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Silva CP et al. 238 Rev Bras Nutr Clin 2009; 25 (3): 238-42 Consequências nutricionais na doença hepática crônica alcoólica Nutritional consequences of alcoholic chronic hepatic disease Unitermos: Hepatopatias. Alcoolismo. Doenças nutricionais e metabólicas. Keywords: Liver diseases. Alcoholism. Nutritional and metabolic diseases. Endereço para correspondência Maria Goretti Pessoa de Araújo Burgos Rua Baltazar Pereira, 70, apto. 601 – Boa Viagem – Recife, PE, Brasil – CEP 51011-550 E-mail: gburgos@hotlink.com.br Submissão 3 de setembro de 2008 Aceito para publicação 12 de dezembro de 2009 RESUmo Introdução: A inter-relação nutrição-doença hepática crônica por ingestão de álcool constitui tema de atualidade e interesse, pela elevada prevalência de hepatopatias em nosso país, com milhões de indivíduos afetados por cirrose alcoólica e outras afecções associadas. As alterações dos macro e micronutrientes ocasionadas pela doença hepática crônica alcoólica cursam com alterações metabólicas, causando grande impacto nutri- cional. objetivo: O presente trabalho teve como objetivo revisar a literatura acerca das consequências nutricionais na doença hepática crônica alcoólica. método: A pesquisa refere-se a um estudo de revisão bibliográfica, selecionando bancos de dados como SciELO, LILACS e Medline. Ainda, foram pesquisados livros técnicos, sites e teses relacionadas ao tema do estudo. Resultados: Grande parte dos estudos descreve a fundamental importância do perfeito entendimento destas alterações metabólicas, a fim de possibilitar uma intervenção nutricional adequada, como forma de reduzir a morbidade e mortalidade desta patologia. AbStRAct background: The inter-relation nutrition-chronic hepatic disease by alcohol ingestion is a current subject of interest because of the high prevalence of hepatopaties in our country, where millions are affected by alcoholic cirrhosis and other associated diseases. The alterations of the macro and micronutrients caused by alcohol chronic hepatic disease are accompanied by metabolic alterations and have great nutritional impact. objective: The objective of this study was to revise the literature pertaining to the nutritional consequences of alcohol chronic hepatic disease. methods: The research is a bibliographical revision of selected documents from dada banks such as SciELO, LILACS and Medline. Additionally, technical books, sites and theses related to the subject of study were researched. Results: Great part of the studies described the fundamental importance of the perfect understanding of these metabolic alterations, to facilitate adequate nutritional intervention and reduce morbidity and mortality of this pathology. 1. Nutricionista da Equipe de Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz – HUOC/ UPE, Recife, PE, Brasil; Mestre em Nutrição pela UFPE; Especialista em nutrição clínica pela UFPE; Especialista em Nutrição Enteral e Parenteral pela SBNPE. 2. Nutricionista do Serviço de Cirurgia Digestiva do Hospital das Clínicas/UFPE; Doutora em Nutrição pela UFPE; Especialista em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral pela SBNPE. 3. Nutricionista Residente do Serviço de Cirurgia Digestiva do Hospital das Clínicas/UFPE. Cristiane Pereira da Silva1 Maria Goretti Pessoa de Araújo Burgos2 Celina de Azevedo Dias3 AArtigo de Revisão Consequências nutricionais na doença hepática crônica alcoólica 239 Rev Bras Nutr Clin 2009; 25 (3): 238-42 INTRODUÇÃO O consumo de bebidas alcoólicas tem crescido na maioria dos países, vez que se trata de uma droga amplamente aceita pela sociedade, geralmente relacionada a momentos de festividade e de confraternização. Sua utilização pelo homem remota à Antiguidade e, atualmente, sua ampla aceitação social e cultural no Ocidente vem dificultando seu controle1. O álcool tem sido objeto de investigação científica, seja por estudos de seu efeito sobre órgãos, ou dos problemas a ele