Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INTERVENÇÃO NUTRICIONAL EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS: OBESIDADE, DESNUTRIÇÃO E CONSTIPAÇÃO APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 4 Objetivo geral 4 Objetivos específicos 4 Habilidades e competências a serem adquiridas 4 Ementa 4 1. CONSTIPAÇÃO INTESTINAL NO PACIENTE COM DOENÇA RENAL CRÔNICA 6 Estratégias para atenuação da constipação intestinal 9 Fitoterápicos para alívio da constipação intestinal 15 2.DESNUTRIÇÃO 20 Prevenção e tratamento 23 3.OBESIDADE 25 Prevenção e tratamento 26 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 29 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Objetivo geral Abordar o manejo nutricional de pacientes com doença renal crônica que apresentem obesidade, desnutrição e constipação intestinal. Objetivos específicos Apresentar a fisiopatologia e o manejo nutricional da obesidade, da desnutrição e da constipação intestinal. Abordar o manejo nutricional da obesidade, da desnutrição e da constipação intestinal especificamente em pacientes com doença renal crônica. Habilidades e competências a serem adquiridas Compreender a fisiopatologia e o manejo nutricional da obesidade, da desnutrição e da constipação intestinal em pacientes com doença renal crônica. Ementa A disciplina aborda a fisiopatologia da obesidade, da desnutrição e da constipação intestinal, bem como seu manejo nutricional, com ênfase no paciente com doença renal crônica. 1. CONSTIPAÇÃO INTESTINAL NO PACIENTE COM DOENÇA RENAL CRÔNICA A constipação intestinal é um dos sintomas vivenciados pelo paciente com doença renal crônica, especialmente quando há necessidade de restrição da ingestão hídrica. Evidências indicam que a prevalência de constipação intestinal pode ser superior a 60% em pacientes em hemodiálise. Esse fenômeno ocorre porque a ingestão de água é um fator primordial para garantir a maciez das fezes e o processo de defecação. A água, justamente, é absorvida no intestino grosso, onde atua de modo a aumentar o conteúdo hídrico do bolo fecal, estimulando e facilitando a defecação. Caso haja necessidade de restrição hídrica para pacientes com doença renal crônica, há a limitação também de alimentos com alto teor de água, como os vegetais. Estes, por sua vez, são ricos em fibras alimentares, as quais também facilitam o processo de defecação reduzindo o risco de constipação intestinal. As fibras alimentares, especialmente as insolúveis (presentes em cascas de vegetais, sementes e grãos integrais), se associam ao bolo fecal e atraem água, por meio de processo osmótico. Logo, na restrição hídrica e, indiretamente, na restrição de fibras alimentares, é comum que o paciente com doença renal crônica sofra de constipação intestinal. É importante considerar que, no caso de restrição hídrica, não é recomendado ofertar um alto consumo de fibras ao paciente (especialmente insolúveis), pois o mecanismo de ação destas é justamente atrair água ao bolo fecal. Assim, na restrição de água, a oferta excessiva de fibras pode piorar o quadro de constipação intestinal, ao invés de alivia-lo. Caso não haja necessidade de restringir a ingestão hídrica, sugere-se o aumento do aporte de fibras alimentares associado ao aumento do aporte de água, com fim de aliviar a constipação intestinal, dentre outras estratégias que serão abordadas neste material. Considerando a relevância do tema, a presente seção objetiva abordar estratégias nutricionais com intuito de prevenir o risco ou amenizar a constipação intestinal em pacientes com doença renal crônica. De acordo com a Organização Mundial de Gastroenterologia, a constipação intestinal consiste na dificuldade persistente em evacuar, sendo que o paciente pode apresentar dor, sangramento e/ou esforço excessivo durante o processo, em razão da presença de fezes ressecadas e endurecidas. Considera-se também como constipação intestinal quando o paciente tem sensação de evacuação incompleta e/ou quando as evacuações são menos frequentes do que o habitual. Mesmo se o tempo de passagem das fezes pelo cólon for normal, o paciente pode ser considerado como constipado se suas fezes forem ressecadas e de consistência dura. Durante a anamnese do paciente, pode-se utilizar