes nações mundiais vivem momentos de angústia e medo, as notícias que circulam nos meios de comunicação apresentam um cenário de catástrofes e terror. O início do século XXI vê suas primeiras marcas históricas registradas nas sucessões de atentados terroristas inter- nacionais. As tecnologias usadas, que atualmente permitem monitorar o mundo em tempo real, ofereceram aos telespectadores de todo o mundo as cenas instantâneas. O tempo e o espaço são continuamente desafiados pela maximização das redes eletrônicas. Simultaneamente, a humanidade defronta-se com limitações para sa- tisfação das necessidades básicas de existência e a divisão internacional do trabalho e dos recursos naturais distanciou milhões de pessoas da possibi- lidade concreta da emancipação humana. Nesse sentido, observa-se um amplo esforço das Ciências Naturais e Humanas, principalmente no final do século XX, em buscar respostas e em estimular ações concretas que permi- tam aos indivíduos libertar-se da alienação socioespacial, superando-a. A ciência da Terra Vídeo 14 A ciência da Terra Paulo Freire nos ensinou que o ser humano só tem as possibilidades de par- ticipar ativamente na história, na sociedade e na transformação da realidade se for auxiliado a tomar consciência da realidade e de sua própria capacidade para transformá-la. O indivíduo não pode lutar contras as forças que não compreende, a não ser que descubra que ele pode. Essa conscientização coloca o primeiro ob- jetivo da educação que é “antes de tudo provocar uma atitude crítica, de reflexão, que comprometa a ação”. O conhecimento empírico do espaço é o primeiro estágio de desenvolvimen- to humano, servindo como fornecedor das primeiras referências espaciais para o conhecimento do ambiente vivido, o qual terá de desvendar durante toda a sua vida. Basta lembrar como o trajeto que fazemos de nosso trabalho até nossa casa está armazenado em nossa memória. Assim também estavam nos primeiros hu- manos, que memorizavam seu ambiente e retornavam às cavernas após horas de caça em campo aberto ou nos bosques, em longas distâncias. No entanto, o ser humano levou milhares de anos para sistematizar suas re- flexões sobre as informações espaciais, criar os primeiros sistemas matemáticos para referenciar o espaço terrestre e organizar uma descrição da superfície pla- netária. Há pouco mais de cem anos, nas universidades europeias, constitui-se a cadeira de Geografia, e de lá para cá essa disciplina é ensinada e promovida nas sociedades contemporâneas. Ao iniciarmos o estudo da Geografia temos de ter a clareza de estarmos tra- tando de assuntos pertinentes ao ser humano e que este é sujeito ou objeto da construção do espaço, dependendo de seu grau de consciência. Assim, quando apresentamos a importância do estudo da Geografia para as crianças, estamos depositando esforços na construção de um espaço geográfico mais humano, crí- tico e solidário. A ciência da Terra 15 O encolhimento do planeta Terra Antes mundo era pequeno Porque Terra era grande Hoje mundo é muito grande porque Terra é pequena Do tamanho da antena Parabolicamará Ê, volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará Antes longe era distante Perto só quando dava Quando muito ali defronte E o horizonte acabava Hoje lá trás dos montes Den’de casa, camará Ê, volta do mundo, camará Ê, ê ,mundo dá volta, camará De jangada leva uma eternidade De saveiro leva uma encarnação Pela onda luminosa Leva o tempo de um raio Tempo que levava Rosa Pra arrumar o balaio Quando sentia que o balaio ia escorregar, Ô volta do mundo, camará Ê, ê mundo dá volta, camará [...] GIL, Gilberto. Unplugged [CD]. Warner Music Brasil, 1994, faixa 10. Parabolicamará Gilberto Gil Antes do processo de mundialização das relações capitalistas de produção, a humanidade estava dividida em diferentes mundos, cada qual correspondendo ao espaço geográfico construído por seus ancestrais. Povos europeus, asiáticos, árabes, tupis, incas, astecas, africanos e tantos outros. 16 A ciência da Terra Com o início das atividades mercantilistas do século XV, por meio de grandes rotas marítimas, inicia-se um novo processo de conhecimentos sobre a superfí- cie do planeta. Vejamos a figura a seguir que sugere o encolhimento do mapa do mundo de acor do com as capacidades técnicas de deslocamento humano na superfície terrestre. 1500-1840 1850-1930 Anos 1950 Anos 1960 A melhor média de velocidade das carruagens e dos barcos a vela era de 16km/h. As locomotivas a vapor alcançavam em média 100km/h; os barcos a vapor, 57km/h. Aviões a propulsão: 480-640km/h. Jatos de passageiros: 800-1 100km/h. O ENCOLHIMENTO DO MAPA-MÚNDI (M O RE IR A ; S EN E, 2 00 0, p . 1 1) A ciência da Terra 17 Após um longo processo de mundialização das relações capitalistas, percebe- mos que o conhecimento do planeta atingiu níveis de precisão elevados. Basta compararmos as imagens apresentadas por car tó gra fos ao longo dos tempos pa ra confirmar como o conhecimento da superfície planetária evoluiu. D om ín io P úb lic o. MOREIRA; SENE, 2000, p. 11. Mapa reproduzido em 1456 com base no original do século XII, feito pelo cartógrafo árabe Al-Idrissi. Era comum os árabes construírem seus mapas invertidos em relação ao que estamos acostumados hoje, colocando o sul na parte de cima. D om ín io P úb lic o. MOREIRA; SENE, 2000, p. 11. Mapa elaborado em 1508, por Francesco Rosseli, um car- tógrafo florentino. Esse foi o primeiro mapamúndi da história da cartografia, ou seja, o primeiro a mostrar o planeta inteiro. 18 A ciência da Terra A crise socioambiental e as Ciên cias Humanas Nos anos 1980, o relatório Nosso Futuro Comum demonstra que o modelo de desenvolvimento capitalista, empreendido em profundidade no final do século XX, teve como principais consequências a morte de milhões de humanos, pela fome, por acidentes químicos e nucleares. Cerca de 60 milhões de pessoas, sendo a maioria crianças, mortas por doenças relacionadas à água contaminada e pela desnutrição. Diante da crise ambiental, anun- ciada oficialmente pelas últimas grandes conferências de meio am- biente e desenvolvimento e pelos documentos que delas derivaram, surge a necessidade de se educar os cidadãos para a racionalida- de do uso dos recursos naturais. A educação apresenta-se como a principal alternativa e difunde-se como um novo modelo de abordagem pe- dagógica para a formação social. Dentre os primeiros trabalhos voltados às relações socioambientais huma- nas, merecem ser citados autores como Thomas Huxley, que em 1863 escreveu sobre as interdependências entre os seres humanos e os demais seres vivos em seu ensaio Evidências sobre o Lugar do Homem na Natureza. George P. Marsh em sua obra, O Homem e a Natureza, analisou as causas do declínio de civilizações antigas a partir da ação humana; Aldo Leopoldo publicou em 1949, A Sand Coun- try Almanac, em que discutiu uma ética de usos dos recursos da Terra. Em 1962, Rachel Carson em seu livro Primavera Silenciosa, apresenta um estudo sobre a perda da qualidade de vida produzida pelo uso indiscriminado e excessivo dos produtos químicos e os efeitos dessa utilização sobre os recursos ambientais. A formação do Clube de Roma1, em 1968, inicia um movimento para discutir a crise planetária e publica em 1972, The Limits of Growth, denunciando que “o crescente consumo mundial levaria a humanidade a um limite de crescimento 1 Em 1968, foi