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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DOS ALIMENTOS BROMATOLOGIA (GCA-137) AULAS TEÓRICAS PROF. Dr. EDUARDO VALÉRIO DE BARROS VILAS BOAS LAVRAS - MG 2022 2 SUMÁRIO Página 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................................1 2 QUALIDADE........................................................................................................................................4 3 COMPOSIÇÃO QUÍMICA E VALOR NUTRITIVO.........................................................................17 3.1ÁGUA.................................................................................................................................................18 3.2 CARBOIDRATOS.............................................................................................................................23 3.3 LIPÍDEOS..........................................................................................................................................41 3.4 PROTEÍNAS......................................................................................................................................58 3.5 MINERAIS........................................................................................................................................85 3.6 VITAMINAS.....................................................................................................................................96 LITERATURA CONSULTADA E RECOMENDADA........................................................................111 1 1 INTRODUÇÃO A palavra “Bromatologia” é originária do grego Broma = alimento e Logos = ciência, sendo portanto entendida como a “Ciência dos Alimentos”. A Bromatologia estuda os alimentos sob diferentes perspectivas, a saber: • composição química dos alimentos; • função desses compostos no organismo; • de posse do conhecimento relativo às duas primeiras perspectivas, a Bromatologia fornece o suporte necessário à promoção de normas e legislações que visam coibir fraudes e garantir a qualidade dos diferentes alimentos comercializados, buscando salvaguardar a saúde do consumidor. Desde os primórdios das civilizações até os tempos atuais, a expectativa com relação aos alimentos sofreu uma série de modificações. Os alimentos que eram utilizados, a princípio, fundamentalmente para sobrevivência, em função de sua composição nutricional, são consumidos hoje de acordo com um amplo conceito de qualidade, além da possível conveniência no momento de seu preparo e/ou consumo e seu valor econômico. Atualmente, o homem tem se deparado com dois grandes problemas: a aumento populacional, com consequente incremento na demanda por alimentos e a redução de áreas agricultáveis, em função da expansão das áreas urbanas. Mas o que fazer diante dessa situação? O controle da natalidade, ou mesmo o planejamento familiar, o aumento da produção por unidade de área e a minimização de perdas, com o melhor aproveitamento dos alimentos, vislumbram-se como alternativas viáveis. A pesquisa tem investido com sucesso no melhoramento genético de variedades de espécies vegetais e raças animais mais adaptadas a determinadas condições e mais produtivas. Tem também desenvolvido técnicas, das mais simples às mais sofisticadas, que estendem a vida útil de diferentes produtos, salvaguardando seus atributos de qualidade, no seu sentido mais amplo. Ainda assim, as perdas de produtos agropecuários, principalmente em países subdesenvolvidos e emergentes, chega a superar a casa dos 50%, em alguns casos. Tamanha perda se reflete numa população desnutrida, com sintomas aparentes de deficiências calórico-proteica, vitamínica e mineral, cada vez mais carente e miserável. Tal retrato é também um reflexo da falta de conhecimentos com relação aos alimentos e seus nutrientes por parte da população e falta de apoio técnico nutricional, o que acaba levando-a a uma alimentação desbalanceada e desequilibrada. A desnutrição pode ainda se dissimular por trás da obesidade, outro problema gerado por uma alimentação desregrada, que normalmente se associa com a 2 síndrome metabólica, aumentando a probabilidade de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes. Os alimentos são produtos, normalmente, de origem vegetal e animal que compõe a dieta do dia- a-dia; podem ser consumidos "in natura" ou na forma processada. Os alimentos constituem-se nos principais veículos para aquisição de nutrientes. Sua composição varia em função de espécies, variedades, raças, órgãos e até mesmo entre tecidos e células vizinhas. O processamento pode influenciar substancialmente o valor nutricional dos diferentes alimentos. Os nutrientes constituem-se nos diversos compostos encontrados nos alimentos. Eles são fundamentais à sobrevivência dos seres vivos. Podem ainda ser encontrados em fertilizantes e no solo, d'onde são extraídos e utilizados para o crescimento e desenvolvimento dos vegetais. Os vegetais assumem uma posição de destaque na síntese e transformação de nutrientes e na produção de alimentos, uma vez que absorvem os minerais a partir do solo e por meio de sua capacidade fotossintética, são hábeis em fixar o CO2 atmosférico, transformar energia do sol em energia química, armazenando-a, a princípio na forma de glicose. A glicose serve, então, como ponto de partida para a síntese de todos os compostos orgânicos encontrados na natureza, como os demais carboidratos, ácidos graxos que irão constituir as gorduras, aminoácidos que irão se polimerizar dando origem às proteínas, vitaminas, fenólicos, etc. Esses vegetais servem então como alimento e fonte de nutrientes diretamente ou indiretamente, quando são utilizados na alimentação animal, transformados em carne que é, posteriormente, utilizada na alimentação. Os nutrientes são agrupados em diferentes categorias, de acordo com a natureza das funções que desempenham no organismo. Os carboidratos e gorduras são chamados de nutrientes energéticos, por serem facilmente metabolizáveis. As proteínas são consideradas nutrientes plásticos devido à sua importância na formação e regeneração dos tecidos. As vitaminas, por serem fundamentais no equilíbrio do metabolismo são tidas como nutrientes reguladores. Já os minerais são considerados, ao mesmo tempo, como nutrientes plásticos, uma vez que constituem o esqueleto animal e reguladores do metabolismo. A água, o veículo das reações endocelulares, é essencial à alimentação diária, seja para saciar a sede, diretamente, seja indiretamente na forma de alimentos líquidos e sólidos. Todos os nutrientes mencionados são imprescindíveis ao metabolismo. Boa parte deles é sintetizada pelo próprio organismo, desde que haja substrato para isso. Entretanto, aqueles que não são sintetizados pelo organismo e que devem ser adquiridos por meio da alimentação são considerados como essenciais, a exemplo das vitaminas e alguns minerais, aminoácidos e ácidos graxos. 3 A Bromatologia é importante sob a perspectiva de diferentes profissionais, de diversas áreas, como Ciências Agrárias, Ciência dos Alimentos, Saúde e Química. Os conhecimentos de Bromatologia dão subsídios a profissionais que trabalham em diferentes segmentos, tais como: • balanceamento dietético - o conhecimento da composição química e função desses compostos no organismo é fundamental para um adequado balanceamento dietético, seja para humanos, seja para as diferentes espécies animais; • conservação de alimentos – relacionada diretamente com sua composição, sendo que o teor de água dos alimentos assume um papel de destaque na sua conservação. • melhoramento genético – a obtenção de produtos melhorados geneticamente com maiores ou menores teores de componentes específicos (animaiscom menor teor de gordura na carcaça, soja com maior teor de proteína ou óleo, etc.) depende do apoio da Bromatologia. • Processamento de alimentos e desenvolvimento de novos produtos – visto que o processamento dos alimentos interfere na sua composição, valor nutritivo e potencial sensorial e funcional, a Bromatologia é disciplina básica nesse segmento. Logo, o objetivo do presente texto é o de caracterizar a qualidade dos alimentos, com ênfase ao seu valor nutricional, estudando sua composição química, bem como a função desses compostos no organismo. 