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RACHEL DINIZ - @rachel_diniz Mindful Eating Mindfulness, cuja tradução mais aceita para o português é atenção plena, pode ser definida como a capacidade intencional de trazer atenção ao momento presente, sem julgamentos ou críticas, com uma atitude de abertura e curiosidade. A atenção plena pode ser considerada uma capacidade inata do ser humano. Ao longo dos anos, geralmente perdemos contato com o nosso frescor e curiosidade inatos ao passo que as experiências de vida nos trazem expectativas, regras, planos, preocupações, fantasias etc. Isso se aplica perfeitamente às nossas experiências alimentares, que passam a ser vividas sob influência das regras ditadas pela mídia, dietas, recomendações de profissionais de saúde e familiares, entre outras. MEDITAÇÃO BASEADA EM ATENÇÃO PLENA Embora a atenção plena seja uma capacidade inata, ela pode ser treinada. O modo formal mais conhecido de se treinar essa capacidade é a meditação. Todos os tipos de meditação cultivam a habilidade de focar a atenção em algo, que pode ser definido como a “âncora” da meditação. Na atenção plena, essa âncora é comumente a respiração ou as sensações corporais, em vez do foco em um único objeto, como uma palavra ou mantra, como em outros tipos de meditação. Na prática, segundo Bauer-Wu, o primeiro passo é estabilizar a mente, uma vez que ela tem a tendência de estar sempre ocupada com uma ideia naturalmente seguida de outra o tempo inteiro. Para isso, a respiração é comumente usada como foco neutro de atenção, porque está sempre presente (enquanto vivermos estaremos sempre respirando). Distrações são comuns no momento da meditação, mas o exercício é justamente perceber a distração e voltar a prestar atenção no momento presente (na respiração, por exemplo, caso ela seja o foco da prática). Para meditar, o ideal é escolher uma postura confortável, mas que não induza ao sono ou ao relaxamento total (por exemplo, deitar-se quando se está cansado). CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA DA ATENÇÃO PLENA Kabat-zinn descreve sete pilares chamados “qualidades da mente” necessários para a prática de atenção plena. São eles: não julgamento, paciência, mente de principiante, confiança, não resistência, aceitação e desapego. O quadro descreve resumidamente o significado de cada um destes pilares. Bases e princípios do comer com atenção plena O comer com atenção plena nos imerge nas cores, texturas, aromas, sabores e até mesmo sons do comer e beber. Permite que sejamos curiosos e até lúdicos enquanto investigamos nossas respostas à comida e nossos sinais internos de fome e saciedade. Aqueles que comem com atenção plena são, portanto, não julgadores, e estão atentos ao sabor, textura e processo do comer. Eles checam em seus corpos os sentimentos e pensamentos que lhes dizem se estão ou não com fome e satisfeitos, tanto física quanto emocionalmente. Dessa forma, o comer com atenção plena é muito mais amplo e complexo do que simplesmente “comer devagar, prestando atenção ao que se está comendo” O comer com atenção plena deve ser direcionado pela própria experiência interna do indivíduo, que é única. Dessa forma, cada indivíduo pode ser considerado um expert em si mesmo. As habilidades do comer com atenção plena são diferentes das habilidades cognitivas, tais como planejamento de refeições, preenchimento de diário alimentar e controle de porções em programas para perda de peso, por exemplo. A atenção plena está enraizada na noção de que, se ignoramos algo que estamos vendo, tocando ou comendo, é como se este algo não existisse. Portanto, se comemos distraídos, assistindo à televisão, por exemplo, não estamos de fato saboreando o que estamos comendo; nós continuaremos com fome e insatisfeitos, sairemos em breve procurando por algo que nutra e satisfaça. O comer com atenção plena é experiencial; o que aflora dessa experiência são os sentimentos e sensações particulares de cada um, ou seja, nesse sentido o indivíduo pode, sim, classificar a sua experiência (não o que comeu) como agradável, desagradável ou neutra. Deve-se ter paciência no processo de desenvolver o comer com atenção plena. A cultura e a sociedade impõem um ritmo de alimentação muito acelerado, em que as distrações são muitas, o tempo para comer é cada vez mais curto, os horários das refeições não são respeitados, os