rea li zada em Roma uma reunião de cien tistas dos países desenvolvidos para dis cutir o consumo e as re servas de recursos natu rais não reno váveis, o cres cimento da população mundial até meados do século XXI. Dessa reunião foi publicado o livroLi mi tes do Crescimento (São Paulo: Perspectiva, 1978), que foi durante muitos anos uma refe rência internacional às políticas e projetos. Os intelectuais latino-ame ricanos, no entanto, liam nas entrelinhas do docu mento a indicação de que, para se conservar o padrão de consumo dos países industrializados, era necessário controlar o crescimento da população dos países pobres. (REIGOTA, 1994) Ju pi te r I m ag es /D PI Im ag es . Imagem do planeta Terra feita pelo satélite GOES em novembro de 1992. A ciência da Terra 19 e possivelmente a um colapso”. Nesse mesmo ano, a realização da Conferência da ONU sobre o ambiente humano, realizada em Estocolmo – Suécia, marca um novo momento da questão socioambiental. Na Declaração sobre o Am- biente Humano2, foi estabelecido o Plano de Ação Mundial, com o objetivo de “inspirar e orientar a humanidade para a preservação e melhoria do ambiente humano”. Em 1975, a Carta de Belgrado3 indicava a necessidade de uma nova ética global, com a finalidade de estabelecer meios para a erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluição, da exploração e dominação humanas, apontando e censurando as nações que se desenvolvem sob a exploração de outras. Em 1977, realizou-se em Tiblisi – Geórgia (ex-URSS) – a Primeira Conferên- cia Intergovernamental sobre Educação Ambiental, promovida pela UNESCO, em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Essa conferência constituiu-se no início da estruturação de um Pro- grama Internacional de Educação Ambiental; apontou para que os Estados membros incluam em suas políticas de educação medidas que visem a incor- poração de conteúdos, de diretrizes e atividades ambientais a seus sistemas; convidou as autoridades de educação a intensificar seus trabalhos de reflexão, pesquisas e inovação a respeito da Educação Ambiental; solicitou o intercâm- bio de informações e experiências e solicitou à comunidade internacional que ajude a fortalecer essa colaboração, em uma esfera de atividades que simbo- lize a necessária solidariedade de todos os povos e que possa ser considerada como particularmente alentadora para promover a compreensão internacio- nal e a causa da paz. Em nível internacional, dois eventos marcam o final dos anos 1990. A publi- cação do relatório chamado Nosso Futuro Comum (abril 1987), elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU e o Con- gresso Internacional sobre Educação e Formação Ambientais (agosto 1987), re- alizado em Moscou. A conferência realizada no Rio de Janeiro em 1992 foi, sem dúvida, um marco no final do século XX. Mais de 170 países estiveram debatendo temas de impor- tância mundial. Esse trabalho resultou na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, nas Convenções da Biodiversidade, da Mudança do Clima, o Protocolo de Florestas, o Direito Internacional e o Desenvolvimento Sustentável. 2 O grande tema em discussão na Conferência foi a poluição ocasionada, principalmente, pelas indústrias. O Brasil e a Índia, que vi viam na época “milagres econômicos”, defenderam a ideia de que “a poluição é o preço que se paga pelo progresso”. (REIGOTA, 1994) 3 Em Belgrado, na então Iugoslávia, em 1975, foi realizada a reunião de especialistas em Educação, Biologia, Geo grafia e História, entre outros, definindo-se os objetivos da educação am bien tal, publicados no que se convencionou chamar de “Carta de Belgrado”. (REIGOTA, 1994) 20 A ciência da Terra A Geografia no século XXI As democracias do século XXI serão cada vez mais confrontadas com o gi- gantesco problema decorrente do desenvolvimento em que ciência, técnica e burocracia estão intimamente associadas. Essa enorme máquina que domina a informação internacional não produz apenas conhecimento e elucidação, mas produz também ignorância e cegueira. Os avanços disciplinares das ciências não trouxeram apenas as vantagens da divisão do trabalho, trouxeram também os inconvenientes da hiperespacia- lização ou globalização. Com o parcelamento do saber, cada vez mais domina- do pelos técnicos especialistas, o saber universal fica cada vez mais distante da ampla maio ria da população. O espaço social apresenta-se como uma organização que se adapta e evolui sem cessar seus efeitos, esse espaço socialmente construído constitui-se numa unidade, um território onde a organização e o funcionamento decorrem das re- lações socioespaciais que o animam. Podemos pensar, então, em um sistema espacial como o produto de decisões dos atores. Nesse sentido, a Geografia deve preocupar-se com a análise de algu- mas questões, tais como: � Os processos da construção do espaço e da organização espacial como resultado dos diferentes grupos de indivíduos que compõem cada socie- dade. � As transformações no espaço sofrem uma construção contínua de cada sociedade que o habita. � O ser humano como indivíduo ou sociedade de seres humanos atuam como atores do espaço. � As decisões são tomadas mediante a racionalidade econômica dentro de todas as sociedades, assim o espaço percebido é julgado, valorizado, inte- riorizado e reformulado em cada momento histórico. Pensar em ensinar Geografia para as gerações do futuro significa refletir sobre as múltiplas dimensões dos indivíduos: antropológicas, biológicas, psico- lógicas, sociológicas, históricas e geográficas. O espaço geográfico é o reflexo de sua sociedade e nele encontramos as marcas das diversas humanidades. O educador-cidadão é um ator primordial na construção dos saberes que alimen- A ciência da Terra 21 O papel e o valor do ensino da Geografia (MONBEIG, 1957) [...] Em todas as séries escolares, mas, sobretudo nas primeiras, o professor de Geografia deve procurar desenvolver nos alunos o espírito de observação e de precisão. O resultado é facilmente obtido acostumando-se a criança a examinar e explicar com atenção um mapa, por mais simples que seja uma figura, uma projeção fotográfica. O aluno deve ser exercitado progressivamente na localiza- ção precisa e na descrição do documento que lhe é apresentado. Não seria con- veniente que esse documento fosse muito científico e complicado. O professor deve, ao contrário, limitar-se ao menos no começo, a oferecer somente mapas e figuras muito simples, pedindo aos alunos que descrevam primeiro os principais elementos. Somente depois disso poderá passar às minúcias e finalmente será possível tentar fazer os alunos descobrirem e exporem as relações existentes entre os diferentes fatos anteriormente conhecidos, descritos e identificados. A tarefa é modesta; alguns a julgarão mesmo excessivamente modesta; e a tacharão de pueril. Isso porque se esquecem de sua própria infância e não sabem que um aluno das primeiras séries ginasiais possui ainda uma extraor- dinária juventude intelectual e suas faculdades de raciocínio são ainda extre- mamente limitadas. Nesse grau de ensino, o papel do professor de geografia assemelha-se ao do professor de línguas, que ainda não pretende de seus alunos comentários literários, mas pede-lhes sobretudo exercícios de redação elementares, descrições, narrativas. Ora, o menino dotado mais de imaginação do que de raciocínio, presta atenção às coisas