relacio- nados. De um lado, há um enorme esforço para maior entendimento sobre a fisiopatologia do alcoolismo. Por outro lado, seu estudo revela uma multiplicidade de ações tóxicas sobre células e tecidos, desencadeando mecanismos lesionais associados a várias doenças2. Apesar dos problemas, em diferentes níveis, que o consumo do álcool pode provocar no homem, o conceito do alcoolismo chega aos dias atuais sem que haja ainda um consenso sobre sua definição. Entretanto, segundo a 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10)3, o alcoolismo é entendido como “o uso padronizado de uma substância alcoólica que causa dano físico ou mental”. No Brasil, dados preliminares levantados em 2000 pela Universidade Federal de São Paulo constataram prevalência de 6,6% de alcoolismo na população de 24 municípios de São Paulo, com predominância na população masculina, porém com prevalência de 19,16% na feminina4. Alguns autores têm estudado o efeito do álcool nos sistemas corporais, constatando alterações no sistema nervoso, trato gastrointestinal, sistema hematopoético, cardiovascular, gênito- urinário, muscular, atividade sexual e desenvolvimento fetal5. Assim, uma revisão bibliográfica acerca das consequências nutricionais na doença hepática crônica alcoólica, com ênfase nas alterações dos macro e micronutrientes – objetivo deste trabalho – poderá acrescentar alguns conhecimentos a um assunto de reconhecida importância na área de nutrição clínica. MÉTODO A pesquisa refere-se a um estudo de revisão bibliográfica, selecionando os seguintes bancos de dados: SciELO, LILACS e Medline e escolhendo os idiomas português, inglês e espanhol. Os levantamentos sobre o tema são do período de 1992 a 2008 e os descritores selecionados foram “hepatopatias”, “doença hepática alcoólica”, “alcoolismo”, “nutrição”, “desnutrição”, “macronutrientes” e “micronutrientes”. Além disso, foram pesquisados livros técnicos, sites de Internet e teses relacionadas ao tema do estudo. COMPLICAÇÕES NUTRICIONAIS NA DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA (DHA) Alterações do metabolismo energético Pacientes com cirrose hepática apresentam desnutrição protéico-calórica (DPE), caracterizada por depleção dos estoques de gordura e/ou de massa muscular. Uma das causas da DPE pode ser o déficit de ingestão de substratos energéticos (carboidratos e gorduras), particularmente nos alcoólatras com hepatite grave. A anorexia pode ocorrer em virtude da inibição do apetite pelo álcool, que chega a suprir 50% do total calórico ingerido6-8. Outras alterações seriam possivelmente consequências da deficiência de zinco e magnésio7,9, provocando augesia, ação hipotalâmica dos níveis elevados de serotonina e elevação das citocinas, particularmente do fator de necrose tumoral (FNT) e interleucina1 (IL1)10,11. Apesar da ingestão dietética reduzida ser considerada o principal fator da DPE na doença hepática, de etiologia alcoó- lica ou não6,12, ocorrem alterações na digestão e absorção, por enteropatia e deficiência pancreática e biliar. A má absorção foi descrita em 26% dos pacientes, em função do aumento na excreção de nitrogênio e gordura nas fezes13. Quanto ao hipermetabolismo como causa da DPE, ainda não há consenso na literatura. Verboeket et al.14 observaram aumento signi- ficativo na taxa metabólica de repouso de pacientes cirróticos, tanto por unidade de peso corpóreo, como por massa livre de gordura. Embora constitua excelente substrato energético (7,1 kcal/g), o álcool não pode ser estocado, merecendo, portanto, toda prio- ridade hepática na sua metabolização. As duas vias hepáticas de metabolização do álcool, as enzimas álcool desidrogenase e citocromo P450E1, resultam em redução da oxidação dos ácidos graxos pelo ciclo de Krebs. Isso ocorre em função do acúmulo de acetaldeído, com inibição da glicólise e da neogli-cogênese e maior lactatogênese e cetogênese (via ácido beta- OH-butírico). Nestas condições, há desvio do potencial redox citossólico, instalando-se