4 2 QUALIDADE O sucesso do setor agroindustrial depende, sobremaneira, da geração de produtos de qualidade, que devem reunir atributos que satisfaçam as exigências do consumidor. A qualidade envolve diferentes aspectos que podem assumir distintos níveis de importância entre o mercado produtor e consumidor e dentro de diferentes segmentos de cada mercado. Normalmente, a qualidade é vislumbrada a partir de atributos sensoriais, como a aparência, o sabor e a textura, atributos nutricionais e segurança. O apelo funcional de um alimento, pela sua importância, também deveria ser considerado um atributo de qualidade. Ele é ditado pela presença de compostos bioativos, normalmente com alto poder antioxidante e alegadamente efetivos no combate ao envelhecimento precoce e na redução de riscos de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. A conveniência que o alimento carrega consigo, seja naturalmente, ou agregada pela indústria de alimentos, também pode ser considerada como um atributo de qualidade. Ademais, o preço pode ser inserido dentro do conceito de qualidade, visto que um produto pode estar acessível ou não, para avaliação de sua qualidade, em função do preço. Logo, a coordenada e harmônica reunião desses atributos caracteriza a qualidade dos alimentos e tem um forte impacto no seu valor comercial. A despeito de padrões rígidos de qualidade estabelecidos em legislações, especificamente para diferentes produtos alimentícios, a qualidade deve ser entendida como um conceito subjetivo que pode variar de acordo com o mercado consumidor e suas expectativas e exigências. Os vegetais se caracterizam, após a colheita, por manterem seu estado vivo. Enquanto ligados à planta mãe, vivem às suas expensas, acumulando fotossintatos. Após serem destacados, continuam respirando, queimando os substratos acumulados. Quanto maior a taxa respiratória, menor a vida pós- colheita. Os vegetais estão sujeitos, na pós-colheita, a uma série de modificações que afetam diretamente sua qualidade. Diferentemente dos vegetais após a colheita, produtos de origem animal como o leite e mel, não são considerados vivos per si, ou têm seu estado vivo extinto após o abate do animal, como é o caso de carnes e pescados. O processamento de vegetais, normalmente, também extingue seu estado vivo. Mudanças na aparência, sabor, aroma e textura, bem como na própria segurança, podem ser observadas durante o armazenamento de alimentos, independentemente de sua origem, podendo tais mudanças serem desejáveis, ou não. Ressalta-se que o consumo de produtos vegetais integrais e frescos tem sido estimulado cada vez mais visto que existe uma associação direta entre o consumo de produtos de origem animal e vegetais processados e aumento na incidência de problemas cardiovasculares. Os vegetais integrais se destacam por não veicularem colesterol, por apresentarem, como no caso de frutas e hortaliças, baixos teores de 5 óleos, óleos esses ricos em ácidos graxos insaturados, e como fontes insuperáveis de fibras, além de possuírem um excelente balanço entre vitaminas e minerais. A Organização Mundial da Saúde, preocupada com a saúde da população, tem investido maciçamente, nos últimos anos, na campanha “five a day” que prega o consumo diário de pelo menos 5 porções de frutas e hortaliças, não se abrindo mão do consumo de pão e cereais, bem como do consumo moderado de produtos de origem animal. A qualidade de um alimento pode ser entendida como a reunião de atributos sensoriais e nutricionais, bem como sua segurança e possível apelo funcional e conveniência. A seguir, a qualidade de alimentos será discutida sob essa perspectiva. 2.1 Atributos sensoriais Os atributos sensoriais são aqueles que sensibilizam os órgãos sensoriais do consumidor, interferindo, consequentemente, nos cinco sentidos: visão, paladar, olfato, tato e audição. O sistema sensorial dos animais é composto, de fato, por órgãos dotados de receptores capazes de identificar a aparência, o aroma, o gosto, o sabor e a textura dos alimentos. Os olhos, os ouvidos, o nariz, a língua e a pele são os principais órgãos sensoriais dos humanos, que captam estímulos físicos e químicos, transformando-os em impulsos elétricos, que são transmitidos ao sistema nervoso central, onde são processados. 2.1.1 Aparência Embora todos os atributos sejam relevantes do ponto de vista da qualidade, normalmente, a aparência constitui-se no primeiro atributo avaliado pelo consumidor no momento da aquisição de um alimento. Um produto reprovado pela avaliação visual do consumidor, geralmente, não passa por qualquer outro tipo de avaliação, sendo, de imediato, rejeitado. A aparência é um atributo sensorial que sensibiliza a visão do consumidor. O tamanho, a forma, a coloração, o brilho, a presença ou ausência de defeitos constituem-se em quesitos básicos na avaliação da aparência de um alimento. 2.1.1.1 Tamanho Atualmente, o tamanho do alimento tem sido um fator decisivo no momento da aquisição de um produto alimentício. Com a redução do número de pessoas por família e uma valorização da 6 independência que leva a opção por se morar sozinho, o consumidor tem preterido alimentos ou unidades de comercialização muito grandes ou pesados por produtos menores, mais leves e mais adequados a suas exigências imediatas. A aquisição de produtos alimentícios muito grandes ou unidades de comercialização com alto volume consumível, normalmente, leva ao desperdício. Tal desperdício vem de encontro com a concepção ecológica, tao valorizada, além de pesar no bolso do consumidor. O superdimensionamento do produto vegetal final buscado exaustivamente em trabalhos de melhoramento genético no passado vem sendo substituído pela obtenção de produtos com o tamanho ideal, do ponto de vista do mercado consumidor. Produtos acondicionados em pequenas embalagens poliméricas ou contêineres tem abarcado uma grande fatia do mercado consumidor, tanto pela conveniência e comodidade, quanto pela economia. 2.1.1.2 Forma O formato do alimento, uma característica genética manipulável pelo processamento após a colheita ou abate, desempenha seu papel no valor de comercialização dos mesmos. O consumidor tende a associar, em sua mente, formas específicas a produtos específicos. Se o produto colocado no mercado não satisfaz a essa expectativa do consumidor, há uma grande probabilidade desse produto ser rejeitado. Não obstante, a inovação no campo de alimentos in natura ou processados com novos formatos, aliada a um bom trabalho de marketing, tem um grande potencial de exploração. 2.1.1.3 Coloração A coloração representa, normalmente, o mais importante determinante da aparência em alimentos, frescos ou processados. De uma forma simples, a coloração é o que nós vemos quando olhamos para um alimento. É uma característica da luz que sensibiliza a retina do olho do observador humano. Luz é energia radiante na faixa visual do espectro eletromagnético que ocorre dentro dos limites de 400 a 700 nm. A reflexão de diferentes comprimentos de onda resulta em diferentes sensações de cor (400 a 500 nm – azul; 550 a 600 nm – amarelo; 600 a 700 nm – vermelho). Se existe igual reflexão de todos os comprimentos de onda a sensaçãoé branca e contrariamente, se existe igual absorção de todos comprimentos de onda a sensação é preta. A absorção e reflexão diferencial de todos os comprimentos de onda resulta na sensação de cor. O grau ao qual a retina do olho é estimulada será dependente não apenas da luz disponível mas também da natureza da superfície refletiva, que irá determinar a aparência brilhante ou fosca de um objeto. Por exemplo, se a luz é refletida em uma superfície lisa, então sua 7 aparência será brilhante, enquanto se a superfície é irregular, ela irá refletir a luz em diferentes ângulos, conferindo uma aparência fosca ao objeto. Tal distinção pode ser importante na valorização da aparência de diversos alimentos, visto que um certo lustre é uma vantagem em alguns produtos, como morangos frescos. Em outros, contudo, pode ser uma desvantagem, como em cenouras enlatadas. Os pigmentos vegetais, como as clorofilas, carotenoides, antocianinas e betalaínas, desempenham um papel fundamental na coloração dos vegetais. A coloração se associa diretamente com o frescor e grau de maturação, no caso de frutas e hortaliças in natura. A mudança na coloração é uma das características mais flagrantes durante o amadurecimento de frutos e senescência de hortaliças. Genericamente, os frutos quando imaturos apresentam uma coloração esverdeada que vai cedendo lugar a outras cores (amarelo, vermelho, azul, violeta) com o amadurecimento. As hortaliças folhosas mantêm sua condição comercializável, normalmente, enquanto mantêm sua tradicional coloração verde. À medida que a hortaliça perde o frescor, ela senesce, tendendo a amarelecer. O escurecimento da alguns vegetais, normalmente catalisado por enzimas dos grupos das polifenoloxidases e peroxidases, ocorre em resposta ao armazenamento inadequado ou a um processamento impróprio. Os tecidos vegetais armazenam quantidades apreciáveis de substâncias oxidáveis, como os fenólicos e enzimas oxidativas, em compartimentos separados, que podem ser colocados em contato em função da descompartimentação promovida pelo processamento ou pelo armazenamento inadequado. A hemoglobina e mioglobina são cromoproteínas responsáveis pela pigmentação das carnes vermelhas. O armazenamento inadequado de carnes, por exemplo a altas temperaturas e na presença de oxigênio, pode levar à oxidação da mioglobina, sequencialmente às forma de oximioglobina e metamioglobina, culminando com o seu escurecimento. Indubitavelmente, a coloração interfere na presença de um produto no mercado, por ser um indicativo de seu frescor, ou de sua qualidade. Variedades de milho branco, com proteína de alta qualidade, encontram barreiras para penetração no mercado face ao tradicional mercado do milho amarelo. Frutos esverdeados são indicativos de frutos insípidos, muito ácidos e/ou pouco doces. Folhosas e forrageiras amarelas trazem a impressão de produtos fibrosos, velhos e inaptos para o consumo. Frutas e hortaliças minimamente processadas (descascadas, fatiadas e prontas para consumo) escurecidas sugerem produtos com prazo de validade vencido, inadequados para a comercialização. Já carnes e pescados escuros dão indícios de armazenamento inadequado, qualidade pobre e até mesmo produto deteriorado. 8 2.1.1.4 Brilho O brilho de muitos vegetais, imposto pela presença de ceras, destaca a coloração original do produto, bem como eleva o seu valor comercial. A camada cerosa que recobre a superfície de uma gama de vegetais é uma barreira natural contra perdas transpiracionais e osmóticas. O brilho dos vegetais pode ser incrementado pela aplicação exógena de ceras, naturais e artificiais. Tal procedimento é utilizado para melhorar a aparência do produto, bem como para estender sua vida útil, uma vez que as ceras diminuem as perdas hídricas do vegetal, evitando ou pelo menos minimizando seu murchamento ou enrugamento. O enceramento de citros, maçãs e mangas é um artifício utilizado para melhorar seu valor comercial. 