pequenas, aos pormenores secundários, negligenciando as grandes linhas e raramente sendo capaz de abranger o conjunto à primeira vista. É portanto nesse sentido que se deve dirigi-lo, levando-o progressivamente a adquirir uma visão de conjunto com- pletada pela precisão da descrição. tarão os discursos e quem sabe as ações das novas gerações. Para tal, é funda- mental que construa uma base teórica ampla que permita dialogar com muitas disciplinas específicas e estabeleça um vínculo com o espaço vivido pelos atores do processo educacional. Texto complementar 22 A ciência da Terra Uma boa carta mural, uma fotografia escolhida com inteligência e projeta- da para a classe, ou, na sua falta, as ilustrações dos bons manuais de Geogra- fia,prestam-se facilmente a esse gênero de exercícios. Não é necessário dizer que esse treinamento não deve ser reservado exclusivamente aos alunos mais novos. Convém adotá-lo até nas últimas classes colegiais, atual Ensino Médio. Para evitar a monotonia e, aproveitando o crescente amadurecimento intelectual dos alunos, os professores apresentarão documentos mais com- plexos e procurarão obter observações cada vez mais agudas. Conhece-se o bom professor pela sua arte em graduar as dificuldades e em saber adaptar o ensino à idade mental e à qualidade de seus alunos. Não só a faculdade de observação aproveita o ensino da Geografia, mas também ao espírito crítico, pois o jovem interrogado sobre uma carta ou uma fotografia é obrigado a escolher entre o essencial e o secundário. Aprende assim a raciocinar com método e a exercitar-se na escolha dos dados apresentados à sua observa- ção. Ao mesmo tempo sua mente habitua-se a reconhecer as relações entre os fatos. Relações muito simples no começo; por exemplo, entre um certo clima e certa produção vegetal; depois, relações mais complexas que não são exclusivamente de causa e efeito, mas que ensinam que nem tudo é um jogo de ações recíprocas. Chega-se assim, muito devagar, e sempre com a grande preocupação de não ter excessiva ambição nem de fazer ciência, a apresen- tar a compreensão dos alunos [a] complexos geográficos que eles só podem compreender por meio de um trabalho de raciocínio crítico. Em tudo isso o professor fugirá como da peste do uso de termos eruditos e excessivamente técnicos; não convém que fale de “complexo geográfico”, a menos que sinta sua classe em condições de perceber o valor filosófico do conceito. O professor de Geografia no curso secundário tem obrigação de ser muito prudente e de não pretender pensar em preparar pequenos geógrafos. Sua posição é a mesma de todos os professores de ginásio, cuja missão não é recrutar especialistas desta ou daquela matéria, mas colaborar com todos os seus colegas na formação de mentes capazes de pensar e de criticar. Finalmente, o ensino da Geografia desenvolve o senso do tempo e ajuda a compreender a noção da evolução. Relevo, solos, gêneros de vida, modos de ocupação do solo, correntes de comércio, potência das nações, tudo evolui, e cada capítulo de um curso de Geografia consigna essa constante transfor- mação, indicando-lhe simultaneamente os fatores e as consequências. Esse aspecto da Geografia, portanto, ressalta que o ensino bem feito dá aos jovens A ciência da Terra 23 o senso da realidade e ao mesmo tempo o da evolução. Pode ajudá-los a se compenetrarem de sua posição exata na curva do tempo; de herdeiros do passado e germes do futuro. Resultado esse obtido não por meio de frases e discursos que os jovens não escutariam ou de que pouco se lembrariam, mas por fatos exatos cuja lição aparece automaticamente. Tanto mais que os alunos estão numa idade em que fazem questão de ser modernos e realistas. Senso de realidade, sentimento de evolução, compreensão da complexi- dade das relações não são apenas aquisições da inteligência, mas poderosos auxiliares que positivam as qualidades morais. Outro aspecto favorável do ensino geográfico moderno deve agora prender nossa atenção: seu valor no ensino cívico e moral. Jovens alunos ou alunas de colégio estão em vésperas de se tornarem cidadãos, eleitores num grande país moderno. Ao se depa- rarem com os problemas do país, esses jovens cidadãos devem ter, quando não uma opinião definitiva, ao menos uma ideia de sua importância. Não se concebe que o ensino, a que compete preparar os homens, não seja igual- mente uma escola de cidadãos. Outros professores, além dos de Geografia, contribuirão para formá-los. Será prova de imperialismo geográfico pergun- tar-se se não cabe ao geógrafo a parte essencial desse preparo cívico? Um jovem brasileiro aprenderá na aula de Geografia o que é o problema das secas ou a questão do esgotamento dos solos, pois o ensino da Geografia Física e o da Geografia do Brasil darão ao professor a oportunidade de discuti- los. As aulas de Geografia Humana serão outras tantas ocasiões para facilitar o conhecimento dos problemas de imigração, de colonização, de dispersão ou de agrupamento de populações. Serão conhecidos na aula de Geografia todos os tipos humanos do Brasil, não como temas literários, mas como seres vivos em meios naturais definidos, representando papéis definidos na vida social do país, exercendo atividades econômicas diversas na economia nacional. A eficácia da Geografia Econômica não será menor. Certamente não se trata dessa caricatura de geografia econômica que consistia em enumerar os países e seus produtos, classificando-os por ordem de grandeza, como o locutor que proclamasse os resultados duma corrida de cavalos. Referi- mo-nos a uma geografia econômica explicativa que, estreitamente ligada à realidade, indique problemas e tendências. Não havendo tal ensino, e não sendo dado por professor adequadamente preparado, então onde, quando e como o jovem cidadão apreenderá o que é o problema de industrialização do Brasil, em que consiste seu comércio exterior, do qual depende tão de 24 A ciência da Terra perto seu nível de vida? Onde, quando e como conhecerá algo a respeito da economia de outros países, das rivalidades econômicas, dos aspectos do mundo que condicionam a vida de cada nação? Convém que o ensino acompanhe as transformações do globo. Outrora talvez à Geografia não coubesse ação tão relevante na formação do futuro cidadão, pois os problemas políticos possuíam então a importância que atu- almente adquiriram as questões econômicas. Os cidadãos dos vários países não se manifestavam, como em nossos dias, por meio do voto, cujas conse- quências podiam influir na evolução das economias de modo tão decisivo. Para um mundo moderno convém um ensino moderno e a Geografia é uma interrogação permanente do mundo. A evolução do ensino da Geografia, nesse sentido, é facilitada pelos contatos de todo o gênero que tem a moci- dade com os problemas de nossos dias. A conversação em família, o rádio, a televisão, os jornais, as atualidades cinematográficas mergulham os jovens, e as vezes até as crianças, nesse banho cotidiano de inquietação, pelo menos no que se refere aos debates econômicos. Não é difícil ao professor aprovei- tar-se disso para animar o seu ensino. Os alunos encontrarão aí uma prova de que a vida não para na porta da classe, que deixará de ser um meio arti- ficial. A ânsia de viver dos jovens ajusta-se mal ao divórcio entre a rua e sua agitação e a escola que se esclerosa. Eles adquirem uma espécie de desprezo protetor pelos mestres