o hipermetabolismo energético7. Como consequência da lipólise periférica, menor oxidação e maior esterificação lipídica hepática, ocorre a esteatose, sem ou com hipertrigliceridemia. A hiperuricemia pode ser insta- lada pela menor excreção do ácido úrico, em função da maior eliminação dos ácidos monocarboxílicos (láctico e butírico)15. ALTERAÇÕES DO METABOLISMO PROTÉICO Em função da participação do fígado no metabolismo das proteínas plasmáticas e de uma série de aminoácidos, a doença hepática resulta, invariavelmente, em desnutrição protéica, que ocorre em maior frequência que a energética. A presença de desnutrição protéica pode ser confirmada pelas depleções das proteínas estruturais plasmáticas, mudança no perfil dos aminoácidos e imunossupressão11. Nesse sentido, é necessário considerar a diversidade meto- dológica, a intensidade da doença e o grau de “shunt” porto- sistêmico do paciente avaliado, o estado nutricional e a presença ou não do alcoolismo. Na ausência do álcool, os pacientes com insuficiência hepática leve (Child A) são normometabólicos por unidade de peso corporal, nas condições de jejum e alimentado16. Com exceção da albumina, todas as demais proteínas trans- portadoras de origem hepática sofrem modulação de micro- nutrientes, como Fe (transferrina), Zn, retinol (TTR e RBP), hormônios tireoidianos, corticosteroides ou estrógenos (TTR e RBP) ou, mais fortemente, das citocinas, particularmente as IL-1 e IL-6. Esse controle multifatorial dificulta a interpretação nutricional dos níveis dessas proteínas muito sensíveis no diag- nóstico da DPE na presença de função hepática preservada17. O agravamento da insuficiência hepática é caracterizado pela menor metabolização dos aminoácidos aromáticos e sulfurados, cujos produtos como neurotransmissores e mercaptanas preci- pitariam os sintomas neurológicos da encefalopatia hepática. As mercaptanas são produtos de metabolização da metionina pelas bactérias intestinais, enquanto o acúmulo, no cérebro, de Silva CP et al. 240 Rev Bras Nutr Clin 2009; 25 (3): 238-42 neurotransmissores verdadeiros (serotonina) ou falsos (tiramina e octopamina) é consequência do aumento do transporte de seus precursores (triptófano e fenilalanina) pela barreira hematoence- fálica. Contribui para esse transporte a diminuição dos níveis plas- máticos dos aminoácidos de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina), provocada tanto pela desnutrição protéica, quanto pelo hiperinsulinismo, comum nos pacientes cirróticos, que promove maior captação dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) pelo músculo, reduzindo suas concentrações plasmáticas. Com isso, há menor competição dos AACR com o triptófano, para entrada no cérebro, aumentando a produção de serotonina cerebral10. A LT E R A Ç Õ E S N O M E TA B O L I S M O D O S CARBOIDRATOS Com as reservas de glicogênio diminuídas, em consequência do déficit alimentar, o álcool inibe a produção hepática de glicose, via gliconeogênese. Esta alteração da gliconeogênese é o resultado da mudança do potencial redox (alteração da relação NADH/NAD) e a subsequente depressão da oxidação do piruvato. A glicogenólise também fica alterada, devido aos baixos depósitos de glicogênio, podendo resultar em hipogli- cemia. A falha desses mecanismos homeostáticos na doença hepática pode resultar também em intolerância à glicose. Em geral, a hipoglicemia é observada na doença hepática aguda grave, e a intolerância à glicose mais tipicamente na doença hepática crônica e cirrose. Esta hipoglicemia, por sua vez, pode requerer rápida lipólise para produção de energia e utilização de nitrogênio muscular dos aminoácidos para a gliconeogênese7. O grau de intolerância à glicose na doença hepática crônica varia de 57% a 80%, e a incidência da diabetes mellitus de 10 a 40%18. A resistência insulínica tem sido referida isoladamente após a refeição, ou associada ao aumento dos hormônios contrareguladores, como glucagon, hormônio do crescimento