2.1.1.5 Defeitos A variação é um fator inerente na produção de produtos agropecuários. Devido a variação, algumas porções do total de cada produto a ser colhido desviarão daquilo que é considerado ótimo para um ou mais componentes de qualidade. Produtos nessa condição apresentam defeitos de qualidade. A presença de defeitos em alimentos, como arranhões, machucaduras, desuniformidade de coloração, tamanho e forma e corpos estranhos compromete sua qualidade e, logo, seu valor. Dessa forma, o estabelecimento de padrões condizentes a determinados nichos de mercado de produtos alimentícios é um passo fundamental na obtenção de alimentos de alta qualidade. 2.1.2 Sabor O sabor é, normalmente, o atributo de qualidade mais valorizado na maioria dos alimentos, embora essa constatação não diminua a importância dos demais atributos. Talvez por sensibilizar conjuntamente três órgãos sensoriais, o olfato, paladar e tato, ele seja tão valorizado. De fato, o sabor diz respeito à combinação do aroma, gosto e textura de um alimento. O gosto é marcado, basicamente, por quatro sensações, doce, ácido, amargo e salgado, embora o umami, também seja uma sensação de gosto. Os açúcares conferem o gosto doce aos vegetais, destacando-se a glicose, frutose e sacarose. Pertencem ao grande grupo dos carboidratos. Se enquadram, normalmente, na categoria de mono- e dissacarídeos, sendo solúveis em água e solução hidroalcoólica. Em geral, contribuem com mais que 9 70% dos sólidos solúveis totais dos vegetais consumidos. O aumento na doçura dos vegetais tende a ser proporcional ao aumento nos teores de seus açúcares. A acidez é conferida pela presença de ácidos orgânicos nos alimentos. Os ácidos cítrico, málico e tartárico predominam em vegetais frescos, enquanto o ácido lático no leite e carnes. O ácido cítrico é proeminente em frutas cítricas, o málico encontrado em abundância em banana e maçã, enquanto o tartárico e característico de uvas. A acidificação de alimentos é uma das alternativas viáveis de prolongamento de sua vida útil, sendo o ácido acético muito utilizado para esse propósito. A acidificação de alimentos inibe o desenvolvimento de microrganismos patogênicos, principalmente as bactérias. Os compostos fenólicos, destacando-se os taninos e os terpenoides desempenham um importante papel no desenvolvimento de amargor dos produtos de origem vegetal. O amargor, em alguns casos, vem acompanhado da adstringência, que é uma sensibilidade tátil das papilas gustativas ao composto em questão, gerando a sensação de “aperto”. Tal sensação é muito comum em caqui e banana imaturos. Os terpenoides são comuns em frutos cítricos gerando a sensação de amargor característica de limas e grapefruits. Os sais minerais conferem peculiaridades de sabor aos vegetais, embora pouco perceptíveis, naturalmente. A sensação proporcionada pelos sais minerais mais conhecida é o gosto salgado gerado pelo NaCl (sal de cozinha). A adição de sal de cozinha aos alimentos é realizada com o intuito de se modificar seu sabor e/ou aumentar sua vida útil. Não obstante, o excesso de sódio na alimentação tem sido associado a problemas cardiovasculares, devido à característica do sódio de elevar a pressão arterial, o que pode levar ao infarto do miocárdio. O umami é uma sensação de gosto pouco explorada, em comparação às outras quatro já discutidas. O glutamato monossódico, utilizado como realçador de sabor, sensibiliza papilas gustativas específicas, conferindo o umami de um alimento. O aroma é ditado por milhares de compostos voláteis liberados, por exemplo, pelos vegetais em diferentes estádios de seu desenvolvimento. Espécies e variedades distintas de vegetais produzem diferentes espectros de voláteis que lhes conferem o aroma e sabor intrinsicamente peculiares. Com efeito, os compostos voláteis que determinam o aroma dos diferentes alimentos se enquadram em distintas categoriasde compostos químicos, dentre as quais destacam-se ésteres, aldeídos, alcoóis, cetonas, lactonas, éteres, ácidos orgânicos e hidrocarbonetos de baixa massa molecular. Centenas desses compostos são emanados pelos vegetais em diferentes concentrações, dependendo da espécie, variedade, estádio de desenvolvimento, condições ambientais e processamento. 10 2.1.3 Textura A textura sensibiliza o tato, a audição e até mesmo a visão do consumidor. De olhos fechados, pelo tato, podemos distinguir um fruto maduro, mais macio, de um fruto verde, mais firme. Pela audição, podemos aceitar ou rejeitar um biscoito, em função da presença ou ausência da crocância característica gerada no momento da mordida. A partir de uma avaliação visual da superfície de um alimento podemos ter uma ideia de sua possível textura. Indubitavelmente a textura é um dos mais importantes atributos sensoriais da qualidade do alimentos, sendo definida de várias formas. Enquanto algumas pessoas definem textura com base na morfologia celular, outras se baseiam em características sensoriais associadas a ela. A textura de vegetais é dependente do turgor celular bem como dos tecidos de suporte e coesividade das células. Pode ainda ser definida como aquelas propriedades do produto detectadas pelos olhos e pela sensibilidade da pele e músculos da boca após a ingestão de algum alimento, sólido, semi sólido ou líquido. Bourne (2002) define as propriedades texturais de um alimento como aquele grupo de características físicas que sensibilizam o toque, são relacionadas à deformação, desintegração e fluxo do alimento sob a aplicação de uma força e são medidas objetivamente pelas funções de força, tempo e distância. O mesmo autor ainda estabelece que textura é composta de várias propriedades que envolvem uma gama de parâmetros. Essas propriedades incluem características mecânicas, como dureza, viscosidade e mastigabilidade, geométricas, como tamanho e forma da partícula e químicas, como teor de umidade e gordura. De fato, a identidade textural de um alimento é, normalmente, avaliada e definida a partir de diferentes variáveis. A seguir são apresentada algumas dessas variáveis, passíveis de análises objetivas, descritas por Szczesniak (2002). • Dureza – também conhecida como firmeza, diz respeito à força requerida para compressão do alimento entre os dentes, ou seja, a força necessária para se obter uma dada deformação, ou ruptura do material; • Mastigabilidade - energia requerida para triturar um alimento sólido até um estado pronto para ser engolido; • Elasticidade - taxa na qual um material deformado é capaz de retornar à sua condição não deformada após a remoção da força de deformação; • Coesividade - medida em que um material pode ser deformado antes de se romper. • Adesividade – força que o alimento exerce sobre os dentes, impedindo que ele retorne. 11 • Gomosidade – grandeza que se aplica apenas a produtos semi sólidos, sendo, portanto, mutuamente exclusiva com mastigabilidade, visto que um alimento não pode ser, ao mesmo tempo, semi sólido e sólido. A gomosidade é obtida a partir da multiplicação da Dureza com a Coesividade. Por outro lado, a multiplicação da gomosidade com a elasticidade permite a determinação da mastigabilidade; • Resiliência - capacidade de um produto recuperar sua forma e tamanho originais, após sofrer uma única compressão. Na medição da resiliência, a velocidade de retração do mecanismo utilizado na compressão deve ser o mesmo da velocidade de compressão. Apresenta alguma similaridade com elasticidade. Entretanto, a medição da elasticidade exige mais que uma compressão, enquanto a resiliência, apenas uma. A textura dos vegetais é determinada pelas organelas celulares e seus constituintes bioquímicos, teor de água ou turgor e composição da parede celular. Logo, qualquer fator externo que afete essas características pode modificar a textura, podendo, portanto, levar a alterações na qualidade final do produto. A mais desejada textura de um vegetal varia com o produto e preferência do consumidor. Algumas pessoas preferem vegetais mais firmes e crocantes que outros. As mudanças texturais ocorrem normalmente durante o crescimento e desenvolvimento acreditando-se estarem envolvidas em mudanças programadas geneticamente na estrutura da parede celular e outros fatores fisiológicos envolvidos no desenvolvimento do órgão vegetal. A maturidade comercial do vegetal é fundamental na determinação da sua textura, ocorrendo em vários estádios do desenvolvimento dependendo da cultura e tecido consumido. A textura dos vegetais se associa diretamente com seu teor de fibras, amido e água. As fibras são constituídas basicamente por compostos da parede celular. A parede celular é um intricado amálgama entre carboidratos (celulose, hemicelulose e substâncias pécticas), lignina, proteínas, minerais e substâncias incrustantes, como cutina e suberina. Os polissacarídeos da parede celular, principalmente as substâncias pécticas, têm sido os compostos mais associados com as modificações texturais de vegetais. O amaciamento é uma característica marcante observada durante o amadurecimento de frutos. O amadurecimento é uma etapa no desenvolvimento dos frutos, que os torna aptos para o consumo. A medida que o fruto amadurece, tende a amaciar, face a uma despolimerização e solubilização de compostos de parede celular, destacadamente as pectinas. O processo é mediado por enzimas, dentre as quais destacam-se a Pectinametilesterase (PME), Poligalacturonase (PG) e Beta-galactosidase. O 12 processo bioquímico associado ao amaciamento ainda não está totalmente elucidado, cogitando-se uma complexa e coordenada ação enzimática. A conversão de amido em açúcares e vice-versa também é considerada importante nas modificações texturais de vegetais. O amaciamento de bananas durante seu amadurecimento é mediado pela hidrólise de amido, modificações nos constituintes da parede celular e perdas transpiracionais e osmóticas de água. O enrijecimento de alguns vegetais está associado, na maioria das vezes, com a lignificação de seus tecidos. A lignina é um polímero fenólico que se deposita sobre a parede celular, impermeabilizando-a, levando a célula à morte. A lignificação é um artifício de proteção utilizado pelos vegetais. A lignificação de forrageiras é um processo natural que ocorre durante o seu envelhecimento e que leva a impermeabilização das células, o que dificulta ou mesmo impede o acesso de enzimas digestivas, diminuindo por exemplo, a digestibilidade das proteínas do alimento. A textura das carnes se associa, principalmente, com a estrutura química e física de suas proteínas e seu teor de umidade. O enrijecimento de carnes é, normalmente, desprezado pelos consumidores. O enrijecimento das carnes pode estar associado a alterações de pH, cortes equivocados, perda de água e calor. 