a Escala de Bristol para compreender a severidade da constipação intestinal, sendo que fezes do tipos 1, 2 e 3 tendem a estar presentes em pacientes constipados. A Escala de Bristol é apresentada na Figura 1. Figura 1. Escala de Bristol. As causas de constipação intestinal podem ser as mais diversas, sendo a mais comum relacionada aos hábitos de vida. Dieta pobre em fibras alimentares, lipídios e ingestão insuficiente de líquidos é uma das causas frequentes de constipação intestinal. Parece que situações que induzam a desidratação, ex.: uso excessivo de diuréticos, também podem resultar em constipação intestinal. Não obstante, o sedentarismo também pode contribuir para o quadro. Deve-se lembrar que o trato gastrointestinal possui uma camada muscular, a qual também pode ser modulada pela prática de exercícios físicos, razão pela qual o sedentarismo pode resultar em constipação intestinal. Outras causas, como alterações anatômicas e fisiológicas, também podem contribuir com o quadro, apesar de serem menos comuns, exceto no envelhecimento. O envelhecimento causa alterações a nível do trato gastrointestinal, como redução da capacidade digestiva e do peristaltismo, o que pode contribuir com o quadro de constipação intestinal, o qual é comum em idosos. Em relação às consequências da constipação intestinal, estas são inúmeras, haja vista que pacientes com o quadro têm maior risco de disbiose intestinal, câncer de cólon e reto, lesão e alterações anatômicas intestinais, risco de toxicidade, alterações circulatórias, edema, alterações de pele (ex.: acne vulgar) etc. Estratégias para atenuação da constipação intestinal O manejo nutricional clássico para lidar com a constipação intestinal é o aumento do consumo hídrico e o aumento do consumo de fibras alimentares. A recomendação de ingestão de água de acordo com o Institute of Medicine (IOM), na ingestão adequada (do inglês: adequate intake – AI), é apresentada no Quadro 1. Quadro 1. AI de ingestão hídrica. Idade e estágio da vida Recomendação de ingestão – AI (L) Bebês 0 a 6 meses 0,7 7 a 12 meses 0,8 Crianças 1 a 3 anos 1,3 4 a 8 anos 1,7 Homens 9 a 13 anos 2,4 14 a 18 anos 3,3 19 a 30 anos 3,7 31 a 50 anos 3,7 51 a 70 anos 3,7 Acima de 70 anos 3,7 Mulheres 9 a 13 anos 2,1 14 a 18 anos 2,3 19 a 30 anos 2,7 31 a 50 anos 2,7 51 a 70 anos 2,7 Acima de 70 anos 2,7 Gestantes Abaixo de 18 anos 3,0 19 a 30 anos 3,0 31 a 50 anos 3,0 Lactantes Menos de 18 anos 3,8 19 a 30 anos 3,8 31 a 50 anos 3,8 Retirado de IOM, 2005. Vale salientar que, no caso de pacientes com doença renal crônica, esta recomendação só pode ser seguida caso não haja necessidade de restrição hídrica. Se houver necessidade de restrição hídrica, devem ser aplicadas recomendações anteriormente apresentadas em outros materiais do curso. Em relação às fibras alimentares, estas são carboidratos não digeríveis pelas enzimas do trato gastrointestinal humano. Isso porque a maior parte das fibras alimentares apresenta ligações do tipo beta (forma como os grupos hidroxila se unem na condensação dos monossacarídeos), as quais não são quebradas pelas enzimas digestivas (a maior parte das enzimas do trato gastrointestinal humano quebram ligações de carboidratos do tipo alfa, exceto pela lactase, que é capaz de quebrar a ligação beta da lactose). As fibras apresentam características distintas, sendo classificadas de acordo com a sua solubilidade (solúveis ou insolúveis), capacidade de ser fermentada pela microbiota (fermentáveis ou não fermentáveis) e pela capacidade de criar uma camada viscosa no trato gastrointestinal (viscosas ou não viscosas). De acordo com sua característica química e funcional, as fibras alimentares podem ser aplicadasem contextos distintos. Por exemplo, as fibras insolúveis são mais indicadas para casos de constipação intestinal. Elas têm a característica de se associar ao bolo fecal aumentando a sua concentração, de modo a estimular o transporte de água via mecanismo osmótico (assim, a água passa do meio menos concentrado para o meio mais concentrado, com intuito de equilibrar a concentração entre os meios). Como resultado, as fezes ficam mais macias, o que favorece o processo de defecação, aliviando a constipação intestinal. Como dito anteriormente, para que