e catecolaminas19. Diversos autores demonstram que a cirrose alcoólica durante o jejum gera uma rápida e preferencial utilização de ácidos graxos em relação aos carboidratos. A utilização de nitrogênio muscular para a gliconeogênese e outras necessidades calóricas provavel- mente é a maior causa do desgaste muscular destes pacientes7,20. ALTERAÇÕES NO METABOLISMO DAS GORDURAS Os ácidos graxos livres séricos estão aumentados na cirrose e ocorrem alterações em seu perfil, com aumento significativo dos monoinsaturados e redução dos saturados e poliinsaturados, que, estes últimos, pela sua essencialidade constituem fator de grande significado clínico, podendo alterar a permeabilidade das membranas celulares e levar a uma redução da formação de eicosa- noides, principalmente de prostaglandinas vasodilatadoras, que têm papel importante na regulação da função renal e do sistema imune21. ALTERAÇÕES DE MINERAIS Anemia Dentre as causas da anemia em portadores de DHA estão as deficiências de fatores hematopoéticos, como folato, vitamina B12 e ferro (Fe), além de contribuir para o aparecimento de disfunções plaquetárias22,23. A anemia por deficiência de Fe parece ser o sinal clínico mais característico de pacientes cirróticos com gastropatia congestiva, devido ao sangramento, crônico e periódico, da mucosa gástrica. As hemorragias, a menor ingestão de Fe (pela anorexia) e a menor secreção de eritropoietina seriam os fatores causadores da anemia ferropriva, que é mediada pelas citocinas moduladoras da imunocompetência, em especial o fator de necrose tumoral (FNT) e interferon gama (IFNg), associados à resposta enfraquecida da eritropoietina sérica à anemia9,24. A concentração reduzida de folato foi observada nos eritró- citos, em 60-65% dos alcoólatras crônicos, enquanto a redução nos níveis séricos ocorreu em apenas 15% dos casos9,22. A defici- ência nutricional de folato, nesses pacientes, pode ser atribuída à menor ingestão (pela anorexia), menor absorção intestinal (pelo álcool e desnutrição), menor captação e retenção hepática (pela fibrose parenquimatosa) e maior excreção urinária22,25. Segundo esta linha de pensamento, o álcool inibe os transportadores de folato existentes nas membranas intestinais, hepáticas e tubular renal. Por outro lado, o acetaldeído desencadeia in vitro o catabolismo oxidativo da molécula do ácido fólico, o que pode explicar a observação clássica da inibição da resposta hemato- poética da medula óssea à administração terapêutica de ácido fólico, observada em voluntários alcoólatras anêmicos, depois de ingestão aguda de álcool26. O déficit de folato, devido à sua função na replicação celular do intestino delgado, contribui para a ocorrência da diarreia em alcoólatras, relacionada com a má absorção de nutrientes hidros- solúveis, como o folato e a glicose, com inibição da metionina sintetase, provocando alteração na regulação dos nucleotídeos e, provavelmente, aumento do risco de câncer26. A deficiência de vitamina B12 ocorre, com menor frequ- ência, nos alcoólatras, devido, provavelmente, aos grandes estoques hepáticos9. A maioria dos pacientes apresenta níveis séricos normais dessa vitamina, podendo haver, entretanto, pacientes com concentrações baixas no soro e no fígado11, sendo as causas da deficiência a ação direta do álcool, diminuindo a ingestão e absorção, além do aumento das necessidades13. Hipomagnesemia O álcool aumenta a excreção renal de magnésio, seja por um possível mecanismo tóxico direto que afeta a absorção tubular, ou pelo aumento do seu metabólito (ácido láctico), que compe- titivamente interfere com a captação renal de magnésio. Foi constatado, em estudoscom animais, além de maior excreção urinária, aumento no conteúdo hepático de magnésio13,27. Deficiência de Zinco Os níveis circulantes de zinco no soro dos pacientes com hepatopatia alcoólica encontram-se usualmente reduzidos, pela menor ingestão e absorção ou, mesmo, maior excreção urinária, podendo comprometer o metabolismo