que vivem fora do tempo e seu realismo os afasta do esforço intelectual que podem, de pleno direito, confundir com meros jogos de espírito. Acrescentemos que é desejável que o ensino venha esclarecer e ordenar a confusão que as informações diretas criam nos cérebros jovens. A Geografia encontra no ensino cívico sua função de representar o mundo de que é detentora, na qualidade de trabalho intelectual. Daí o seu valor moral, pois, contribuindo para a compreensão do mundo, revela tudo o que une os homens: é uma lição de solidariedade humana. Nem só os dife- rentes aspectos da economia brasileira devem ser ensinados, mas também, ao jovem gaúcho, como vive, como luta seu irmão sertanejo nordestino; o jovem carioca ou paulista deve ser levado para fora da atmosfera urbana a fim de conhecer e sentir a vida de seus patrícios, colonos de fazendas ou pescadores amazonenses. Uma aula sobre o algodão nos Estados Unidos ou sobre a Índia moderna, uma exposição sobre o equipamento industrial europeu, ensinam mais a respeito da unidade do mundo de que todas as homílias tradicionais. A ciência da Terra 25 Dica de estudo O site da TVE Brasil <www.tvebrasil.com.br> apresenta textos e temas de apoio para o ensino da Geografia e da História, produzidos pelo programa Salto para o Futuro. Está disponíveldesde 2001 e acessível aos educadores como com- plementação de seus estudos sobre metodologias e práticas pedagógicas. Atividades 1. A partir da leitura da música “Parabolicamará”, que está na aula, elabore uma análise relacionando-a com a tecnologia contemporânea e suas implicações sobre o conhecimento do planeta Terra. 26 A ciência da Terra 2. Leia “O papel e o valor do ensino da Geografia” e elabore um texto sobre as opiniões deste autor sobre o ensino da Geografia nos anos iniciais. 3. Leia o texto a seguir, reflita e elabore uma conclusão sobre Geografia e seu papel na formação escolar. Pensar em ensinar Geografia para as gerações do futuro significa refle- tir sobre as múltiplas dimensões dos indivíduos: antropológicas, biológicas, psicológicas, sociológicas, históricas e geográficas. O espaço geográfico é o reflexo de sua sociedade e nele encontramos as marcas das diversas humani- dades. O educador cidadão é um ator primordial na construção dos saberes que alimentarão os discursos e quem sabe as ações das novas gerações. (MEDEIROS, 2001) A ciência da Terra 27 Referências AGENDA 21. 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Orientar os alunos no exame e explicação, da localização precisa e descrição dos mapas, descobrir e expor as relações existentes entre os diferentes fatos anterior- mente conhecidos, descritos e identificados. 3. A resposta deve ressaltar o papel do ensino da Geografia na formação do cidadão crítico, capaz de perceber múltiplas dimensões de seu espaço geo- gráfico e aprimorar sua reflexão e ação diante da realidade em que vive. A evolução da Geografia Até o final do século XVIII, o conhecimento geográfico encontrava-se disperso. A diversidade de matérias com essa designação não permitia es- tabelecer um conteúdo unitário. Até então, o termo Geografia podia estar associado aos relatos de viagens; aos compêndios de curiosidades sobre lugares exóticos; relatórios estatísticos, ao conhecimento de fenômenos naturais e outros conhecimentos sobre porções da superfície terrestre. O rótulo Geografia é bastante antigo, sua origem remonta à Antigui- dade Clássica, especificamente ao pensamento grego do século V – II a.C. Dessa forma, é possível considerar que o conhecimento sobre os fenôme- nos geográficos e a busca pela compreensão das relações do homem com seu meio estiveram associados ao desenvolvimento do pensamento da humanidade. No entanto, é importante observar que a sistematização do conhecimento geográfico é um fato que se consolidou efetivamente no início do século XIX. As condições materiais para a sistematização do conhecimento geo- gráfico surgem no processo da industrialização. No momento em que houve a necessidade de que os indivíduos apresentassem determinadas capacidades para o processo produtivo foram lançadas as bases dessas condições, portanto, “são forjadas no processo de avanço e domínio das relações capitalistas” (MORAES, 1997). A Geografia, nesse momento, apresentou-se como uma ciência parti- cular e autônoma e, com essas identidades, ganhou espaço na academia. Essa posição garantiu o desenvolvimento científico que, assim como as demais ciências, tornou-se um dos instrumentos para implementação dos interesses da burguesia na organização e controle dos Estados. Nesse cenário de transformação de uma produção feudal para um modelo capitalista, emergindo uma nova dinâmica na relação do homem com os elementos da natureza, a industria lização marcou um novo mo- mento de organização socioespacial e estabeleceu as condições para o A sistematização do saber geográfico Vídeo 32 A sistematização do saber geográfico surgimento dos sistemas de ensino que passaram a aplicar as ciências na forma- ção dos indivíduos. A introdução da Geografia como disciplina integrante dos currículos escola- res e universitários foi realizada inicialmente pela Alemanha. Humboldt e Ritter foram protagonistas desse processo e constituí ram a base inicial do pensamento geográfico nas escolas alemãs. Esse pensamento tinha como objetivo contribuir com a formação do Estado Nacional Alemão. Se antes a Geografia era destinada aos estados-maiores militares ou aos interesses financeiros, desde o final do século XIX, e inicialmente por razõespatrióticas, faz-se necessário ensinar noções de Geografia aos futuros cidadãos. Essa Geografia, tornando-se um saber universitário, não possui mais uma função estratégica. Seu papel é ideológico e, por essa razão, se converte num discurso sem conotações políticas expressas. A visão, naquele momento, foi a de que à Geografia não caberia discutir os problemas do Estado, afirmando que este não é objeto do conhecimento geográfico. Assim, oculta-se o alcance político do saber geográfico. A visão naturalista e mecanicista da realidade passou a determinar a organização dos conteúdos da Geografia. (PEREIRA, 1989, p. 38) Alguns dados são apresentados por Pereira (1989) e demonstram que em 1860, todas as crianças entre os 6 e os 15 anos na Prússia eram obrigadas a fre- quentar a escola. Na Prússia, em 1870, o percentual de analfabetos com mais de 10 anos era de 10% entre homens e 15% entre mulheres, chegando a atingir índices inferiores a 5% em algumas regiões. A necessidade de professores para as escolas exigiu do Estado a formação desses profissionais. A universidade assumiu então essa tarefa, provocando a di- versificação das publicações de cunho geográfico e a expansão universitária. A partir de 1871, as Cátedras da Geografia estendem-se a todas as universidades da Alemanha e ganham o reconhecimento dos países inimigos. Em 1870, quando a Alemanha derrota a França, a vitória é atribuída por muitos ao ensino ministrado nas escolas alemãs que é de qualidade muito supe- rior ao que recebem os franceses. Torna-se voz corrente que a guerra havia sido ganha pelo mestre-escola alemão. A França, derrotada, lança-se num processo de reformulação do sistema de ensino. Entre as leis que foram promulgadas em 1870 estava a obrigatoriedade do ensino gratuito e laico. Essas reformas defen- diam uma maior autonomia das universidades, criavam