2.2 Valor Nutritivo e potencial funcional O conhecimento do valor nutritivo dos alimentos é de suma importância, visto que as exigências nutricionais do ser humano são satisfeitas a partir de uma alimentação equilibrada. O balanço dietético se sustenta no conhecimento da composição química dos alimentos e na função desses compostos no organismo. Logo, o valor nutritivo dos alimentos é vislumbrado a partir de sua composição química com ênfase nos teores de água, proteínas, lipídeos, carboidratos, vitaminas e minerais. Já o potencial funcional dos alimentos se associa com a presença e concentração de compostos bioativos, normalmente, com alta capacidade antioxidante. O apelo funcional de alimentos é, geralmente, associado à presença de compostos diversos, como vitamina C, fenólicos, carotenoides e fibras. A composição química dos alimentos e seu valor nutricional e potencial funcional serão discutidos de forma mais pormenorizada do tópico 3 deste texto acadêmico.13 2.3 Segurança Ao se colocar um alimento na mesa do consumidor deve se ter em mente que sua saúde deve ser preservada. Um alimento pode responder a todas as expectativas sensoriais do consumidor, ser nutricionalmente desejável, mas se não for seguro, não pode ser entendido como alimento de qualidade. A segurança envolve aspectos físicos, químicos e microbiológicos. Embora os estrangeirismos “food safety” e “food security” sejam, normalmente, traduzidos no Brasil como segurança alimentar, eles apresentam conceitos diferentes, mas inter-relacionados. A ciência em torno de “Food safety” envolve o manuseio, a preparação e o armazenamento de alimentos, visando- se a prevenção de doenças e injúrias. Aspectos físicos, químicos e microbiológicos são considerados. Já “food security”, direito de todo cidadão, envolve a garantia de acesso físico e financeiro, da população, independentemente de sua classe social, a uma alimentação de qualidade, nutricional e sensorialmente adequada, considerando-se os hábitos alimentares e costumes, e segura, em quantidade suficiente e de modo permanente, que suporte uma vida saudável e ativa. Esse direito, no Brasil, também é traduzido como segurança alimentar e nutricional. Para tanto são necessários esforços para aprimoramento da cadeia de produção, distribuição e suprimentos, o que garantiria a disponibilidade dos alimentos em quantidades suficientes, bem como investimentos em nutrição e saúde, visando uma alimentação nutricionalmente adequada e segura. A segurança alimentar é um dos mais importantes temas da atualidade, constantemente discutidos na Organização Mundial da Saúde (OMS), Food and Agriculture Organization – USA (FAO) e em órgãos governamentais de diversos países, incluindo o Brasil. A integridade do consumidor não pode ser ameaçada, de forma alguma, pela presença de agentes físicos, potencialmente agressivos, nos alimentos. Esses agentes físicos podem ser intrínsecos ao alimento, ou extrínsecos. O pequi, fruto do cerrado muito utilizado na culinária regional, é um exemplo de alimento que carrega consigo, intrinsecamente, riscos físicos para o consumidor. O mesocarpo interno do pequi, porção mais apreciada na culinária, é aderido a um endocarpo espinhoso. O consumo desavisado do pequi pode levar a injúrias na língua, ou mesmo, aparelho digestório do consumidor. Já pedras, restos culturais, gravetos e cacos de vidro são exemplos de corpos estranhos oriundos de falhas na manipulação e processamento que podem, como riscos extrínsecos, comprometer a segurança física dos alimentos e, consequentemente, a integridade do consumidor. A presença de pedras em feijões, não raramente, provoca acidentes que podem colocar em risco a integridade dos dentes do consumidor. A segurança química diz respeito a presença ou ausência de compostos tóxicos, naturais ou adicionados, intencionalmente ou não, ao alimento. Fatores antinutricionais intrínsecos ao alimento, como inibidores de tripsina, compostos cianogênicos e glicoalcalóides encontrados em leguminosas 14 cruas, mandioca ‘Brava’ e tomate verde imaturo, respectivamente, são exemplos de compostos tóxicos naturais que podem colocar em risco a saúde do consumidor. Resíduos de defensivos agrícolas, como inseticidas, fungicidas e herbicidas, hormônios, antibióticos e metais pesados são exemplos de compostos tóxicos adicionados. O risco que envolve a presença de compostos tóxicos naturais em alimentos pode ser eliminado, a partir do momento que se identifica tais alimentos e não se os consome. Por exemplo, com a ciência de que tomate verde imaturo é veículo de glicoalcalóides, deve-se evitar seu consumo, optando-se por tomates maturos, preferentemente maduros. O processamento de alimentos também é um aliado na eliminação dos riscos de compostos tóxicos naturais. Fatores antitrípsicos podem ser eliminados pelo uso do calor. Logo, recomenda-se o cozimento de leguminosas, como o feijão, para eliminação desses fatores antinutricionais. O consumo de raízes, ramos e folhas de espécies do gênero Manihot, com destaque para M. jacobinesis, vulgarmente conhecida como mandioca ‘Brava’, poderia levar a intoxicações fatais, em função da letalidade do ácido cianídrico. Com efeito, a mandioca ‘Brava’ não veicula ácido cianídrico, mas sim, glicosídeos cianogênicos, compostos secundários do metabolismo vegetal associados à defesa. A linamarina é um exemplo de glicosídeo cianogênico presente na mandioca ‘Brava’. No vegetal intacto, a linamarina encontra-se em um compartimento celular distinto da linamarase, uma enzima do tipo beta- glicosidase. Com a mastigação de órgãos de espécies de Manihot, ocorre a descompatimentação celular que permite o contato da linamarase com a linamarina no organismo de quem os consome, não raramente animais domésticos e eventualmente o ser humano. A linamarase, então, hidrolisa o glicosídeo cianogênico a alfa-hidroxinitrila, que na presença da hidroxinitrila liase dá origem ao HCN e cetonas. Dependendo de fatores como concentração do substrato cianogênico, quantidade consumida, espécie animal e idade, o indivíduo pode ser levado ao óbito em poucos minutos. Não obstante, o tucupi é um produto típico da culinária amazônica, à base de mandioca ‘Brava’. Os riscos dos glicosídeos cianogênicos são eliminados durante o processamento adequado das raízes. Elas são descascadas, trituradas e preensadas, e o líquido da prensagem é fermentado por pelo menos 24 horas e cozido por pelo menos 40 minutos. Esse processamento é suficiente para garantir a transformação dos glicosídeos cianogênicos, com perda do HCN resultante para o meio ambiente. A multimistura, uma formulação à base de farelo de arroz ou trigo, com 15% de farinha de folha de Manihot esculentum (mandioca tradicional ou ‘Mansa’) já foi muito usada no Brasil no combate à desnutrição. As folhas de M. esculentum também possuem glicosídeos cianogênicos, passíveis de serem eliminados durante a trituração das folhas e pelo calor utilizado para sua desidratação, na fabricação da farinha. 15 Os riscos que envolvem a presença de resíduos de defensivos agrícolas em produtos de origem vegetal são uma preocupação constante em todo o mundo. Países da União Europeia e da América do Norte possuem legislações rígidas quanto aos limites de diferentes resíduos, bem como uma fiscalização efetiva. Apesar da legislação em vigor, o Brasil falha, principalmente, quanto à fiscalização, no que diz respeito ao correto uso e ao monitoramento de resíduos em alimentos que são disponibilizados no mercado interno. A título informativo e não fiscalizatório, foi criado no Brasil o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), em 2001. O Programa, coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tem como intuito o monitoramento de forma dinâmica dos níveis de resíduos de agrotóxicos em alimentos de origem vegetal que chegam à mesa do consumidor brasileiro. Mesmo sem o cunho fiscalizatório, as ações do PARA têm contribuído para a melhoria da segurança dos alimentos distribuídos no varejo. Os resultados têm subsidiado a recomendação de medidas educativas e coercitivas para a utilização de agrotóxicos segundo as Boas Práticas Agrícolas, bem como a avaliação do risco à saúde desses alimentos em função à exposição aos agrotóxicos e a restrição e banimento de agrotóxicos potencialmente deletérios à saúde da população. O PARA realizou no ciclo 2017/2018, o monitoramento de 4616 amostras de arroz, frutas e hortaliças, sendo que 77% das amostras foram consideradas satisfatórias e 23% insatisfatórias, quanto aos agrotóxicos avaliados. Em 49% das amostras não foram detectados resíduos de agrotóxicos. A grande preocupação que aflige a população mundial e autoridades quanto à presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos tem levado a um aumento na produção de alimentos produzidos sob ospreceitos da “Agricultura Orgânica”. O aumento na procura