as fibras insolúveis tenham esse efeito, é necessária a ingestão suficiente de líquidos, caso contrário, o processo osmótico ficará prejudicado e a constipação intestinal pode ser agravada, ao invés de melhorada. As fibras solúveis e viscosas, por sua vez, são aquelas que têm a capacidade de criar uma camada gelatinosa no trato gastrointestinal. Como resultado, há prejuízo na digestão de carboidratos e de lipídios (prejuízo na ação enzimática) e retardo ou comprometimento na absorção de carboidratos e de lipídios. Considerando seu mecanismo de ação, estas fibras seriam mais interessantes para pacientes com distúrbios glicídicos e lipídicos (ex.: hiperglicemia e dislipidemias). Duas fibras com característica viscosa potente são: pectina e betaglucana, sendo que a primeira pode ser encontrada na casca de frutas (ex.: maçã e maracujá) e a segunda pode ser encontrada na aveia. Interessantemente, se o objetivo for modular a glicemia e o perfil lipídico do paciente, sugere-se o uso da farinha ou farelo de aveia, porém, se o objetivo for aliviar a constipação intestinal, a aveia em flocos grossos seria mais interessante. As fibras fermentáveis são aquelas que são fermentadas pela microbiota, podendo alterar positivamente a sua composição, bem como permitir a síntese de ácidos graxos de cadeia curta (substâncias usadas como fonte de energia aos enterócitos, favorecendo seu funcionamento, desenvolvimento e proliferação). Seriam indicadas para pacientes com indícios de disbiose intestinal. De um modo geral, pacientes com constipação intestinal tendem a apresentar composição comprometida da microbiota intestinal, o que pode contribuir para a manutenção ou piora do quadro. Não obstante, evidências indicam que pacientes com doença renal crônica apresentam disbiose intestinal, o que poderia explicar parcialmente o porquê estes pacientes apresentam maior risco de apresentar constipação intestinal. As principais fibras fermentáveis, também chamadas de fibras prebióticas, são inulina, fruto-oligossacarídeos (FOS) e galacto-oligossacarídeos (GOS), as quais seriam interessantes para a modulação positiva da composição da microbiota intestinal, mitigando o quadro de disbiose. O Quadro 2 apresenta as principais fibras alimentares de acordo com sua classificação. Quadro 2. Fibras alimentares e suas respectivas classificações. Solubilidade Insolúveis Celulose Lignina Amido resistente Algumas pectinas Algumas hemiceluloses Solúveis Betaglucanos Destinar do trigo Gomas Psyllium Pectina Inulina Algumas celuloses Fermentabilidad e Fermentáveis Amido resistente Pectina Betaglucanos Goma guar Inulina Dextrina do trigo Não fermentáveis Celulose Lignina Viscosidade Viscosas Pectinas Betaglucanos Psyllium Algumas gomas (goma guar) Não viscosas Polidextrose Lignina Vale salientar que o termo prebiótico não abrange apenas as fibras fermentáveis, mas também ácidos graxos poli-insaturados (ex.: ômega 3 e ômega 6), ácido linoleico conjugado, compostos fenólicos e fitoquímicos (ex.: curcumina, resveratrol, catequinas). De um modo geral, os prebióticos seriam substâncias seletivamente utilizadas pela microbiota intestinal e que produzem um efeito benéfico à saúde do hospedeiro. Neste sentido, o uso de prebióticos poderia ser interessante na modulação da microbiota intestinal de pacientes com constipação intestinal e doença renal crônica, os quais tendem a apresentar disbiose. Para pacientes com restrição hídrica, pode-se usar essas fibras com moderação, bem como os outros prebióticos (ex.: ômega 3, curcumina, resveratrol etc.) Outros nutrientes que parecem modular positivamente a microbiota intestinal e favorecer a saúde do intestino são: vitamina D e glutamina. A vitamina D parece favorecer a síntese de substâncias antimicrobianas, com a capacidade de reduzir a presença de microrganismos patogênicos na microbiota. Além disso, essa vitamina parece favorecer a ação das tight junctions – proteínas que mantêm os enterócitos justapostos, evitando a permeabilidade intestinal. Quanto à glutamina, parece que de 50 a 80% da glutamina ofertada via oral fica retida nos enterócitos. Neles, este aminoácido é utilizado como fonte de energia e permite a proliferação e a diferenciação celular. Evidências indicam que a suplementação