novas disciplinas e aumentavam o número de vagas para os professores universitários. O modelo de ensino alemão serviu para os franceses disseminarem por meio das escolas as ideias positivistas. Ideias essas que tiveram como seu maior representante, Paul Vidal de La Blache. A sistematização do saber geográfico 33 A escola geográfica francesa nasce, portanto, como instrumento capaz de auxiliar na recuperação da imagem de grande potência que a França perdera ao sair derrotada da guerra com a Alemanha. A Geografia francesa, que até então mantivera-se apenas como uma disciplina auxiliar do ensino da História, fortemente marcada ainda pelo caráter informativo e descritivo, será alcançada ao nível de ciência através das formulações de Paul Vidal de La Blache. (PEREIRA, 1989, p. 46) O discurso geográfico, na sua forma escolar, passa a funcionar, então, como instrumento de mistificação. Os conhecimentos aplicados na educação francesa buscaram impedir o desenvolvimento de uma reflexão política acerca do espaço e ocultar a estratégia praticada no nível do espaço como meio para a manuten- ção do poder. A escola, em sua fase inicial de implementação, teve sua orientação voltada à construção de Estados Nacionais e o fortalecimento das classes dominantes. Tal ponto de vista abre a perspectiva da compreensão da escola e do ensino de Geografia no contexto da expansão do capitalismo. Observa-se, também, que a Geografia coloca-se como protagonista das transformações concretas vividas nesse momento e também consolida uma visão de educação geográfica que será criticada por várias correntes que se formarão no século XX. As escolas de Geografia A Geografia passou por diversos momentos na construção de sua base teóri- ca. É possível dividir a história do pensamento geográfico em dois momentos; o primeiro, que vai da origem da Geografia como ciência no século XIX até meados dos anos 1950/1960, e o segundo, que vai dos anos 1960 até os dias atuais. O primeiro momento pode ser chamado de naturalista, já que essa escola en- tende o meio ambiente como a descrição do quadro natural do planeta (relevo, clima, vegetação, hidrografia, fauna e flora). As bases dessa Geografia, enquanto conhecimento científico que se organizava, foram lançadas por Alexandre von Humboldt, conselheiro do rei da Prússia, e Karl Ritter, tutor de uma família de banqueiros. Humboldt era naturalista de formação, suas viagens eram, sobretudo, gran- des aventuras, as quais apresentavam as bases do seu sistema de análise sobre o meio ambiente. Acreditava ele que o geógrafo deveria contemplar a paisa- gem de uma forma quase estética, o que daria ao observador as condições para explicar as causas das conexões nela contidas. 34 A sistematização do saber geográfico Ritter tinha formação em Filosofia e História e buscou identificar as individu- alidades dos arranjos espaciais. Suas pesquisas o levaram a concluir que, com- parando essas individualidades, poderia-se determinar as causas que, para ele, estavam submetidas à designação divina. Nesse primeiro momento, ainda, surge a obra de Friedrich Ratzel, também alemão e prussiano. Em sua análise, Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade e na ideia de que a natureza atua na possibilidade de expansão de um povo, im- pondo obstáculos ou acelerando-a. Em 1882, escreve Antropogeografia – funda- mentos da aplicação da Geografia à História, obra que lança a Geografia Humana nos debates acadêmicos. A visão naturalista de Ratzel manteve o método de análise das ciências da natureza, pois esse concebia que as causas dos fenôme- nos humanos e naturais eram semelhantes. Constitui-se nesse momento, o prin- cípio da escola determinista1. A escola determinista encontrou na França seus primeiros críticos. Paul Vidal de La Blache, um historiador que vivenciou a transição entre os séculos XIX e XX, fundou, também, a Escola Francesa de Geografia. Naquele momento, a burguesia francesa, vitoriosa pela revolução e preocupada com a manutenção do poder e de seu projeto liberal, optou por impedir o ímpeto revolucionário popular, utilizan- do-se para tal da ruptura política no pensamento geográfico. A Geografia de La Blache “imprimiu no pensamento geográfico o mito da ciência asséptica, propon- do uma despolitização aparente do temário dessa disciplina”. (MORAES, 1997) A crítica à Geopolítica alemã levou La Blache à valorização do elemento humano e seu componente criativo contido em suas ações e que, por esse motivo, não estavam submetidos às imposições do meio. O possibilismo de La Blache deixa evidente a ruptura com a visão naturalista ao afirmar que “a Geografia é uma ciência dos lugares, não dos homens”. Assim, o que mais importava era a análise do resultado da ação humana na paisagem e não a ação propriamente dita. A Geografia Física avança a partir da ruptura de La Blache e terá seu estudo aprofundado por Emmanuel de Martonne, que a divide em sub-ramos (geomor- fologia, climatologia, biogeografia e hidrogeografia). Em seu Tratado de Geogra- fia Física, Martonne deixa implícito o método positivista2, na medida em que sub- divide o estudo da Geografia e apresenta sua visão, na qual os elementos naturais 1 Os discípulos de Ratzel mantiveram análises empí ricas, utilizando-se de máximas como “as condições naturais determinam a História”, ou “o homem é produto do meio”. Tais análises manifestaram-se no Brasil por meio de inter pretações na História, por exemplo: a “indolência do homem tropical”, ou o “subdesenvolvimento, como fruto da tropi ca lidade”. (MORAES, 1997) 2 Foi no século XIX, com Augusto Comte, que surge o positi vismo. Segundo ele, a mente humana, ao procurar explicação para os fenômenos, dá inicialmente uma explicação sobrenatural (teológica), depois uma explicação das causas por forças abstratas (meta física) e, finalmente, uma explicação visando a descoberta de leis que explicam os fenômenos. O método, então, apresenta-se como o conjunto de procedimentos científicos que permitem tais explicações. A sistematização do saber geográfico35 não se inter-relacionam na elaboração das diferentes paisagens. Essa abordagem permaneceu com forte influência sobre estudiosos durante a primeira metade do século XX. O método positivista teve vários adeptos, porém, é importante lembrar que a Geografia, enquanto uma ciência que se desenvolvia na academia, estava vincu- lada à produção de conhecimento para as classes dominantes. Poucos foram os estudiosos que se opuseram à produção científica nesses moldes. Nesse aspec- to, pode-se ressaltar a obra de Elisée Reclus, militante anarquista que pertenceu à Primeira Internacional e marcou presença na Comuna de Paris, sendo um dos estudiosos que se posicionou contrariamente aos interesses da burguesia fran- cesa. Publicou as obras Geografia Universal e A Terra e o Homem, nelas demons- trando, naquele momento, a sua vertente ambientalista associada à sua posição política anticapitalista, justificando o desinteresse na publicação de sua obra, reconhecida somente após os anos 1960. O segundo momento vivido pela Geografia na sua evolução aconteceu nos anos 1950. Esse período é marcado pelo surgimento da Nova Geografia3, revi- sando as ideias positivistas vigentes e marcando um novo momento no qual a Geografia Física revitalizava-se devido aos pressupostos do neopositivismo. Tais pressupostos caracterizavam essa nova etapa do pensamento