alimentos são rotulados como “bons” ou “maus”, “engordativos”, “proibidos”. Nesse contexto, é preciso muita paciência para que, aos poucos, com a prática, os elementos externos deixem de ser mais importantes do que os elementos internos (tais como os sinais internos de fome e saciedade), e paciência consigo mesmo quando se perceber julgando a comida ou sua própria experiência alimentar. Nesse caso, o terapeuta nutricional (TN) pode contribuir orientando seu paciente a viver novas experiências com a comida, e fortalecendo-o como autor de suas escolhas, e então propor que em uma próxima consulta ele venha contar e dividir com o profissional como se sentiu ao investir no comer com atenção plena. Os fundamentos da atenção plena podem ser aplicados ao ato de comer, e, dessa forma, auxiliar a mudança de comportamento alimentar. Intervenções baseadas em comer com atenção plena têm ganhado popularidade recentemente. Na literatura, é relatado uso de atenção plena para tratamento de obesidade e transtornos alimentares. COMER INCONSCIENTE – MINDLESS EATING O conceito do comer inconsciente (mindless eating) envolve a identificação de gatilhos ambientais e emocionais que levam os indivíduos a comer em excesso e sem se dar conta. Seria uma espécie de “antítese” do comer com atenção plena. Em maior ou menor grau, todos estamos expostos a situações de comer inconsciente, pois muitas das decisões alimentares tomadas diariamente (cerca de 200 por dia) ocorrem de forma automática. Tais gatilhos estão divididos em exposição, distração, tamanho das porções e utensílios e variedade. A exposição do indivíduo ao alimento e o consumo alimentar É sabido que a simples observação de um objeto aumenta a chance de interação com ele. O mesmo acontece com a comida: quanto mais próxima do observador ela estiver, maior pode ser o consumo e menor a percepção sobre quanto de fato foi consumido. Uma estratégia de mudança de comportamento é reduzir a exposição do indivíduo à comida em excesso e em momentos fora das refeições (por exemplo, não deixar alimentos na mesa do trabalho, nas gavetas do quarto etc.). Outra sugestão seria deixar mais próximos e visíveis alimentos que o indivíduo não tenha hábito de comer, como frutas e vegetais, a fim de aumentar seu consumo A distração e o consumo alimentar O ato de comer enquanto se realiza outras atividades – assistindo à televisão, lendo, escutando música, dirigindo, jogando no computador ou no celular – também pode levar os indivíduos a comer mais sem perceber. Muitos estudos mostram que a distração aumenta o consumo na própria refeição e também em refeições posteriores. O “comer distraído” envolve uma menor percepção dos sinais precoces de saciedade e uma menor lembrança do que foi consumido enquanto se realizava também outra atividade, o que pode levar a pessoa a comer mais na refeição seguinte. O tamanho das porções e utensílios e o consumo alimentar O tamanho dos utensílios e das porções pode influenciar no quanto de comida seria suficiente, razoável, normal, típico e apropriado para o consumo em determinado momento, levando até a se desconsiderar os sinais internos de saciedade. Sendo assim, quando o objetivo é a diminuição do consumo, uma estratégia é usar utensílios menores (pratos e tigelas, por exemplo) e comprar porções menores de alimentos já prontos para o consumo. Ao colocar a mesma quantidade de comida em pratos de diferentes tamanhos, a tendência é o indivíduo achar, ao usar o prato de menor tamanho, que comeu mais e melhor – e, portanto, até ficar mais satisfeito. A variedade e o consumo alimentarOutro aspecto que influencia as pessoas a comerem mais e sem perceber tem a ver com a variedade alimentar. Quando o indivíduo é exposto a uma variedade maior de comida – e, por consequência, de sabores – ele acaba comendo mais. Se existem menos opções, a pessoa “cansa” de sentir o mesmo gosto repetidas vezes (resultado da chamada “saciedade sensorial”) e acaba limitando o consumo. O TN pode usar seus conhecimentos e os dados sobre esse tema para mostrar racionalmente, e até cientificamente, ao seu paciente, como determinadas situações do dia a dia podem fazer com que ele coma de maneira inconsciente, muitas vezes uma maior quantidade de alimentos e/ou alimentos de pior qualidade nutricional, interferindo negativamente nas suas escolhas e nos seus sinais de fome e saciedade