com glutamina favorece a saúde intestinal de um modo geral, incluindo a composição da microbiota intestinal. Para pacientes com doença renal crônica com restrição de proteína, deve-se ter cautela com a oferta de doses elevadas de glutamina. Os estudos indicam cerca de 2 a 5 gramas de glutamina por dia com fins de promoção da saúde intestinal. Deve-se verificar se há possibilidade de utilizar esse recurso em pacientes com doença renal crônica com restrição proteica. Se o caso, deve-se utilizar o mínimo possível. Outro recurso que parece trazer efeitos benéficos a pacientes com constipação intestinal são os probióticos. Por definição, probióticos são: "microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do hospedeiro". Evidências indicam que os probióticos melhoram a saúde intestinal e podem atenuar a disbiose, pois competem com microrganismos patogênicos por sítio de adesão e substratos energéticos. Além disso, alguns probióticos têm a capacidade de produzir substâncias chamadas de bacteriocinas, as quais têm potencial de exterminar patógenos. O gênero Lactobacillus ainda tem a capacidade de produzir ácido láctico, o qual altera o pH intestinal e dificulta o crescimento de patógenos. Neste cenário, pode-se utilizar fibras alimentares, demais prebióticos, vitamina D, glutamina e probióticos na modulação da composição intestinal, o que pode favorecer a saúde intestinal e mitigar o quadro de constipação. Mais uma vez, ressalta-se que em casos de restrição hídrica e proteica deve-se ter cautela com a suplementação de grandes quantidades de fibras alimentares e de glutamina, respectivamente. Outra situação que pode causar e/ou agravar a constipação intestinal é a ingestão insuficiente de lipídios, os quais também interferem na textura das fezes, podendo deixá-las ressecadas na sua ausência ou insuficiência. Neste sentido, sugere-se que a dieta não contemple menos do que 20% do valor energético total (VET) de lipídios, devendo-se priorizar ácidos graxos poli-insaturados e evitar ácidos graxos saturados, os quais aumentam o risco de doenças cardiovasculares, que já é elevado em pacientes com doença renal crônica. Dentre os alimentos lipídicos que podem ser inseridos na dieta com fins de mitigar a constipação intestinal, destacam-se: oleaginosas, linhaça, azeite de oliva, abacate e peixes gordurosos, ex.: atum e sardinha. Além da insuficiência no consumo lipídico, o excesso da ingestão de proteínas, especialmente de origem animal, também pode ser um fator constipante da dieta. De um modo geral, as proteínas são nutrientes mais criteriosos e demorados para serem digeridos, exigindo várias etapas: ação do ácido clorídrico e da pepsina no estômago, ação da tripsina, enteropeptidase e carboxipeptidases no intestino, ação de aminopeptidases e de dipeptidases na borda em escova etc., além de um melindroso processo absortivo, que envolve diversos transportadores de aminoácidos e de pequenos peptídeos.Considerando o amplo processo digestivo e absortivo das proteínas, fica fácil compreender o porquê o excesso de proteínas retarda o trânsito intestinal, o que poderia levar à constipação intestinal. Alguns alimentos proteicos, em específico, são mais difíceis de serem digeridos do que outros, vinculando-se à piora da constipação. Um exemplo são as carnes vermelhas. Desse modo, deve-se evitar a ingestão exorbitante de alimentos proteicos, em especial as carnes, para pacientes com constipação intestinal. Para pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico, em que há necessidade do aumento do consumo proteico, deve-se incluir fontes de proteína vegetal também, não somente alimentos proteicos de origem animal, os quais tendem a ser mais difíceis de serem digeridos. Ênfase deve ser dada as leguminosas, sementes e grãos, ex.: feijões, lentilha, soja, grão de bico, sementes de girassol, abóbora, linhaça, chia, gergelim, quinoa etc. Vale salientar que não há necessidade de excluir alimentos proteicos de origem animal, mas deve-se equilibrar o seu consumo com as proteínas vegetais. Em relação às carnes, para pacientes constipados, deve-se priorizar as carnes brancas (ex.: peixes), ao invés das carnes vermelhas, pois as últimas são de mais difícil digestão. O consumo excessivo de