por alimentos orgânicos também é o reflexo de uma maior conscientização quanto a importância da preservação do meio ambiente, que envolve a produção agrícola de forma ecológica e sustentável. Entretanto, parece pouco provável, à luz da realidade atual, o abastecimento global, com uma população mundial de mais de sete bilhões de habitantes, em ascenção, baseado apenas em produtos oriundos da agricultura orgânica. Logo, é viável e ainda necessário, o uso consciente e profissional de defensivos na produção agrícola. Ainda, o uso de defensivos agrícolas não impede a produção de alimentos seguros, à luz da legislação vigente. Entretanto, para isso, algumas regras apresentadas a seguir devem ser respeitadas. • Para que um defensivo agrícola seja utilizado ele precisa estar registrado para a cultura alvo; • O defensivo agrícola deve ser utilizado no momento adequado, o que leva em consideração o monitoramento das populações alvo do defensivo (patógenos, insetos, plantas daninhas). A utilização antes ou após o momento ideal, pode reduzir a eficiência 16 do método, ou exigir a aplicação de mais defensivos. Tratamentos curativos jamais devem ser utilizados como preventivos. • O defensivo agrícola deve ser utilizado em quantidades adequadas, recomendadas pelo profissional habilitado. O utilização do defensivo em quantidades inferiores ou superiores às recomendadas pode levar à resistência de insetos e patógenos. • O período de carência do defensivo aplicado deve ser respeitado, antes da distribuição do alimento ao mercado consumidor. A segurança do ponto de vista microbiológico diz respeito à presença de populações de microrganismos potencialmente deletérias à saúde humana. Casos de toxinfecções alimentares são associados, principalmente, a ingestão de alimentos de origem animal, normalmente, manipulados e armazenados inadequadamente. Entretanto, uma larga variedade de produtos vegetais tem sido associada com doenças causadas por microrganismos. A contaminação do vegetal pode ocorrer durante o crescimento, colheita, distribuição e preparação final. Assim como os produtos agrícolas que devem sofrer um aquecimento (cozimento) antes do consumo, os produtos consumidos frescos, como os frutos e algumas hortaliças abrigam uma gama de microrganismos, incluindo patógenos ocasionais. Na maioria das vezes, o produto é cultivado em locais com acesso a animais, pássaros e insetos que podem veicular patógenos humanos ao produto antes ou durante a colheita. Logo, é de suma importância focar a atenção para a redução do risco de contaminação do produto cru onde possível, ao longo de toda cadeia agrícola, do plantio ao consumo. Dados do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) indicam que o número de infecções alimentares ligadas a produtos frescos e o número de pessoas afetadas nestas infecções têm aumentado nos últimos anos. Um número de razões é proposto para essa alta associação de infecções com o produto fresco. Desde o início dos anos 70, um significante aumento no consumo de produtos frescos tem sido observado presumivelmente devido, em parte, a ativa promoção de frutos e hortaliças como uma importante parte de uma dieta saudável. Durante esse mesmo tempo observou-se um aumento no consumo de alimentos fora de casa e uma popularização dos buffets. Maiores volumes de produtos vegetais estão sendo embarcados de regiões centrais e distribuídos em áreas geográficas muito maiores para muito mais pessoas. Isto, acoplado ao mercado global, potencialmente aumenta a exposição humana a uma grande variedade de patógenos e o risco de toxinfecções alimentares. Enquanto parte da qualidade do produto pode ser julgada pela aparência externa, textura, sabor e aroma, a segurança não. Inspeções casuais do produto não podem determinar se ele é, ou não, seguro e adequado ao consumo. Água clorada, ozônio, ácidos orgânicos, luz ultra violeta, embalagens 17 antibacterianas e irradiação podem ter seu devido lugar na sanitização de vegetais. Entretanto, uma vez o vegetal esteja contaminado com vírus, bactérias, fungos ou parasitas, nenhum desses métodos irá garantir a segurança do produto. Com efeito, a sanitização reduz o número de patógenos de vegetais frescos, mas não os esteriliza. Logo, métodos de preservação, como a refrigeração, são importantes na manutenção da população microbiana de alimentos sanitizados, em baixa. O único tratamento atualmente disponível que completamente elimina patógenos vegetativos é o cozimento. Consequentemente, o manejo das condições de crescimento e manuseio é fundamental na prevenção da contaminação do produto fresco com patógenos humanos. Logo, a prevenção da contaminação do produto fresco com patógenos humanos, níveis perigosos de resíduos químicos ou contaminantes físicos é a melhor maneira de se garantir que esses alimentos sejam seguros para o consumo humano. 2.4 Conveniência A conveniência é um atributo de qualidade recentemente incorporado aos alimentos que agrega um grande valor aos mesmos. Os consumidores com cada vez menos tempo para preparar suas refeições clamam por produtos convenientes, sem abrir mão da exigência pela tradicional qualidade. A conveniência tem chegado à mesa do consumidor na forma de vegetais prontos para comer ou prontos para levar ao fogo, tais como os “fresh-cut” ou vegetais minimamente processados. 3 COMPOSIÇÃO QUÍMICA E VALOR NUTRITIVO Os alimentos reúnem compostos químicos que lhes conferem seu valor nutritivo, bem como afetam seu potencial sensorial, funcional e segurança. Enquanto a água denota a umidade de um alimento, a matéria seca é representada pela reunião dos demais constituintes químicos. Dentre esses compostos, os carboidratos, proteínas e lipídeos são chamados de macronutrientes, enquanto os minerais e vitaminas, micronutrientes. Os macronutrientes, constituintes majoritários na matéria seca dos alimentos e das células das mais diversas entidades biológicas, são fontes de energia e exigidos pelos organismos em maiores concentrações (g dia-1), em contraposição aos micronutrientes, componentes minoritários que não fornecem energia e são exigidos em menores concentrações (mg ou μg dia-1). 18 3.1 ÁGUA Introdução A presença da água na forma líquida, em oceanos, rios e lagos, na forma sólida em geleiras e na forma de vapor na atmosfera faz dela a substância mais abundante da natureza, nos três estados físicos. Ela é também a substância mais abundante das entidades biológicas, compreendendo 60% ou mais de sua massa, ultrapassando, normalmente, os 80%, no caso de frutas e hortaliças. A água é essencial à vida como estabilizadora da temperatura do corpo, como carreadora de nutrientes e metabólitos indesejáveis, como reagente e meio de reação, como estabilizadora da conformação de biopolímeros, como um provável facilitador do comportamento dinâmico de macromoléculas, incluindo suas propriedades catalíticas e ainda de outras formas não conhecidas. Do ponto de vista quantitativo, a água é o principal componente do organismo humano, em torno de 60%, representando, ainda, o constituinte mais abundante da maioria dos alimentos no estado natural, que apresentam teores variáveis de umidade. O teor de umidade é variável em função da espécie, variedade, raça, órgãos e até mesmo entre células vizinhas. As condições edafoclimáticas às quais são submetidas diferentes culturas também influenciam os seus teores de umidade, bem como as condições de armazenamento. Em quantidades adequadas, a água é fundamental à vida, influenciando profundamente a estrutura, a aparência, o sabor e a suscetibilidade dos alimentos à deterioração. Visto que os alimentos frescos apresentam quantidades apreciáveis de água, formas efetivas de preservação são necessárias, caso se deseje o armazenamentoprolongado. Enfatiza-se que a remoção da água, pela desidratação, ou sua separação localizada na forma de cristais de gelo (congelamento), altera enormemente as propriedades naturais dos alimentos. Essas propriedades não voltam plenamente ao normal, após a reidratação ou descongelamento do alimento, que têm, principalmente, sua textura comprometida. Características da molécula de água A água apresenta a fórmula molecular H2O. Como a massa atômica do hidrogênio é 1 e do oxigênio 16, a massa molecular da água é 18. A molécula de água, no estado de vapor, é um monômero. No estado sólido (gelo), as moléculas de água estão ligadas entre si por pontes de hidrogênio, o que motiva a formação de um polímero de estrutura cristalina, no qual cada molécula monômera está unida a outras quatro. A distância entre dois átomos de oxigênio é de 0,276 nm. A temperaturas inferiores a - 19 1830C, todas as possíveis pontes de hidrogênio se encontram unidas; a 00 não há mais que 50% e a 1000C apenas algumas. Diversos agentes influenciam de modo diferente, a estrutura da água. Os eletrólitos como o Na+, K+, Cl-, fortemente hidratados em solução, diminuem o número de pontes de hidrogênio entre as moléculas de água. A água possui um ponto de fusão, um ponto de ebulição e um calor de vaporização maiores do que a maioria dos líquidos comuns. Esse fato indica que há fortes forças de atração entre moléculas de água adjacentes, o que confere à água líquida grande coesão interna. Por exemplo, o calor de vaporização é uma medida direta da quantidade de energia necessária para ultrapassar as forças de atração entre as moléculas adjacentes num líquido, de forma que elas possam escapar umas das outras e passar para o estado gasoso. A estrutura da molécula da água líquida determina uma atração intramolecular muito forte. Cada um dos seus dois átomos de hidrogênio compartilha um par de elétrons com o átomo de oxigênio, dando origem a uma ligação covalente. A geometria dos pares de elétrons compartilhados proporciona