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Leptospirose – profa Francielle Vargas 1 Leptospirose A leptospirose é uma doença infecciosa febril, de início abrupto e uma zoonose de elevada incidência no país, com uma média de 13.000 casos notificados por ano, sendo 3500 confirmados e letalidade média de 10,8% – pode chegar a até 40%. Atinge, em sua maioria, pessoas na faixa etária produtiva, dos 20 aos 49 anos e ocorre em todo o território nacional, durante todos os meses do ano, principalmente nos meses chuvosos, favorecendo a ocorrência de surtos. Sua ocorrência está relacionada às condições precárias de infraestrutura e alta infestação de roedores infectados. O agente etiológico é uma espiroqueta do gênero Leptospira, esta que é aeróbia obrigatória, helicoidal, flexível, móvel e apresenta extremidades em forma de gancho – forma patogênica é a L. interrogans. É uma doença com curso acelerado em humanos, terminando em cura ou óbito em menos de 3 meses, de modo que pode afetar ao mesmo tempo um grande número de pessoas no mesmo lugar – doença de notificação compulsória. Além disso, pode afetar inteiramente um organismo, atingindo diversos órgãos e sistemas. Transmissão: é causada por leptospiras patogênicas transmitidas pelo contato com urina de animais infectados ou água e lama contaminadas pela bactéria. Como principais reservatórios tem-se roedores, suínos, bovinos, equinos, ovinos e cães, de modo que estes não desenvolvem a doença, mas abrigam a leptospira nos rins e promove a eliminação desses patógenos vivos no meio ambiente através da urina, contaminando solo, água e alimentos. A penetração do microrganismo ocorre por pele com lesões, pele íntegra quando imersa em água por longo tempo, mucosas, contato com sangue e tecidos de animais infectados, ingestão de água e alimentos contaminados e transmissão acidental em laboratórios. Após invasão, a bactéria se dissemina através do sangue para todos os órgãos, incluindo o SNC. Os seres humanos são hospedeiros acidentais e terminais, sendo que o período de incubação da doença varia de 1 a 30 dias, sendo mais frequente entre 3 a 14 dias. Quadro clínico: doença apresenta manifestações clínicas variáveis, desde formas assintomáticas e oligossintomáticas até quadros clínicos graves associados a manifestações fulminantes. De modo geral, as manifestações podem ser divididas em: Fase precoce ou anictérica (3 a 7 dias): instalação abrupta da febre, cefaleia, mialgia em panturrilhas, náuseas, vômitos, anorexia, febre e outros sintomas inespecíficos – cerca de 15% evoluem para a forma tardia com manifestações graves e letais. Podem ocorrer diarreia, artralgia, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fotofobia, dor ocular e tosse. Um eritema macular, papular, urticariforme ou purpúrico, distribuídos no tronco ou região pré-tibial pode ocorrer em 10-20% dos pacientes. Hepatomegalia, esplenomegalia e linfadenopatia podem ocorrer, mas são achados menos comuns. A sufusão conjuntival (imagem) é um achado característico da leptospirose e é observado em cerca de 30% dos pacientes. Essa fase tende a ser autolimitada e regride em três a sete dias sem deixar sequelas. Em 1 ou 2 dias ocorre a defervescência da febre e inicia-se a fase imune, que dura de 4 a 30 dias e pode ser caracterizada por febre, meningismo, uveíte anterior/posterior, paralisia de nervos cranianos, entre outros – mantendo a leptospiúria que inicia com 2 semanas e pode durar até meses. Fase tardia ou ictérica (3 a 4 semanas): a manifestação clássica da leptospirose grave é a síndrome de Weil (10% dos casos), caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragia alveolar. Tem- se vasculite sistêmica que é agravada pela plaquetopenia, provocando petéquias, equimoses, hemorragias