alimentos industrializados e ultraprocessados, como enlatados e embutidos, é prejudicial à saúde intestinal, pois contempla excesso de toxinas e xenobióticos, o que pode comprometer a anatomia e a fisiologia intestinal (ex.: aumento da permeabilidade intestinal). Efeitos semelhantes ocorrem quando há consumo excessivo de açúcares e de gorduras saturadas. Estes ainda pioram o quadro de flatulência, caso esta seja uma queixa dos pacientes. Pacientes com excesso de gases devem evitar, em primeira instância, o consumo de fibras fermentáveis, probióticos, açúcares, gordura saturada, excesso de proteína, especialmente de origem animal, e aditivos alimentares, como corantes e conservantes, os quais estão presentes em grandes quantidades em alimentos ultraprocessados e suplementos com corantes e outros aditivos (no caso de suplementação, pode-se manipular o suplemento e incluir em cápsulas de clorofila, por exemplo, de modo a evitar a presença de corantes sintéticos). Fitoterápicos para alívio da constipação intestinal Além das estratégias nutricionais, pode-se aplicar fitoterápicos para aliviar a constipação intestinal. É importante considerar, no entanto, que a maior parte dos fitoterápicos têm sua excreção pela urina. Assim, com o prejuízo da função renal, pode-se haver menor excreção do fitoterápico e maior risco de efeitos adversos. Além disso, pouco se sabe sobre as interações entre fármacos e fitoterápicos. Como o paciente com doença renal crônica tende a usar muitos medicamentos, deve-se ter cuidado para que não haja comprometimento da atividade farmacológica, devendo-se manter um acompanhamento próximo do paciente. Em relação aos fitoterápicos com papel laxativo, destacam-se: sene (Senna alexandrina) e cáscara sagrada (Rhamnus purshiana). Ambos têm papel laxativo pois são irritantes da mucosa intestinal, o que induz o processo de defecação. Logo, fica claro que estes fitoterápicos não devem ser utilizados de forma contínua, mas sim em casos emergenciais. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na Resolução RDC 10 de 2010, a cáscara sagrada não deve ser utilizada em casos de obstrução intestinal, refluxo, apendicite, doença inflamatória intestinal ou dor abdominal de origem desconhecida. Não obstante, não deve ser usada durante a lactação, a gravidez ou em menores de 12 anos. A ANVISA ainda é clara em pontuar que não se deve usar esse fitoterápico por mais de uma semana, pois o uso crônico pode levar à diarreia, perda de eletrólitos e dependência. Parece que, além de causar desconforto no trato gastrointestinal, a cáscara sagrada pode alterar a coloração da urina. Quanto à dose e posologia, recomenda-se a decocção da casca da cáscara sagrada, usando-se 0,5 g (1 colher de café) em 150 ml de água, devendo-se ingerir entre meia a uma xícara de chá antes de dormir. Em relação ao sene, ele tem as mesmas contraindicações da cáscara sagrada (não usar em casos de obstrução intestinal, refluxo, apendicite, doença inflamatória intestinal, dor abdominal de origem desconhecida ou para crianças menores de 10 anos). Não obstante, o sene também apresenta os mesmos efeitos colaterais (desconforto no trato gastrointestinal e alteração na coloração da urina) e os mesmos cuidados (não usar por mais de uma semana) que a cáscara sagrada. No que concerne à dose e posologia, a ANVISA recomenda a decocção do fruto e folíolos, usando cerca de 1 grama em 150 ml de água, devendo-se utilizar uma xícara antes de dormir. Além destes fitoterápicos, a cafeína parece ter um efeito laxativo, haja vista que estimula a contração muscular (ex.: estimula a liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, induzindo deslizamento entre actina e miosina). Neste cenário, fitoterápicos que contém cafeína na sua composição, como chá verde (Camellia sinensis), chá preto (Ilex paraguariensis) e guaraná (Paullinia cupana), poderiam apresentar efeito laxativo, apesar deste efeito não fazer parte do uso tradicional destes fitoterápicos. Popularmente, o mamão (Carica papaya) também é utilizado como um recurso com fins laxativos. Além da presença de fibras alimentares em sua composição, o mamão contempla a enzima papaína, a qual favorece os processos digestivos, podendo aliviar a constipação intestinal. Vale