uma forma em V à molécula. Os dois pares de elétrons não compartilhados do átomo de oxigênio fornecem- lhe uma carga localizada, parcialmente negativa, no ápice do V, e a forte tendência de retirar elétrons do oxigênio fornece aos dois núcleos do hidrogênio cargas parcialmente positivas. Embora a molécula da água seja eletricamente neutra, suas cargas parcialmente positivas e negativas são separadas, resultando que a molécula seja um dipolo elétrico. Por causa dessa separação de cargas, duas moléculas de água podem se atrair por forças eletrostáticas entre a carga parcialmente negativa do átomo de oxigênio de uma molécula de água e a carga parcialmente positiva do átomo de hidrogênio da outra molécula. Este tipo de atração eletrostática é chamada de ponte de hidrogênio. Devido ao arranjo quase tetraédrico dos elétrons ao redor do átomo de oxigênio, cada molécula de água pode formar, teoricamente, pontes de hidrogênio com até 4 moléculas de água vizinhas. Em qualquer instante, na água líquida à temperatura ambiente, cada molécula de água acredita-se formar uma média de 3,4 pontes de hidrogênio com outras moléculas de água. Como as moléculas de água estão em moção contínua no estado líquido, estas pontes de hidrogênio são constante e rapidamente quebradas e reformadas. No gelo, entretanto, cada molécula de água está fixa no espaço, formando pontes de hidrogênio com um máximo de 4 outras moléculas, produzindo uma estrutura de mosaico regular. Isto explica o ponto de fusão relativamente alto do gelo. A água é um exemplo de líquido polar. Ao contrário, as moléculas dos líquidos não polares, como o benzeno ou o hexano, apresentam relativamente pouca tendência de se atraírem eletrostaticamente. Muito menos energia é necessária para separar as moléculas 20 destes líquidos; por essa razão, os calores de vaporização do hexano e do benzeno são muito menores do que o da água. As pontes de hidrogênio comparadas com as ligações covalentes são fracas. Estima-se que as pontes de hidrogênio na água líquida possuam uma energia de ligação (energia necessária para quebrar uma ligação) de apenas 4,5 kcal/mol, comparada com as 110 kcal/mol para as ligações covalentes H-O nas moléculas de água. Não obstante, por causa do seu grande número, as pontes de hidrogênio conferem grande coesão interna à água líquida. Embora em qualquer instante a maioria das moléculas na água líquida esteja formando pontes de hidrogênio, a vida média de cada ponte de hidrogênio é menor do 1 x 10-9s. Consequentemente, a água líquida não é líquida viscosa, mas sim muito fluida. Origem da água no organismo Para suprir suas necessidades diárias, o homem e os animais recebem água de três origens normais e uma origem acidental. Normalmente, a água pode ser ingerida na forma líquida, como a água propriamente dita e aquela presente em alimentos líquidos, como sucos, leite, bebidas em geral; a água de alimentos sólidos, visto que os alimentos, inclusive os classificados como secos, apresentam certa percentagem de água e a água metabólica, que se forma, como o próprio nome sugere, durante o metabolismo da matriz alimentícia. Já a água de origem acidental é aquela utilizada por autofagia, que é a destruição dos próprios tecidos do organismo quando ele se encontra na ausência de alimentos sólidos e líquidos. A vida de sobreviventes que sofrem com o déficit hídrico, por exemplo vítimas de naufrágios, jornadas erráticas em desertos, florestas e montanhas, bem como de soterramentos, pode depender da água acidental obtida por autofagia. Vias de eliminação de água no corpo Mesmo à temperatura ambiente, a água é perdida como vapor pela pele e pulmões, permitindo perda de calor e, portanto, cooperando para a manutenção da temperatura do corpo. Essa perda invisível de água é variável, podendo chegar a 23 mL por kg de peso corpóreo. A perda de água pela pele pode efetivar-se, contudo, de modo visível pela sudorese; é o que ocorre quando a temperatura ambiental ou do corpo se eleva, por exemplo, quando a pessoa executa exercício físico. A perda pelo suor varia e pode chegar a 2 litros ou mais por hora. A perda de água pelas fezes é de 50 a 200 mL por dia, normalmente. 21 A perda de água urinária é variável e depende do volume de líquido e da quantidade de solutos ingeridos. A ingestão de dieta que fornece grande quantidade de solutos, por exemplo, dieta contendo muito sal e rica em proteínas, o que oferece aos rins grandes quantidades de cloreto de sódio e de uréia para serem eliminados, levará a uma maior eliminação diária de urina. Quando a ingestão de água é pequena, o volume urinário diário pode baixar a cerca de 600 mL ainda em situação normal. Em condições habituais, entretanto, a diurese diária é de cerca de 1.200 mL a 1.400 mL. Em condições normais, a perda diária de água pelas diversas vias atinge cerca de 2,5 litros. Balanço de água no homem adulto Quando a quantidade de água perdida pelo organismo em 24 horas é totalmente reposta, se diz existir balanço equilibrado de água e o teor dela no organismo não varia. Cerca de 40% da água perdida é reposta por alimentos sólidos e água de origem metabólica. O volume restante é introduzido sob a forma de líquidos. O volume dessa última porção está relacionado com o mecanismo da sede. Na regulação diária do balanço de água, o estímulo mais importante para o aparecimento da sede é um pequeno decréscimo do volume de água total do corpo. Isso leva a um aumento da concentração de solutos e consequente aumento da pressão osmótica no líquido extracelular. Essa variação causa uma ligeira diminuição do volume de água intracelular. Essas alterações constituem estímulos para centros nervosos localizados no hipotálamo, de onde partem impulsos para o córtex cerebral, determinando o aparecimento da sede. Necessidades de águano organismo Em condições normais, considera-se adequada a ingestão de 1 mL de água para cada kcal ingerido, a partir da alimentação. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, essa demanda hídrica é atendida, normalmente, pelo consumo diário de cerca de 2,5 litros de água para um homem de 70 kg e 2,2 litros de água, para uma mulher de 58kg. Entretanto, na maioria dos casos, a febre, o aumento da frequência respiratória devido a doenças ou à atividade excessiva promovem o aumento da perda de água e, consequentemente, a necessidade de sua reposição. Embora pouco discutido e divulgado, a ingestão excessiva de água pode ser tão prejudicial quanto a baixa ingestão. O excesso de água pode levar ao desequilíbrio na concentração de eletrólitos no sangue, provocando, em casos graves, dores de cabeça, fadiga, distúrbios digestivos, confusão mental e parada 22 cardíaca. Esse desequilíbrio eletrolítico, provoca o transtorno metabólico conhecido como hiponatremia, raro em indivíduos saudáveis, marcado por uma concentração muito baixa de sódio no sangue. Tipos de água nos alimentos A água presente nos tecidos animais e vegetais pode estar mais ou menos disponível, sendo separada em água livre e ligada. A água livre está fracamente ligada aos substratos, funcionando como solvente. Permite o crescimento de microrganismos e reações químicas e é eliminada com relativa facilidade. A água ligada está fortemente unida ao substrato, sendo mais difícil de ser eliminada; não é utilizável como solvente, não permite o desenvolvimento de microrganismos e, normalmente, não é utilizada em reações químicas. Água e conservação de alimentos A conservação dos alimentos está diretamente relacionada com o teor de água dos mesmos. Em geral, quanto menor o teor de água maior o seu potencial de armazenamento. Tanto é que o método mais tradicional de conservação de alimentos se baseia na sua desidratação. A água presente nos alimentos atua como reagente e meio de reação, propiciando a atividade de enzimas relacionadas com a senescência e degradação dos alimentos. A presença da água também propicia o desenvolvimento de microrganismos responsáveis pela deterioração dos alimentos. Os alimentos, de acordo com seu potencial de conservação, podem ser divididos em duas categorias: duráveis e perecíveis. Os alimentos duráveis apresentam uma vida de armazenamento potencialmente longa, que varia de meses a anos, como é o caso de grãos de cereais, leguminosas e café secos e armazenados com teor de umidade abaixo de 13%, frutas desidratadas, especiarias secas, feno e produtos de origem animal desidratados. Os alimentos perecíveis se caracterizam pelo seu alto teor de água e vida útil relativamente curta que varia de dias a semanas ou meses, como é o caso das frutas e hortaliças “in natura” que apresentam teores de água, normalmente, acima de 80% e produtos de origem animal como carne, leite e derivados. Os alimentos duráveis apresentam uma vida útil relativamente longa por passarem, normalmente, por um processo de desidratação. Já a vida útil de alimentos perecíveis pode ser estendida, considerando- se seus altos teores de umidade, por meio de diversas técnicas, como refrigeração, manipulação atmosférica, irradiação, tratamentos térmicos, tratamentos químicos, etc. 23 Logo, a determinação de umidade de um alimento é uma importante forma de se inferir o seu potencial de conservação. Entretanto, a disponibilidade da água é tão importante para a estabilidade de um alimento como seu teor total. A atividade da água é um conceito que se relaciona com sua disponibilidade. Atividade da água O sistema mais fácil para se ter uma medida da maior ou menor disponibilidade da água nos diversos alimentos é a atividade da água (aw), definida pela seguinte equação: Aw = Pw/P o, onde Pw é a pressão parcial de vapor de água de uma solução ou de um alimento e P o é a pressão parcial de vapor de água pura à mesma temperatura. A atividade de água está associada com reações químicas, crescimento microbiano, etc.; ela varia de 0 a 1, nos alimentos. Com efeito, a atividade da água e a estabilidade dos alimentos estão intimamente relacionadas em várias situações. A atividade de água abaixo de 0,3 permite apenas oxidação lipídica nos alimentos; entre 0,3-0,8, várias reações químicas e acima de 0,8, crescimento microbiano. Quanto menor a atividade da água, maior o potencial de conservação dos alimentos. Alimentos com alta atividade de água apresentam, via de regra, alta umidade. Não obstante, nem sempre um alimento com alta umidade apresenta alta atividade de água. Durante o congelamento de alimentos, a água presente não é removida, mas indisponibilizada na forma de cristais de gelo. Destarte, um alimento congelado pode apresentar alta umidade, ao mesmo tempo que baixa atividade de água, como acontece com polpas de frutas congeladas. 