geográfico. Nos anos 1960, surge a Teoria Geral dos Sistemas4, influenciando a Geografia Física na sua análise e no tratamento do quadro natural do planeta. Na União Soviéti- ca, denomina-se essa abordagem metodológica de Geossistêmica5. Os Estados Unidos, por sua vez, preocuparam-se em formular meto dologias teórico-quantitativistas, seguindo as linhas de William Morris Davis. Essa con- cepção teórica, segundo Christofoletti (1982) “predominou de modo inconteste por quase meio século. Se muitas críticas lhe eram endereçadas, não surgia outra proposição coerente e global capaz de substituí-la”. É importante ressaltar que essas duas concepções estavam embutidas em um contexto político internacional que delimitava o conhecimento científico aos in- teresses de duas grandes potências políticas e industriais. Essa predominância 3 A denominação de Nova Geografia “foi inicialmente proposta por Manley (1966), considerando o conjunto de ideias e de abordagens que come- çaram a se difundir e a ganhar desenvolvimento durante a década de 1950. O surgimento de novas perspectivas de abordagem está integrado na transformação profunda provocada pela Segunda Guerra Mundial nos setores científico, tecno lógico, social e econômico”. (CHRISTO FO LET TI, 1982) 4 Ludwig von Bertalanffy escreve em 1968 a Teoria Geral dos Sistemas que, segundo ele, “consiste numa ampla concepção que transcende de muitos problemas e exigências tecnológicas, é uma reorientação que se tornou necessária na ciência em geral e na gama de disciplinas que vão da Física e da Biologia às Ciências Sociais e do comportamento e à Filosofia”. Segundo CAPRA, 1996, Bertalanffy não viu a realização de sua visão, “no entanto, duas décadas depois de sua morte, em 1972, uma concepção sis- têmica de vida, mente e consciência começou a emergir, transcendendo fronteiras disciplinares e, na verdade, sustentando a promessa de unificar vários campos de estudo que antes eram separados”. 5 Segundo Mendonça (1998), Soctchava considerou o geossistema como abor dagem metodológica da Geografia Física para o tratamento do quadro natural do planeta. Essa metodologia marcou na geografia física soviética, permitindo um amplo co nhecimento do território. 36 A sistematização do saber geográfico não impediu o desenvolvimento de diversas abordagens geográficas em outros países. No entanto, são compreendidos nessa pesquisa como principais protago- nistas das alterações ambientais desse período. Os princípios fundamentais da ciência geográfica As diferentes escolas de Geografia que se desenvolveram ao longo dos sé- culos XIX e XX deixaram grandes contribuições teóricas e metodológicas. Para que possamos compreender o funcionamento do pensamento geográfico é im- portante ter em mãos alguns dos seus princípios fundamentais que auxiliam na explicação dos fenômenos geográficos. � O princípio da extensão – todo fenômeno geográfico tem sua ocorrência numa determinada porção do espaço, portanto, esse fenômeno pode ser delimitado, dimensionado, aferido e representado. � O princípio da analogia – todo fenômeno geográfico é possível de ser comparado a outros fenômenos do mesmo tipo, assim, pode-se estabele- cer semelhanças e diferenças que facilitarão a sua compreensão. � O princípio da causalidade – todo fenômeno geográfico tem uma ou mais causas, por isso, o entendimento delas deve ser buscado e explicado a fim de se entender o processo. � O princípio da atividade – todo fenômeno geográfico tem um caráter dinâmico em constante transformação e o seu estudo deve compreender sua relação com o tempo histórico, assim, cada fato está associado ao mo- vimento contínuo da sociedade e da natureza. � O princípio da conexidade – todo fenômeno geográfico provoca muta- ções em outros fenômenos interligados, assim como sofre mutações por eles provocadas. Grandes conceitos da Geografia Como todas as demais ciências sociais, a Geografia possui alguns concei- tos-chave que permitem apresentar o seu objeto, delimitando suas categorias específicas. Como ciência social, a Geografia tem por seu objeto de estudo a sociedade humana sobre a superfície terrestre, a morada do homem. Os con- A sistematização do saber geográfico 37 ceitos que iremos apresentar têm entre si uma aparente semelhança, pois em nosso cotidiano usamos muitas vezes essas expressões, porém elas são cate- gorias fundamentais para compreendermos a complexidade da sociedade em suas relações e nas relações com a natureza. O espaço geográfico Durante a evolução do pensamento geográfico ocorreram muitas escolas e pensamentos distintos. A Geografia Tradicional concebeu o espaço como um receptáculo que apenas contém as coisas, os objetos, ou seja, o termo espaço é utilizado no sentido de área que contém os fenômenos e que estes são localizá- veis. A Geografia Teorética-Quantitativa apresenta o espaço em duas perspec- tivas. A primeira admite o espaço como a planície isotrópica que se explica de forma racionalista e hipotética-dedutiva. A segunda executa as representações matriciais e topológicas, constituindo os meios operacionais que permitem co- nhecer a organização espacial e gerar diferentes modelos de interpretação da realidade espacial. A Geografia Crítica surge na década de 1970, sendo que sua maior base filo- sófica assenta-se no materialismo histórico e na dialética sustentados na obra de Karl Marx. Dessa forma, rompe com a visão tradicional e com a visão quantitati- vista. O espaço agora é visto como o locus da reprodução das relações sociais de produção. A contribuição de Henri Lefebvre para a afirmação de que o espaço é o locus da reprodução da sociedade aparece na sua obra A Produção do Espaço (1974) e em muitas outras obras. Do espaço não se pode dizer que seja um produto como qualquer outro, um objeto ou uma soma de objetos, uma coisa ou uma coleção de coisas, uma mercadoria ou um conjunto de mercadorias. Não se pode dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais importante de todos os instrumentos, o pressuposto de toda produção e de todo o intercâmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reprodução das relações (sociais) de produção. (LEFEBVRE, 1976, p. 34) A vasta obra de Milton Santos teve grande inspiração em Lefébvre e seu con- ceito de espaço social. A natureza e o significado do espaço aparecem como fator social e não apenas como reflexo. Constitui-se o espaço, segundo Milton Santos, em uma instância da sociedade organizada que subordina e é subordinado por ela. Para analisar o espaço, Santos (1985) sugere o uso das seguintes categorias: � Forma – é o aspecto visível, exterior e perceptívelao observador de um objeto ou de um conjunto de objetos. 38 A sistematização do saber geográfico � Função – implica em uma tarefa, atividade ou papel a ser desempenhado pelo objeto ou conjuntos de objetos em forma. � Estrutura – diz respeito à natureza social e econômica de uma sociedade em determinado momento histórico, é a matriz social na qual as formas e funções são criadas e justificadas. � Processo – é definido como uma ação que se realiza de modo contínuo, visando resultados, que constantemente são reformulados pelas contradi- ções internas de cada sociedade, ao longo do tempo. Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade. (SANTOS, 1985, p. 52) A Geografia Humanística e Cultural que se desenvolveu também na década de 1970, preocupou-se em buscar uma definição em relacionar à noção de espaço a subjetividade humana. O espaço adquire a ideia de “espaço vivido”. Assim, apresentam-se vários tipos de espaços pessoais e grupais que são viven- ciados por meio de construções materiais e simbólicas. As temáticas referentes ao espaço vivido são inicialmente desenvolvidas nas escolas francesas e debati- das em diferentes lugares. A posição de Tuan, ao pensar um espaço mítico, revela a possibilidade de pe- netrar no universo do sagrado e do profano que habita o interior humano. “O espaço mítico é também uma resposta do sentimento e da imaginação às necessidades humanas fundamentais. Difere dos espaços concebidos pragmáti- ca e cientificamente no sentido que ignora a lógica da exclusão e da contradição” (TUAN, 1983, p. 112). Assim, o espaço geográfico firma-se como o resultado da ação concreta do trabalho humano. De acordo com cada civilização deu-se a evolução das formas de produzir a sobrevivência. Da coleta à agricultura, da indústria à biotecnologia, foram mais de 5 milhões de anos de evolução humana que imprimiram na su- perfície terrestre o rastro da humanidade. O espaço geográfico revela as causas e efeitos de cada sociedade que o produz. O lugar O conceito de lugar guarda uma dimensão prático-sensível, isto é, trata-se da porção espacial necessária e apropriada para a existência individual. Nesse caso, lugar configura-se no espaço vivido e reconhecido. Ao viver e estabelecer relações A sistematização do saber geográfico 39 de consenso e conflito, o indivíduo adquire uma identidade. Para Tuan (1979), o lugar possui um “espírito”, uma “personalidade”, havendo um “sentido de lugar” que se manifesta pela apreciação visual ou estética e pelos sentidos a partir de uma longa vivência. É no lugar que ocorrem as relações do movimento da vida, enquanto dimensão do tempo passado e presente. O lugar comporta, portanto, as condições físicas e humanas para o exercício da relação sujeito-objeto. O conceito de lugar recebeu novas contribuições da Geografia Humanística e da Geografia Crítica, ganhando novos significados. Nessas abordagens o lugar adquire uma construção singular e permeado por simbolismos e ideias aos quais os sujeitos estão submetidos em sua realidade socioespacial. O lugar, no sentido humanista, apresenta-se como uma paisagem cultural que carrega as experiências das sociedades que o produziram e pela qual carre- gam sentimentos de identidade, pertencimento, afetividade e significados esta- belecidos entre os sujeitos e o espaço. A perspectiva crítica apresenta o lugar muito além de suas dimensões físicas e materiais, pois ele se apresenta tal qual as relações sociais de produção que in- terferem diretamente na composição de suas formas e conteúdos. Desse modo assume a dimensão da singularidade e globalidade, materializando as identida- des individuais e coletivas na forma espacial. A região A palavra região deriva do latim regere, palavra composta pelo radical reg, que deu origem a outras palavras como regente, regência, regra, e outras. O Im- pério Romano designava regione para as áreas subordinadas às regras de Roma. Atualmente, emprega-se, em geral, esse conceito para se designar determinadas áreas onde há predomínio de determinadas características que as distingue das demais. Também é um sentido bastante usado para unidades administrativas para facilitar a administração dos estados. Na Geografia, o conceito de região é bastante discutido desde muito tempo. Inicialmente, aparece como suporte para as explicações de ambientes naturais. As regiões naturais surgem então da ideia de que existem determinados am- bientes com certos domínios que orientam o desenvolvimento da sociedade. A perspectiva humanista concebe a região como unidades básicas do saber geo- gráfico que resultam da ação humana em determinado meio ambiente, expli- cando as formas de civilização, gêneros de vida que devem ser apreendidos e 40 A sistematização do saber geográfico explicados. Com o avanço das técnicas de representação e geração de informa- ções surgem muitas perspectivas para assuntos regionais dando um impulso a inúmeros estudos geográficos de âmbito regional. Podemos considerar em nosso estudo de Geografia que a região manifes ta-se como resultado da divisão do espaço por meio de um sistema classificatório, hierárquico e uniforme; como produto relativo, fruto da aplicação de critérios parti- culares que operam internamente e são predeterminados; como um conceito que se funda a partir do interesse de comunidades em relação a determinadas áreas. O território O território surge das relações entre os atores sociais, políticos e econômi- cos que interferem na gestão do espaço geográfico. Ele refere-se aos projetos e práticas desses atores, numa dimensão concreta, funcional, simbólica, afetiva e manifesta-se em diferentes escalas. O território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado para e a partir de relações de poder. Se as condições ne- cessárias à existência de uma sociedade estão contidas nos recursos naturais de determinadas áreas ou se há ligações afetivas e de identidade entre grupos so- ciais e seu espaço de vivência, então estão criadas as condições para a constitui- ção da territorialidade. O território surge na tradicional Geografia Política como um espaço concreto em si que é apropriado, ocupado por um grupo social. As identidades sociocul- turais das pessoas estariam ligadas aos atributos do espaço concreto e este é delimitado por fronteiras. Assim, assume a sua forma de organização espacial. A paisagem Pode ser compreendida como uma unidade visível do arranjo espacial que a nossa visão alcança. A paisagem tem um caráter social, pois ela é formada de movimentos resultantes da ação humana por intermédio do seu trabalho, da sua cultura e dos seus sentimentos. A paisagem é então percebida e apreendida constantemente. Portanto, ela é produto da percepção humana que se desen- volve no processo seletivo de apreensão empírica do indivíduo em suas relações com o ambiente e com os grupos sociais aos quais pertence. A sistematização do saber geográfico 41 A paisagem nos permite compreender como os indivíduos percebem, repre- sentam e explicam aquilo que é percebido e sentido e percebemos tudo isso por meio de algumas das grandes obras produzidas ao longo da História da Arte. Não muito longe podemos perceber nos sensíveis traços de uma criança ao desenhar sua família, as condições objetivas de conhecermos o pensamento humano por meio de suas representações do espaço sensível, humano, único e real. A paisagem é uma categoria útil a todo o educador para suas abordagens cotidianas. Texto complementar O conhecimento geográfico (LIMA, 2009) [...] A Geografia nasceu do anseio do homem em conhecer e registrar o espaço onde mora e desenvolve suas atividades,bem como de observar e catalogar as alterações físicas da natureza. [...] O conhecimento geográfico era eminentemente prático, empírico, limitava-se a catalogar e cartografar nomes de lugares [...] servia aos governos que organizavam a administra- ção [...] aos comerciantes que acrescentavam aos nomes de lugares indi- cações sobre as possibilidades de produção, com informações sobre os principais produtos que poderiam ser aí explorados e da força de trabalho disponível [...]