ressaltar que, apesar da crença popular de que o caroço do mamão favorece a defecação, esta prática não parece ser benéfica, haja vista que o caroço pode conter substâncias tóxicas sintetizadas pela própria planta. Não obstante, evidências indicam que o consumo do caroço do mamão pode trazer efeitos negativos à saúde, como infertilidade masculina. Similarmente ao mamão, o abacaxi possui a enzima chamada de bromelina, a qual também favorece os processos digestivos, podendo, inclusive, facilitar a digestão de proteínas. Para pacientes com flatulência, a erva doce (Pimpinella anisum), a canela (Cinnamomum verum), a erva cidreira (Lippia alba) e a hortelã pimenta (Mentha piperita) poderiam ser interessantes, pois parecem ter efeito carminativo. A dose, a posologia, aas contraindicações e afins destes fitoterápicos é apresentada no anexo 1 da RDC 10. Em contrapartida, alguns fitoterápicos parecem aumentar a flatulência, como a cebola (Allium cepa) e o alho (Allium sativum) os quais são ricos em fibras fermentáveis (ex.: inulina). Deve-se ter cautela, ainda, com os fitoterápicos obstipantes, a exemplo da camomila (Matricaria chamomila ou Matricaria recutita), a qual parece agravar o quadro de constipação intestinal. Não obstante, o fruto da maçã (Malus domesticus) possui ácido málico, o qual tem caráter obstipante, não devendo ser consumido em grandes quantidades por pacientes com constipação (não há necessidade de exclusão, mas sim de moderação). 2.DESNUTRIÇÃO Pacientes com doença renal crônica tendem a ter risco aumentado de desnutrição em virtude das restrições dietéticas necessárias para manejo da doença renal crônica. No entanto, a desnutrição pode aumentar o risco de debilidade imunológica e física, de aumento, duração e severidade do risco de infecções, de complicações, de hospitalizações e de mortalidade do paciente. Desse modo, apesar das restrições dietéticas necessárias ao manejo do paciente com doença renal crônica, é preciso evitar com afinco o desenvolvimento do quadro de desnutrição. Considerando a importância do tópico, a presente seção objetiva abordar a desnutrição no paciente com doença renal crônica, bem como estratégias para evita-la. O diagnóstico de desnutrição podeser realizado por meio do índice de massa corpórea (IMC), que é a relação entre peso corporal e estatura. Indivíduos jovens recebem o diagnóstico de desnutrição quando apresentam IMC inferior a 18,5 kg/m2. Já idosos (indivíduos com idade superior a 60 anos) recebem o diagnóstico de desnutrição quando apresentam IMC inferior a 22 kg/m2. Percebe-se que o corte para diagnóstico é superior para idosos quando em comparação a indivíduos jovens. Isso porque idosos têm maior risco de desnutrição por inúmeros fatores: (i) perda de massa muscular, processo denominado sarcopenia, (ii) redução da capacidade digestiva e absortiva, o que resulta na menor absorção de energia e de nutrientes, ex.: proteínas, (iii) alterações hormonais que atenuam o anabolismo, ex.: resistência à insulina, processo que é chamado de resistência anabólica no idoso, (iv) prejuízo na ingestão alimentar por várias questões, ex.: dentição prejudicada, busca por alimentos práticos, redução da renda etc. Com base no exposto, é possível compreender que por inúmeros fatores, tanto fisiológicos quanto socioeconômicos, os idosos têm maior risco de desenvolver desnutrição. Quando apresentam alguma doença hipercatabólica, a exemplo da doença renal crônica, tornam-se ainda mais suscetíveis à desnutrição. Neste sentido, os idosos com doença renal crônica são um público de risco para desnutrição, exigindo cuidados e atenção especiais. Deve-se associar o IMC com a avaliação subjetiva global (ASG), o instrumento de triagem de desnutrição (MST – malnutrition screening tool), a perda de força e de funcionalidade muscular e a perda de peso corporal involuntária, sendo que a BRASPEN (Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral) recomenda que não seja utilizada uma única ferramenta para determinação do diagnóstico de desnutrição no paciente com doença renal crônica. Os pacientes com doença renal crônica estão sob maior risco de desenvolver desnutrição, pois apresentam uma doença hipercatabólica e necessidade de determinadas restrições