3.2 CARBOIDRATOS Introdução Os carboidratos, macronutrientes, constituem cerca de 75% da matéria seca do mundo biológico e de 80% da absorção calórica da humanidade. O mais abundante carboidrato é a celulose, o principal componente estrutural dos vegetais. Já o principal ingrediente alimentar consumido pelo homem é o amido. Os carboidratos ocupam posição central no metabolismo das plantas verdes e de outros organismos fotossintetizantes que utilizam a energia solar para sintetizá-los a partir de CO2 e água. 24 Os carboidratos são importantes componentes de alimentos naturais e processados. Os digestíveis, destacando-se o amido e a sacarose, são as principais fontes de calorias da população mundial. Os não digestíveis são os principais componentes da fibra dietária. Os carboidratos são de grande importância, não somente como componentes digestíveis ou não da dieta, mas também em função seu papel na formulação e processamento de alimentos. Os atributos sensoriais dos alimentos são afetados, inexoravelmente, pelos carboidratos. A doçura dos alimentos é, normalmente, associada à presença de carboidratos simples, vulgarmente chamados de açúcares, como glicose, frutose, sacarose e lactose. Os açúcares podem também influenciar a coloração de alimentos, a partir de reações enzimáticas e não enzimáticas de escurecimento, que podem resultar, inclusive, na geração de sabores. Já carboidratos complexos, como amido, pectinas e hemiceluloses afetam profundamente a textura dos alimentos. A retenção e liberação de sabores pode ser intermediada por carboidratos. Definição O termo carboidrato sugere, a princípio, uma composição contendo carbono e água que remete à fórmula Cx(H2O)y, ou à denominação hidrato de carbono. De fato, alguns carboidratos respeitam essa fórmula, como glicose, frutose, galactose e manose - C6(H2O)6, sacarose e maltose - C12(H2O)11 e amido, celulose e glicogênio - [C6(H2O)5]n. Não obstante, nem todo carboidrato apresenta a fórmula Cx(H2O)y, como fucose e ramnose - C6H12O5. Já outros compostos, como o ácido acético - C2(H2O)2, poderiam ser considerados como carboidratos sem realmente sê-los. Com efeito, carboidratos são definidos como poli-hidroxialdeídos, poli-hidroxicetonas, poli- hidroxiácidos e poli-hidroxiálcoois, embora esse último termo seja redundante, visto que a presença da hidroxila sugerida no prefixo poli-hidroxi já remete à função álcool do composto. A definição estende- se, ainda, a derivados e polímeros desses compostos, unidos por ligações hemiacetálicas. Glicose, frutose e ácido galacturônico são exemplos de poli-hidroxialdeído/cetona/ácido, respectivamente. Glicogênio, amido e celulose são exemplos de polímeros de glicose, enquanto inulina e pectina exemplos de polímeros de frutose e ácido galacturônico, respectivamente. 25 Origem e distribuição na natureza Na presença de luz e CO2, organismos fotossintetizantes, como os vegetais, produzemcarboidratos, que também podem ser sintetizados de forma independente por algas, bactérias e cianobactérias. O principal polo produtor de carboidratos dos vegetais está situado em suas folhas verdes, que diferentemente de qualquer órgão animal, reúnem células com cloroplastos, onde se acumulam as clorofilas, pigmentos de coloração verde especializados na absorção de luz, especialmente solar. A fotossíntese, que ocorre nos cloroplastos, propicia a transformação da energia luminosa em energia química e a fixação do CO2 atmosférico, o que resulta na síntese de trioses, seguidas de hexoses, como a glicose. Com efeito, na fotossíntese, a planta utiliza a energia luminosa para oxidar a água, liberando o O2, e reduzir o CO2, na forma de hexoses. Assim, os carboidratos são os primeiros constituintes orgânicos sintetizados pelos vegetais e são o ponto de partida para a síntese de toda sorte de matéria orgânica neles encontrada. Uma vez consumidos pelos animais, os vegetais se tornam sua fonte primária de compostos orgânicos, que são transformados de acordo com as necessidades. A fotossíntese pode ser equacionada, de forma resumida, da seguinte forma: CO2 + H2O (luz solar & clorofila) → carboidratos Os carboidratos são amplamente distribuídos na natureza, tanto no reino vegetal, quanto no animal. Eles constituem cerca de ¾ da matéria seca das plantas, sendo os primeiros produtos da atividade fotossintética. Se depositam nas folhas, galhos, raízes ou sementes das plantas sob a forma de açúcar ou polissacarídeo. Nos frutos maduros se encontram, predominantemente, na forma de açúcares, principalmente glicose, frutose e sacarose, dando seu gosto adocicado característico. O amido é, normalmente, a principal forma de reserva vegetal em sementes (arroz, feijão, milho), tubérculos (batata), raízes (mandioca) e alguns frutos verdes (banana). Os carboidratos estão presentes também em tecidos de sustentação, a exemplo dos constituintes básicos da parede celular: celulose, hemiceluloses e substâncias pécticas. Salienta-se que o carboidrato predominante das partes lenhosas dos vegetais é a celulose, o mais abundante da natureza. Eles ainda são encontrados como produtos de degradação tal como as gomas e mucilagens. Nos animais destacam-se a glicose como o açúcar sanguíneo, a lactose como o açúcar do leite e o glicogênio como reserva alimentar armazenado no fígado e músculos. A ribose é um açúcar constituinte básico dos ácidos nucleicos. Os carboidratos sintetizados pelas plantas são essenciais à existência do reino animal. 26 Classificação Os carboidratos podem ser classificados quanto ao número de unidades básicas de açúcares simples (não hidrolisáveis) na molécula, em mono, oligo e polissacarídeos. • Monossacarídeos: são os carboidratos mais simples, constituídos por uma única unidade de açúcar não hidrolisável. São classificados, ainda, em aldoses e cetoses, no caso de serem poli-hidroxialdeídos ou poli-hidroxicetonas, respectivamente. Podem ser caracterizados com relação ao número de átomos de carbono na molécula (triose, tetrose, pentose, hexose - 3, 4, 5 e 6 átomos de carbono, respectivamente). Aldoses com seis átomos de carbono, denominadas aldo-hexoses (ex. glicose e galactose), seguidas de aldoses com cinco átomos de carbono denominadas aldopentoses (ex. xilose e arabinose) são os monossacarídeos mais frequentemente encontrados na natureza, seja na forma livre, seja compondo moléculas de oligo e polissacarídeos. Entre as cetoses, a única amplamente distribuída na natureza é a frutose, uma cetohexose. O monossacarídeo existente em maior quantidade na natureza é a D-glicose, que além de ser encontrado na forma livre, é o único carboidrato constituinte dos polissacarídeos amido, celulose e glicogênio e dos quais pode ser facilmente obtida. • Oligossacarídeos: são polímeros compostos de resíduos de monossacarídeos unidos por ligações hemiacetálicas, neste caso denominadas ligações glicosídicas, em número que variam de duas, até, aproximadamente, dez unidades. Entre os oligossacarídeos, os mais importantes são os dissacarídeos e entre eles encontram-se a sacarose, a lactose, a maltose e a celobiose, os dois últimos obtidos por hidrólise do amido e celulose, respectivamente. Nos dissacarídeos, a ligação entre as unidades de monossacarídeos é uma ligação O-glicosídica, mas na maioria dos casos apenas um grupo hidroxílico hemiacetálico está envolvido na ligação, e neste caso os dissacarídeos são redutores. Quando os grupos hemiacetálicos dos dois açúcares que compõe o dissacarídeo estão envolvidos na ligação glicosídica, o dissacarídeo é não redutor, como é o caso da sacarose. • Polissacarídeos: são macromoléculas constituídas por mais de 10 unidades de monossacarídeos. Ocorrem em quase todos os organismos vivos onde exercem várias funções, muitas das quais não estão ainda bem esclarecidas. Substâncias de alta massa molecular, que não raramente ultrapassa mil KDa, são formadas pela condensação de monossacarídeos ou seus derivados, unidos entre si por ligações glicosídicas. Diferem dos oligossacarídeos de alta massa molecular não só pelo tamanho da molécula, mas também pela maior facilidade de combinações possíveis durante a biossíntese, o que permite a formação de ramificações com diferentes espécies de monossacarídeos unidos por ligações glicosídicas com diferentes configurações. Podem ser de cadeia linear, ramificada e, raramente, 27 cíclica. Os polissacarídeos de menor massa molecular são na sua grande maioria solúveis em água e a solubilidade diminui não só com o aumento massa molecular, mas também com a maior ou menor facilidade com que as moléculas desses compostos se associam umas às outras. A maior solubilidade dos polissacarídeos se deve à sua facilidade maior de hidratação, com transferência das ligações de hidrogênio intermoleculares entre cadeias de polissacarídeos para ligações de hidrogênio polissacarídeo-água. Os polissacarídeos mais insolúveis são os encontrados nas paredes celulares e sua função nos vegetais é a de reforçar a estrutura dos vegetais, razão pela qual são denominados polissacarídeos estruturais. Os polissacarídeos são geralmente designados pelo sufixo "ana"; assim, glicose dá origem a glucanas, manose a mananas, xilose a xilanas, etc. Quando mais de uma espécie de monossacarídeo participa da estrutura de um polissacarídeo, da nomenclatura do polímero constarão todos esses compostos: xilose e arabinose dão origem às xiloarabinanas, galactose e manose às galactomananas, etc. Para alguns polissacarídeos, nomes tradicionais usados há longo tempo continuam ainda em uso tais como pectina, celulose, hemicelulose, amido, amilose, amilopectina, glicogênio, inulina, xantanas, etc. Os carboidratos podem ainda ser separados em duas grandes frações: fibra e glicídeos, discutidas a seguir. 