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1 Neurocirurgia: Hipertensão Intracraniana (HIC) Trata-se de uma condição fisiopatológica que aumenta muito o risco de morbimortalidade – é consequência de uma grande diversidade de doenças, que serão estudadas futuramente. O aumento da pressão intracraniana (PIC) apresenta uma gravidade muito séria, e isso se dá porque o crânio é uma caixa totalmente fechada e inelástica – tudo que cresce em seu interior tem potencial de esmagar estruturas importantes, gerando isquemia (a menos que haja uma adaptação compensatória). Revisão de neuroanatomia O sistema nervoso central é composto pela medula espinhal e o encéfalo, que é formado pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo). O cérebro, por sua vez, é formado pelo telencéfalo e o diencéfalo. Conteúdos intracranianos ● Líquor ● Sangue ● Tecido encefálico (85%) O aumento de um desses conteúdos ou o surgimento de um 4º elemento, como tumores cerebrais, vai determinar deslocamentos do tecido encefálico e descompensar a pressão intracraniana, gerando um regime de hipertensão intracraniana. A compressão do tecido encefálico, e consequente isquemia, leva a não perfusão de determinadas áreas, que pode gerar óbito. Doutrina de Monro-Kellie [pode cair na prova] Quando surge um 4º elemento intracraniano, o primeiro elemento expulso do crânio é o líquor, seguido do sangue venoso. 2 Os ventrículos colabam, direcionando o líquor para a coluna, enquanto que as veias corticais e seios venosos também colabam – isso porque a falta desses elementos não fazem falta para a nutrição do encéfalo. Enquanto esses elementos conseguem ser redirecionados, há compensação. A partir do momento que já não existe mais líquor ou sangue venoso para serem jogados fora, inicia-se a descompensação e geração da hipertensão intracraniana – momento que o tecido encefálico começa a ser deslocado e os vasos arteriais começam a se comprimir, o que gera redução da perfusão cerebral e isquemia. Teoria da Complacência Cerebral [pode cair na prova] Capacidade dos elementos encefálicos de acomodar-se ao surgimento de um novo elemento dentro do crânio sem gerar hipertensão intracraniana. Em outras palavras, a complacência é o tempo que as estruturas encefálicas (todas as estruturas de dentro do crânio) conseguem se moldar para suportarem aumentos de volume dentro do crânio sem gerar hipertensão intracraniana. Curva de Langfitt ● Fase 1 Há aumento de volume dentro do crânio, mas não há aumento de pressões – a complacência age em sua totalidade. ● Fase 2 O aumento de volume começa a aumentar as pressões, porém lentamente. ● Fase 3 e 4 Pequenos volumes adicionados geram elevações significativas e rápidas de pressão intracraniana. A complacência é inversamente proporcional à velocidade de crescimento de uma massa intracraniana, isto é, se o aumento de volume for rápido, a complacência é ineficaz. Se o aumento de volume for lento e gradual, a complacência é eficaz. Exemplos: traumatismo cranioencefálico (TCE) e tumor intracraniano benigno com taxa de crescimento baixa. 3 O que determina a eficiência da complacência? ● Idade ● Etilismo ● Velocidade do aumento do volume Idade avançada e consumo de bebidas alcoólicas estimulam a atrofia cerebral, portanto esses indivíduos têm aumento de espaço cerebral, que torna-se ocupado pelo líquor, o primeiro componente que é redirecionado em condições de HIC. Nesses indivíduos, a Fase 1 da Curva de Langfitt se alonga. Em indivíduos jovens, em contrapartida, o encéfalo ocupa quase totalmente o interior do crânio ao ponto que fica difícil de observar seus ventrículos em um exame de imagem – o que é bom para a saúde cerebral, mas em casos de TCE, esse indivíduo terá consequências imediatas. Nesse exemplo, a Fase 1 da Curva de Langfitt se estreita ou desaparece. Herniações Os desvios do tecido encefálico frente a HIC, além de toparem com o arcabouço ósseo inelástico, também se encontram com outros obstáculos quase tão rígidos quanto os ossos – a dura-máter. Trata-se da foice inter-hemisférica e tenda do cerebelo, que separam os hemisférios cerebrais e a fossa posterior da fossa média, respectivamente (a fossa média é separada da fossa anterior pela asa do esfenóide). A fossa posterior é a que tem seus limites mais bem estabelecidos: seu limite superior é a tenda do cerebelo e o inferior, o forame magno. Dentro da fossa posterior ficam o cerebelo, tronco encefálico e o IV ventrículo entre eles. As estruturas infratentoriais são mais sensíveis aos aumentos pressóricos e “dão problema” mais rápido, afinal, é um compartimento muito diminuto. As herniações – desvio de estruturas encefálicas através de estruturas