dietéticas, o que, em conjunto, pode levar à desnutrição. Os pacientes com restrição proteica são aqueles em maior risco de desnutrição, devendo-se ter cuidado para evitar ou minimizar a perda de massa muscular nestes indivíduos. Não obstante, os pacientes em terapia dialítica perdem muitos nutrientes durante o processo de diálise, devendo ter um aporte adequado de energia e proteínas, caso contrário podem desenvolver desnutrição. Além da restrição proteica, a restrição energética pode levar a desnutrição. Assim, mesmo na necessidade de restrição proteica, deve-se garantir a ingestão suficiente de calorias (vide apostila de recomendações nutricionais para pacientes com doença renal crônica). Ao longo do tratamento, em virtude das restrições dietéticas, o paciente pode sentir-se receoso em se alimentar, o que pode prejudicar o seu consumo alimentar e nutricional, levando à desnutrição. Deve-se fornecer educação nutricional suficiente aos pacientes com doença renal crônica, de modo a evitar restrições alimentares desnecessárias, as quais teriam mais impacto negativo do que positivo. A desnutrição pode ter impactos desastrosos ao paciente com doença renal crônica, aumentando o risco de imunocomprometimento e de desordens imunológicas, ex.: infecções de repetição. Vale lembrar que o tecido muscular é rico em glutamina, um aminoácido com potente papel imunomodulador, haja vista que é utilizado pelos leucócitos como fonte de energia, permitindo sua diferenciação, proliferação e desenvolvimento. Além disso, evidências indicam que a glutamina favorece uma gama de funções dos leucócitos, aumentando a produção de marcadores anti-inflamatórios, ex.: imunoglobulina 10 (IL-10), e da citoproteção celular, via aumento de proteínas de choque térmico (HSP – do inglês: Heat Shock Protein). Não obstante, vários marcadores do sistema imunológico tratam-se de proteínas, a exemplo das imunoglobulinas e das proteínas do sistema complemento. Neste cenário, fica claro o porquê a redução de massa muscular, com consequente diminuição de proteínas e de aminoácidos específicos (ex.: glutamina), compromete a atividade do sistema imunológico. A desnutrição ainda reduz a autonomia do paciente, podendo comprometer a sua qualidade de vida e levar à necessidade de um cuidador. A debilidade física aumenta o risco de hospitalizações, de maior tempo de internação, de comorbidades e de mortalidade. Prevenção e tratamento As recomendações nutricionais de ingestão de energia e de proteínas, de acordo com a situação do paciente renal (ex.: tratamento conservador, terapia dialítica e/ou transplante renal), são estabelecidas pela BRASPEN e devem ser seguidas, de modo a evitar a desnutrição e demais comorbidades de maior risco em pacientes com doença renal crônica. As recomendações da BRASPEN são apresentadas em outros materiais desse curso. 3. OBESIDADE A obesidade aumenta o risco de comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e outros, o que eventualmente leva ao aumento do risco de desenvolvimento de doença renal crônica. Neste sentido, é comum que a doença renal crônica coexista com a obesidade. Não obstante, dependendo da situação, a doença renal crônica também pode predispor à obesidade, especialmente em pacientes submetidos à diálise peritoneal, em razão da presença de carboidratos na solução de diálise, o que pode levar a alterações glicídicas, lipídicas e aumento do peso corporal. Essa primeira seção objetiva discorrer sobre o manejo da obesidade para pacientes com doença renal crônica. O diagnóstico de obesidade é realizado pelo IMC, sendo que indivíduos jovens com IMC acima de 24,9 kg/m2 são considerados como com sobrepeso. Já se o IMC for superior a 29,9 kg/m2, o diagnóstico é de obesidade. Há ainda a classificação de obesidade tipo I (IMC acima de 29,9 kg/m2, mas inferior a 34,9 kg/m2), obesidade tipo II (IMC acima de 35,0 kg/m2, mas inferior a 39,9 kg/m2) e obesidade tipo III (IMC acima de 40,0 kg/m2). Para idosos, considera-se obesidade apenas quando o IMC é superior a 27 kg/m2. Já para crianças, deve-se incluir os dados (peso, estatura e IMC) nas curvas propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Vale ressaltar que se deve associar o cálculo do IMC com a aferição da gordura corporal