3.2.1 FRAÇÃO FIBRA Definições A fração fibra, fibra alimentar ou dietária é um importante componente alimentar que consiste, normalmente, do material vegetal não digerível pelo organismo monogástrico, ou seja, resistente à hidrólise, enzimática ou não, no aparelho digestório. Ela é determinada como resíduo que permanece após extrações sucessivas com soluções ácidas e/ou álcalis, ou mesmo após digestão enzimática. A utilização de diversos métodos de determinação de fibras que mira o resíduo de digestões isoladas ou combinadas envolvendo ácidos, bases e enzimas dá margem a diversas definições de fibras. Com efeito, diversas definições de fibra podem ser encontradas na literatura. De acordo com a American Association Cereal Chemistry (2001), fibra é definida como a parte comestível de plantas ou carboidratos análogos resistentes à digestão e absorção no intestino delgado de humanos, com fermentação completa ou parcial no intestino grosso. Inclui polissacarídeos, oligossacarídeos, lignina e substâncias associadas. Promoveefeitos fisiológicos benéficos, como laxação e atenuação do colesterol e glicose no sangue. Salienta-se que carboidratos análogos são aqueles isolados de crustáceos e organismos unicelulares, polidextrose, maltodextrinas resistentes, amido resistente e celulose modificada). Já de acordo com o Codex 28 Alimentarius (2010), a fibra alimentar é constituída de polímeros de carboidratos com 10 ou mais unidades monoméricas, que não são hidrolisados pelas enzimas endógenas no intestino delgado e que podem pertencer a 3 categorias: 1- Polímeros de carboidratos comestíveis que ocorrem naturalmente nos alimentos na forma como são consumidos; 2- Polímeros de carboidratos obtidos de material cru por meio físico, químico ou enzimático e que tenham efeito fisiológico benéfico comprovado sobre a saúde humana; 3- Polímeros de carboidratos sintéticos que tenham efeito fisiológico benéfico comprovado sobre a saúde humana, por exemplo, a polidextrose. Nota-se, na última definição, que carboidratos não disponíveis constituídos por três a nove unidades monoméricas não são contemplados, embora, por serem não digeríveis, pudessem ser incluídos na definição. Principais Componentes Os compostos da parede celular vegetal são os principais constituintes da fração fibra. Celulose: o mais abundante carboidrato encontrado na natureza. Polissacarídeo constituído por unidades básicas de glicose unidas por ligações 1-4. Constitui a base estrutural do tecido vegetal, sendo essencialmente insolúvel em água. Hemiceluloses: polissacarídeos complexos encontrados nas paredes de células vegetais em estreita associação com a celulose e lignina. São constituídas pela interligação de diferentes açúcares neutros, como a ramnose, fucose, arabinose, xilose, manose, galactose e glicose. As hemiceluloses são solúveis em álcali diluído. Substâncias Pécticas: conhecidas também como pectinas, são polissacarídeos constituídos, principalmente, por unidades básicas de ácido galacturônico, embora possam conter unidades de outros açúcares. São parcialmente solúveis em água, e solúveis, principalmente, em EDTA. Lignina: polímero fenólico, portanto não é um carboidrato. Entretanto, se enquadra na fração fibra. Presente, principalmente, nas partes lenhosas e mais velhas dos vegetais (sabugos, cascas, palhas, 29 etc.). Age no fortalecimento e proteção da parede celular ao ataque químico, físico e biológico. A lignina não é digerível nem pelo organismo ruminante. Outros Componentes: as beta-glucanas são polímeros de glicose contendo ligações 1-3 e 1- 4 em várias proporções dependendo da fonte, o que as torna menos lineares que a celulose e mais solúveis em água. Outros polissacarídeos, não estruturais, incluem várias gomas e mucilagens produzidos em resposta à injúria ou na prevenção à dessecação. Alimentos de origem vegetal contêm vários outros componentes que não os polissacarídeos e lignina. Embora esses componentes possam não se encaixar na definição clássica de fibra dietária, eles possuem atividades fisiológicas que são importantes no entendimento das respostas fisiológicas a dietas ricas em alimentos contendo fibras. Alguns destes incluem compostos fenólicos, ácido fítico, inibidores de enzimas digestivas, compostos de Maillard e amido resistente à digestão. Importância As fibras compreendem a parte principal do material de construção da parede celular dos vegetais. A parede celular, o arcabouço da célula, é constituída por uma complexa associação entre carboidratos, proteínas, lignina, minerais, água e substâncias incrustantes, como cutina e suberina. A estrutura física e química da parede celular está intimamente relacionada com o potencial de conservação pós-colheita dos vegetais, bem como com sua resistência, pré- e pós-colheita, a insetos, patógenos e condições adversas. A fibra dietária promove vários efeitos fisiológicos em organismos animais, dependendo de sua estrutura física e constituição química. Na dieta humana, as fibras tendem a retardar o esvaziamento gástrico do alimento ingerido no intestino delgado. Esse retardo pode gerar saciedade e reduzir as concentrações pós-prandiais de glicose no sangue. Logo, as fibras podem ser utilizadas como aliadas no controle de peso e glicemia. As fibras auxiliam na eliminação de toxinas, assim como podem reduzir a absorção de gorduras e colesterol, contribuindo de forma benéfica para a redução do colesterol e triglicérides totais sanguíneos. As fibras são responsáveis pelo bom funcionamento do intestino, pois estimulam seus movimentos peristálticos. De fato, elas aumentam o volume fecal, o que tem efeitos laxantes, mitigando problemas de constipação. Ainda, as fibras podem atuar como prebióticos, substratos que promovem o crescimento seletivo de bactérias da microbiota intestinal, conhecidas como probióticos. Logo, fibras com efeito prebiótico 30 estimulam o desenvolvimento e equilíbrio de uma microbiota intestinal benéfica. Os microrganismos desempenham importantes papéis no intestino, pois podem fermentar carboidratos não digeridos, gerando ácidos graxos de cadeia curta, como butiratos, propionatos e acetados, que agem não somente no intestino, mas em outros órgãos, como o fígado e músculos esquelético e cardíaco. Uma microbiota intestinal adequada e equilibrada é crucial no combate a bactérias patogênicas, conspirando a favor da resistência imunológica. Bactérias encontradas no intestino humano podem sintetizar vitaminas do complexo B e K, bem como aminoácidos, sendo parte deles, provavelmente, passível de ser aproveitado pelo organismo humano. A microbiota intestinal, modulada por componentes da fração fibra com função prebiótica, conspira, ainda, a favor da homeostase de lipídeos e proteínas. Constituem-se em importantes e fundamentais fontes de energia para animais ruminantes. A celulose é desdobrada pelos microrganismos do rúmen, formando ácidos graxos voláteis utilizados como fonte de energia por esses animais. Carência O êxodo rural e a agitação dos centros urbanos alteraram os hábitos alimentares de grande parte da população mundial. Vegetais integrais foram substituídos, nos últimos anos, por alimentos processados, pobres em fibras. Estudos epidemiológicos de diferentes populações têm permitido correlacionar hábitos alimentares com padrões patológicos específicos, principalmente ao contrastar populações rurais com populações urbanas. De forma consistente, a carência de fibras na dieta tem sido associada a desordens crônicas tais como constipação, hemorroidas, úlceras, câncer do intestino grosso, bem como obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes, prevalentemente em países desenvolvidos. Entretanto, a complexidade dos dados epidemiológicos gera controvérsias e não permite afirmar com exatidão como a ingestão de fibras se associa exatamente com os padrões patológicos. A Organização Mundial da Saúde, bem como diversas organizações governamentais e não governamentais têm feito recomendações a respeito da ingestão de fibra dietária pela população. Recomenda-se que adultos consumam 5 ou mais refeições diárias de frutas e hortaliças e 6 ou mais de pães, cereais e legumes. Recomenda-se o consumo de alimentos contendo fibras antes que suplementos fibrosos. Essa recomendação é suportada por estudos epidemiológicos em que a relação entre a redução do risco de doenças é obtida com padrões dietários contendo alimentos ricos em fibras, não com frações isoladas de fibras. A ingestão diária de fibras em torno de 25g para mulheres e 38 g para homens adultos jovens é recomendada, visando-se a saúde cardiovascular. Entretanto, a adequação da ingestão de fibra para um indivíduo ou uma população, como um todo, ainda é um dilema entre cientistas. Ademais, uma 31 melhor informação sobre o teor de fibra dos alimentos e como ela é afetada pelo processamento dos
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