do nitrogênio. O zinco, também, encontra-se ligado à albumina, portanto a hipoalbu- minemia na DHA é frequente a zincopenia28. As consequências clínicas consistem em dermatites, alterações do paladar e olfato, podendo contribuir para a anorexia, cegueira noturna, diminuição na produção de testosterona, alteração da imunidade celular e retardo na cicatrização de feridas29. Este elemento é considerado Consequências nutricionais na doença hepática crônica alcoólica 241 Rev Bras Nutr Clin 2009; 25 (3): 238-42 essencial para vários processos metabólicos, exercendo ação protetora sobre as células hepáticas e, possivelmente, prevenindo o dano celular causado pelo estresse oxidativo30. Desequilíbrio Hidroeletrolítico O álcool pode alterar a homeostase da água e eletrólitos, antes mesmo de ocorrer dano hepático que explique essas desordens. A fisiologia normal da água e eletrólitos é significa- tivamente alterada, com maior reabsorção de potássio, retenção de sódio e cloro aumentados31. Múltiplas anormalidades funcionais dos túbulos renais estão associadas a modificações induzidas pelo álcool, relacionadas à composição da membrana e peroxidação lipídica destas células epiteliais31. ALTERAÇÃO DE VITAMINAS Deficiência de Vitaminas do Complexo B Em relação à tiamina, não se conhece a prevalência desta deficiência, porém em 2,2% das autopsias consecutivas em alcoólatras foram encontradas lesões neuropatológicas da Síndrome de Wernick – Korsakoff, que é caracterizada pelo quadro clínico de oftalmoplegia, ataxia e alterações de memória, neuropatia periférica, distúrbio mental e perda da capacidade de concentração em alcoólatras crônicos32. Níveis circulantes reduzidos de vitamina B6 (piridoxal 5-fosfato) também constituem achados comuns nesses pacientes23. A absorção da piridoxina é passiva, somente alte- rada quando a concentração de etanol é muito elevada; uma vez absorvida, é metabolizada no fígado, fosforilada a piridoxina- 5-fosfato e armazenada. No alcoolismo crônico, a deficiência de piridoxina é, em parte, decorrente ao deslocamento da forma ativa da vitamina, piridoxal-5-fosfato, pelo acetoaldeído, que ocupa seu lugar na proteína captadora, com consequente acele- ração da perda urinária da vitamina33. As outras vitaminas do complexo B, como a riboflavina, niacina e biotina, são deficientes em alcoólatras, devido à dimi- nuição no armazenamento hepático e na conversão a sua forma ativa, e pelo aumento da excreção urinária34. Deficiência de vitamina E A deficiência de vitamina E, comum em alcoólatras, parti- cularmente com pancreatite crônica, predispõe o hepatócito à peroxidação lipídica11. Nestes pacientes, além da má absorção intestinal, os níveis de alfa-tocoferol são influenciados pela DPC, menor estocagem hepática e degradação aumentada pelo hiper- metabolismo hepático ou pela peroxidação lipídica15. Portanto, de um modo geral, o álcool favorece o estresse oxidativo, com peroxidação dos lipídios da membrana dos eritrócitos (provo- cando anemia) e dos hepatócitos, perpetuando a doença hepática11. Hipovitaminose A As deficiências de vitaminas lipossolúveis são frequentes nos pacientes com má absorção de gorduras, alcoolismo crônico e naqueles em tratamento com colestiramina, glicocorticoides ou neomicina13. Tanto a depleção hepática de vitamina A (por dano lisos- somal) quanto seu excesso têm efeito adverso. O consumo crônico de álcool aumenta a hepatotoxicidade desta vitamina, provocando alterações morfológicas e funcionais na mitocôn- dria, com necrose hepática e fibrose35. A ingestão de álcool também pode aumentar a conversão de vitamina A a seus derivados mais tóxicos7. Níveis plasmáticos reduzidos de vitamina A e dificuldade na adaptação visual ao escuro, na cirrose hepática, podem ser atribuídos à menor mobilização hepática desta vitamina, por falta da sua proteína transportadora do complexo proteína ligadora do retinol-transtiretina (RBP-TTR), em consequência da desnutrição protéico-energética ou da deficiência de