do paciente, podendo-se usar dobras cutâneas, beioimpedância ou outro método (ex.: DEXA), de modo que se tenha certeza do diagnóstico de obesidade. As causas para a obesidade são as mais diversas, sendo as principais vinculadas à alimentação hipercalórica (excessiva em energia, gorduras e açúcares) e ao sedentarismo. Há também o fator genético, alterações endócrinas (ex.: resistência à leptina), quadro inflamatório e, segundo estudos recentes, uma microbiota desequilibrada (disbiose intestinal) pode contribuir para o desenvolvimento de obesidade. Quanto às consequências, a obesidade aumenta o risco de inúmeras comorbidades, como resistência à insulina e diabetes mellitus, dislipidemias, hipertensão arterial sistêmica, doenças cardiovasculares, câncer e doença renal crônica. Logo, é importante evitar o desenvolvimento ou o agravamento da obesidade para pacientes com doença renal crônica. Prevenção e tratamento Deve-se compreender que a obesidade não se trata apenas do acúmulo de gordura corporal, mas também de um quadro inflamatório crônico e de baixo grau, que culmina em alterações sistêmicas, as quais podem levar a uma gama de comorbidades. Neste contexto, deve-se incluir na dieta do paciente com obesidade nutrientes com caráter anti-inflamatório e antioxidante, a exemplo do ômega 3, da vitamina D, da glutamina, da curcumina e demais compostos bioativos, das vitaminas C, A, E e dos minerais zinco, selênio, ferro, manganês etc. Não obstante,em virtude da disbiose intestinal comum em pacientes com obesidade, pode-se utilizar probióticos, fibras alimentares e demais prebióticos, de modo a favorecer a saúde da microbiota intestinal. Deve-se, ainda, reduzir o consumo de gorduras saturadas, açúcares, xenobióticos e alimentos industrializados. A normalização ou redução do consumo calórico (dieta normocalórica e hipocalórica, respectivamente) se faz necessária para o manejo da obesidade. No entanto, vale salientar que dietas muito restritivas parecem agravar o quadro inflamatório, por isso a diminuição da oferta energética deve ser gradativa. Além disso, mesmo para pacientes com doença renal crônica e com obesidade, não é indicada a restrição energética severa, haja vista que a doença renal crônica é hipercatabólica (a BRASPEN sugere entre 25 a 35 kcal/kg/dia, podendo-se usar o peso ideal, em caso de paciente com obesidade). A associação da dieta com a prática de exercícios físicos é indispensável, haja vista que esta prática parece ter papel em amenizar a inflamação proveniente da obesidade. Caso o paciente apresente comorbidades, ex.: resistência à insulina, diabetes mellitus e dislipidemias, estas também devem ser controladas. No caso de alterações glicídicas, deve-se normalizar o consumo de carboidratos (entre 45 a 65% do valor energético total da dieta, segundo o IOM), bem como priorizar carboidratos complexos, evitando o consumo de carboidratos refinados, de açúcares e de carboidratos de alto índice glicêmico (estes últimos devem ser evitados especialmente em jejum, mas podem ser incluídos moderadamente em refeições que contenham fibras alimentares, lipídios e proteínas, de modo a controlar o índice glicêmico da refeição). Já em relação às dislipidemias, deve-se controlar especilmente o consumo de gorduras saturadas, priorizando a oferta de ácidos graxos poli-insaturados. Não há necessidade de ofertar uma dieta hipolipídica ao paciente com dislipidemias, mas sim adequar a qualidade dos lipídios ofertados. Substancias estranhas, como metais pesados e agrotóxicos 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUPPARI, L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da EPM-UNIFESP: Nutrição clínica no adulto. 3ª ed. Manole: São Paulo, 2014. CUPPARI, L. Nutrição nas doenças crônicas não-transmissíveis. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2009. COZZOLINO, SMF; COMINETTI, C. Livro: Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição, nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. Ed. Manole, 1ª edição, 2013. MAHAN, L. Kathleen; ESCOTT-STUMP, Sylvia; RAYMOND, Janice L. (Ed.). Krause alimentos, nutrição e dietoterapia. 13. ed. São Paulo: Saunders Elsevier, 2013. BRASPEN. Terapia Nutricional no Paciente com Doença Renal. 2021.
Compartilhar