. Durante muito tempo a Geografia ficou à mercê de outras ciências, não sendo encarada como uma ciência autônoma justamente por apresentar um campo vasto de estudo, por estar atrelada por várias ciências, sejam elas naturais ou humanas, e por não apresentar um objeto de estudo defino. Daí decorre uma discussão de não se poder definir a Geografia como uma ciência humana ou natural. Essa tamanha interdisciplinaridade da Geogra- fia faz com que esta não apresente uma identidade concreta, tornando di- ficílimo então definir qual o seu objeto e o objetivo de estudo. O reconhecimento da Geografia como ciência decorre dos estudos rea- lizados pelos alemães Alexandre Humbolt e Karl Ritter, que são considera- 42 A sistematização do saber geográfico dos os criadores da Geografia Acadêmica, mas o conhecimento geográfico remonta desde a Pré-História. É importante frisar que, os que o uso dos co- nhecimentos geográficos variaram com a necessidade e evolução cultural dos povos que deles usufruíam. No período da Pré-História o homem utilizou-se do saber geográfico para conhecer a natureza, para poder dela retirar o seu sustento. Mas povos com um grau de hierarquização maior utilizavam a geografia para funções mais sociopolíticas, como o planejamento de cidades e estradas localiza- das estrategicamente. Mas é a partir da Antiguidade que se lança as bases da Ciência Geo- gráfica, com o desenvolvimento do comércio, da navegação, o aprimo- ramento da agricultura, fez-se necessário o estudo do espaço. Há contri- buições significativas nesse período por parte dos gregos e romanos. Os gregos, povos culturalmente mais avançados, posicionaram seus estudos para uma geografia voltada ao estudo dos fenômenos naturais, como as chuvas, vulcanismo, relevo, desenvolveram a astronomia, a climatologia, mas também faziam descrições de lugares, rotas marítimas etc.; dentre os gregos destacam-se as figuras de Estrabão, primeiro a utilizar o termo ge- ografia, e Aristóteles que estudou as variações do tempo, a geodésia, e já formulava a ideia de que a Terra era redonda. Os romanos absorveram a cultura grega, mas dentro da geografia se limitaram a fazer estudos descri- tivos de seu vasto império, sobretudo rotas comerciais, vales, montanhas, rios, visando mais a parte de organização do império. Durante a Idade Média ressalta-se as ações dos árabes, que com o cres- cimento do islã expandiram seus domínios para o Oriente Médio e Penín- sula Ibérica. Os árabes, muito ligados à Matemática e à Astronomia preo- cuparam-se em estudar a natureza. A cartografia e a navegação ganharam reforço com a invenção da bússola e do astrolábio. Os árabes eram grandes comerciantes e realizaram várias viagens com o intuito comercial, que con- tribuíram para a geografia, pois traziam relatos de climas, relevos, ventos, correntes marítimas. Com a chegada do séc. VIII a Geografia e a própria ciência como um todo tendem a concentrar seus objetos de estudo, a acumulação de conhe- A sistematização do saber geográfico 43 cimentos ao longo do tempo, começam a propiciar a união do pensamento geográfico. O holandês Bernad Varnius foi um dos propulsores da ciência geográfica, em seu livro intitulado Geografia Geral, ele tenta unir a Geogra- fia Geral, a Física, a Matemática, a Astronomia, descrevendo fenômenos e mostrando as relações de causa e efeito. A união de informações sobre o globo terrestre, o avanço significativo da Cartografia, e essencialmente o desenvolvimento do capitalismo e o surgimento do Estado-Nação foram condições ideais para a sistematização da Geografia. Essa sistematização ocorre na Alemanha, seus principais formuladores são os alemães Alexandre Vom Humbolt e Karl Ritter. Humbolt era botâni- co e viajante, percorreu vários lugares do mundo, fazendo descrições das mais diversas paisagens que via, formulou o primeiro conceito de clima, estudou as correntes marítimas, a flora e a fauna. Já Ritter era historiador, desenvolveu seus estudos mais voltados à didática da Geografia, procu- rou estudar as relações entre sociedade e natureza, realizando a chamada Geografia Comparada. Embora não fazendo escola, Humbolt e Ritter foram mestres dos principais geógrafos a partir de seu tempo, como Ratzel e La Blache. A Geografia evoluiu de maneira a atender às expectativas da época, tende se mostra contemporânea. A Geografia Tradicional, a primeira a ser utilizada no sistema escolar, surgiu na Prússia, num período político onde se buscava a unificação de vários estados em uma única nação, hoje atual Alemanha, período também de Revolução Industrial, surgimento do ca- pitalismo, onde as nações buscam formar seus movimentos imperialistas. Esse momento propiciou a criação de uma Geografia voltada a divulgar uma imagem do interior da nação, o uso do patriotismo-nacionalismo, com a finalidade de unificar antes das terras os povos, de formar um ci- dadão soldado que defendesse sua pátria acima de tudo. Como didática de ensino, pregava-se em sala de aula a memorização dos assuntos, não se procurava a construção do conhecimento, e sim uma verticalização dos conhecimentos. A Geografia sempre acompanha seu tempo, com o intuito de explicá-lo. No período entre a Primeira Guerra e os anos 1960-1970, com planificação 44 A sistematização do saber geográfico da economia de um lado e o capitalismo de outro, surge uma Geografia aplicada aos números, a Geo Quantitativa, apoiada por esses sistemas po- líticos, pois estes necessitavam de dados para a construção das estáticas, e com isso da geografia deixa de lado as questões sociais, alegando que a geografia tinha de ser uma ciência neutra. Com desequilíbrio desse sis- tema político, essa geografia passa a ser questionada e surgem duas cor- rentes filosóficas, a Geo Quantitativa atrelada à geografia tradicional e a Geografia Crítica ou Radical, sendo que a primeira perde espaço no âmbito acadêmico. Por volta do final da década de 1970, nasce a chamada “Geografia Críti- ca”, que revoluciona toda a estrutura não apenas do ensino, mas da maneira de pensar da geografia. Apoiada no marxismo, a Geo Crítica busca revelar a realidade social, mostra-se mais uma arma política do socialismo do que propriamente uma ciência geográfica. A Geografia Crítica, à nível de ensino, procura formar o cidadão crítico, não procura apenas passar informação, incentiva o aluno a pesquisar, a ques- tionar o porquê dos acontecimentos, e qual o fator propulsor das mudanças ocorridas no espaço como um todo. O slogan da Geografia Crítica é “Apren- der a Aprender” que resume como é trabalhada a Geografia Crítica em sala de aula. Um aspecto importante dessa Geografia é a velocidade com que ela acompanha as transformações sociais, culturais, econômicas e políticas, o pensamento geográfico passa então a questionar as mudanças ocorridas no mundo como um todo. Dica de estudo O Guia Geográfico <www.guiageo-mapas.com> disponibiliza mapas, globos e diferentes imagens do Planeta Terra, com alta definição e que podem ser bai- xados no seu computador. Aproveite para observar as diferentes paisagens da Terra e aprofundar seus conhecimentos sobre a geografia dos continentes. A sistematização do saber geográfico 45 Atividades 1. Sabemos que a sistematização do saber geográfico foi resultante de um processo histórico ocorrido na Europa no final do século XIX. Elabore uma reflexão sobre esse momento, salientando seus principais aspectos e perso- nagens envolvidos. 2. Em relação às escolas europeias