zinco (Zn). A deficiência desta vitamina também pode ser atribuída à má absorção e à redução das secreções biliares e pancreáticas17. Verifica-se depleção das reservas hepáticas de retinol em todos os estágios da hepatite de etiologia alcoólica, mesmo na ausência de alterações dos seus níveis plasmáticos, sugerindo que a enfermidade hepática pode interferir com a captação, excreção ou metabolismo dos alfa e beta-carotenos35. Com a suplementação de beta caroteno há interação com o álcool, resultando em hepatoxicidade, caracterizada por fibrose, carcinogênese e, provavelmente, embriotoxicidade. Portanto, a administração desta vitamina, em tais circunstâncias, deve ser cuidadosa, para não provocar hepatotoxicidade7,36. Imunossupressão As alterações imunológicas em pacientes com DHA podem resultar da ação direta do álcool sobre os mecanismos de barreira no trato gastrintestinal, cuja principal função é controlar a flora intestinal e prevenir a entrada de antígenos no sistema37. Há, nos alcoólatras crônicos, diminuição da secreção de ácido gástrico, importante regulador do crescimento da flora intestinal, o que contribui para aumento do crescimento bacte- riano jejunal encontrado nesses pacientes38. Estudos também constataram permeabilidade intestinal elevada a bactérias e/ou suas toxinas. A queda da defesa imuno- lógica pode ser consequência, também, da desnutrição induzida pelo álcool (anorexia, diminuição da absorção, utilização, estoque e excreção de nutrientes), juntamente com os efeitos imunotóxicos diretos do álcool, com consequente migração de bactérias, por meio de três mecanismos: aumento do número de bactérias no intestino, maior permeabilidade da mucosa intestinal e diminuição da defesa imunológica37. As células de Kupfer, macrófagos residentes no fígado, têm papel central na função fagocítica durante a sepse. Nessa condição, o álcool causa dano e saturação fagocítica das células de Kupfer, resultando em estímulo antigênico, produzido pela maior passagem de toxinas e bactérias para a circulação sistê- mica. Em resposta, ocorre o aumento da interleucina 1(IL-1) e FNT pelos macrófagos e monócitos, responsáveis pela ativação crônica dos linfócitos T. Por um lado, ocorre aumento dos níveis das imunoglobulinas séricas IgG e IgA, que têm capacidade para neutralizar toxinas e lise bacteriana e, do mesmo modo, uma evolução na exaustão desses linfócitos, após certo tempo, causando deficiência das citocinas que estimulam as funções imunocelulares, como a interleucina 2 (IL-2) e IFNg. Devido a essas alterações, os pacientes com cirrose de etiologia alcoólica evoluem um quadro de imunossupressão sistêmica17. Silva CP et al. 242 Rev Bras Nutr Clin 2009; 25 (3): 238-42 CONSIDERAÇÕES FINAIS Hipoglicemia, resistência insulínica, esteatose hepática e hipertrigliceridemia constituem achados comuns na DHA, assim como níveis elevados de alguns aminoácidos, com consequên- cias neurológicas, encefalopatia e coma hepático. As principais complicações na DHA são anemia ferropriva, megaloblástica, estresse oxidativo, aterogênese, relacionadas ao nível de homocisteína, hipovitaminose A e deficiência de zinco, deficiência de vitaminas do complexo B, hipomagnesia e imunossupressão. Fica assim evidenciada a fundamental importância do perfeito entendimento destas alterações metabólicas, a fim de possibilitar uma intervenção nutricional adequada, como forma de reduzir amorbidade e mortalidade dos portadores da DHA. REFERÊNCIAS 1. Crabbe JC. Use of genetic analyses to refine phenotypes related to alcohol tolerance and dependence. Alcohol Clin Exp Res. 2001;25(2):288-92. 2. World Health Organization. Classificação de transtornos mentais e de comportamento de CID-10. Descrição clinica e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre:Artes Médicas;1993. 3. Reis NT, Cople CS. Acompanhamento nutricional de cirróticos com história pregressa de alcoolismo. Rev Nut. 1998;11(2):139-48. 4. 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