digestivas e pulmonares. Além disso, pode-se ter miocardite e alterações eletrocardiográficas. Leptospirose – profa Francielle Vargas 2 A icterícia é considerada um sinal característico e, tipicamente, apresenta uma tonalidade alaranjada muito intensa (icterícia rubínica), em geral aparecendo entre o 3º e o 7º dia da doença. O comprometimento pulmonar da leptospirose apresenta-se com tosse seca, dispneia, expectoração hemoptoica e, ocasionalmente, dor torácica e cianose – evoluindo para síndrome de insuficiência respiratória aguda. A leptospirose causa uma forma peculiar de insuficiência renal aguda, caracterizada geralmente por ser não oligúrica e hipocalêmica devido à inibição de reabsorção de sódio nos túbulos renais proximais, aumento no aporte distal de sódio e consequente perda de potássio. Outras manifestações frequentes na forma grave da leptospirose são pancreatite, anemia e distúrbios neurológicos como confusão, delírio, alucinações e sinais de irritação meníngea – meningite asséptica. Com menor frequência ocorrem: encefalite, paralisias focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain- Barré e mielite. Como sinais clínicos de alerta tem-se dispneia, tosse, taquipneia, alterações urinárias (oligúria), fenômenos hemorrágicos, hipotensão, alteração do nível de consciência, vômitos frequentes, arritmias e icterícia – indicam gravidade e internação hospitalar. Diagnóstico: laboratorialmente pode-se ter anemia, leucocitose com desvio a esquerda, transaminases normais ou elevadas, aumento de bilirrubinas sustentada por bilirrubina direta, CPK elevada, aumento de ureia e creatinina, potássio sérico normal ou reduzido, TP alargado, fibrinogênio elevado, leucocitúria, proteinúria, cilindrúria, acidose metabólica e hipoxemia. No raio-X pode-se ter opacificação de limites imprecisos (hemorragia alveolar). Para diagnóstico direto os métodos sorológicos, a partir do 7º dia de doença, são a melhor alternativa. O padrão-ouro é pela reação de microaglutinação, que detecta as variantes sorológicas e apresenta alta sensibilidade e é positiva em títulos maiores que 1:800. A reação de macroaglutinação é menos sensível, mas é mais acessível e de rápida execução. O teste de ELISA IgM detecta anticorpos da doença a partir de 7 dias, estes que ficam positivos por 1 a 2 meses. Diagnóstico diferencial: nas formas anictéricas pode-se confundir com dengue, gripe, malária, doença de Chagas aguda, toxoplasmose, febre tifoide e meningites. Nas formas ictéricas/graves pode-se ter como diagnóstico diferencial hepatites virais agudas, febre amarela, sepse, dengue, colangites e malária grave. Tratamento: é feito com doxiciclina a (100 mg, VO, 12/12h, 5 a 7 dias) ou amoxicilina (500 mg, VO, 8/8h, por 5 a 7 dias) nas formas moderadas. Nas formas graves utiliza-se penicilina G cristalina (1.5 milhões UI, IV, de 6/6 horas), ampicilina (50-100 mg/kg/dia, IV, dividido em quatro doses), ceftriaxona (80-100 mg/kg/dia, em uma ou duas doses) ou cefotaxima (50-100 mg/kg/dia, em duas a quatro doses) – pelo menos 7 dias. Além disso, realiza-se hidratação vigorosa com SF 0,9% ou ringer lactato, reposição de K+ se hipocalemia, terapia renal substitutiva, assistência ventilatória e transfusão de hemácias e plaquetas, se necessário. Como critérios de internação em UTI tem-se dispneia ou taquipneia (FR > 28 ipm), hipoxemia (PO2 < 60 mmHg em ar ambiente), escarros hemoptoicos ou hemoptise, tosse seca persistente, infiltrado em radiografia de tórax, com ou sem manifestações de hemorragia pulmonar, insuficiência renal aguda, distúrbios eletrolíticos e ácido-base que não respondem à reposição intravenosa de volume e/ou eletrólitos, hipotensão refratária a volume, arritmias cardíacas agudas, alteração do nível de consciência e hemorragia digestiva.