ósseas e durais dentro do crânio – ocorrem quando um hemisfério cerebral tenta se insinuar para o outro lado devido a um efeito compressivo, diz-se herniação subfalcina (ou herniação do giro do cíngulo); nesses casos, uma estrutura vascular importantíssima pode ser comprimida: as artérias cerebrais anteriores. A herniação subfalcina pode promover isquemia do território das aa. cerebrais anteriores. A herniação mais perigosa de todas é aquela que se insinua entre a borda livre da tenda do cerebelo e o mesencéfalo chega na parte mais medial do lobo temporal, o uncus. O lobo temporal repousa sobre o assoalho da fossa média, e medialmente ao lobo temporal fica o tronco encefálico (na altura dessa herniação fica o mesencéfalo). Trata-se da herniação transtentorial (ou herniação uncal), que comprime o mesencéfalo, podendo promover morte por choque neurogênico (maior parte das vezes) ou óbito. 4 A herniação transforaminal (ou herniação amigdaliana) é a insinuação da tonsila cerebelar (parte mais baixa do cerebelo) pelo forame magno; pode ser tão perigosa quanto a transtentorial, porém sua incidência é menor. Existe uma quarta herniação que pode acontecer quando o crânio encontra-se aberto por algum motivo: seja por uma fratura ou pós-operatório de uma craniotomia – o tecido encefálico pode se insinuar pela falha óssea, produzindo a herniação transcalvariana. Pressão de Perfusão Cerebral (PPC) Trata-se da pressão arterial necessária para nutrir o tecido encefálico em termos de sangue, que carrega consigo oxigênio e glicose. Tudo discutido até agora culmina no comprometimento da PPC; quando a PPC diminui, o paciente pode morrer. No interior dos vasos arteriais a pressão arterial é regida pela pressão arterial média, calculada através da seguinte fórmula – em adultos normais, esses valores encontram-se em torno de 80 a 100 mmHg. Para que as artérias consigam nutrir o encéfalo, a PAM precisa ser maior que a pressão intracraniana (PIC). Se a PIC for maior que a PAM, o encéfalo entra em isquemia. A pressão de perfusão cerebral se dá pela fórmula: A PPC fisiológica mínima em um indivíduo consciente é de 75 mmHg; em condições extremas, na UTI, até 50 mmHg são aceitos, valor limite mínimo para manter vivas as células neurais – o indivíduo precisa estar em coma induzido, afinal acordado o cérebro demanda mais substrato energético. A PIC normal do adulto gira em torno de 10 a 20 mmHg, oscilando muito durante o dia. Quando tossimos, supera 20, quando dormimos, torna-se inferior a 10. O grande problema é que esta pressão fique além desses valores de forma sustentada. A auto-regulação cerebral O cérebro tem uma capacidade autônoma de conduzir o seu fluxo sanguíneo: pode vasocontrair e vasodilatar a sua estrutura arterial conforme a necessidade. Isso faz com que, em condições normais, indivíduos normotensos, hipertensos e hipotensos mantenham a sua homeostase desde que a pressão arterial média não seja menor que 50 mmHg ou maior que 150 mmHg. Abaixo de 50 mmHg, ocorre hipofluxo cerebral e a PPC diminui. Acima de 150 mmHg, há chance de ruptura de vasos cerebrais. 5 Em um indivíduo com HIC, entretanto, a capacidade de auto-regulação cerebral se perde: O segundo gráfico representa que na vigência da HIC, pequenas alterações da PAM desregulam o fluxo sanguíneo cerebral.As variações de oxigênio e gás carbônico são extremamente importantes para gerar aumento ou diminuição do fluxo sanguíneo cerebral: ● Muito CO2 no sangue arterial → vasodilatação ○ Pouco O2 no sangue arterial → vasodilatação ● Pouco CO2 no sangue arterial → vasoconstrição ○ Muito O2 no sangue arterial → vasoconstrição Obviamente, essas duas ocorrências ocorrem ao mesmo tempo, porém a variação do CO2 em condições de hipoxemia acontece muito mais rapidamente que a queda de O2. Por esse motivo, o cérebro é mais sensível a variações de CO2 para antecipar a falta de O2. Ciclo vicioso Se a pressão intracraniana se eleva, portanto HIC, a pressão de perfusão cerebral diminui. Com isso, o CO2 aumenta e o O2 diminui, estimulando a vasodilatação: o fluxo sanguíneo se eleva tentando suprir a nutrição cerebral; o problema é que o aumento do fluxo também intensifica a PIC, que novamente diminui a PPC e assim segue o ciclo, que deve ser quebrado o mais rápido possível. Manifestações clínicas da HIC ● Cefaléia ● Náuseas e vômitos ● Rebaixamento do nível de consciência ● Déficit visual progressivo (compressão do nervo óptico [II] verificável pela fundoscopia) ● Déficit do nervo abducente (VI) ○ Trata-se do nervo com maior trajeto no espaço subdural, o que o torna mais suscetível a compressões; quando bilateral, é um sinal indireto de HIC 6 O problema é que raramente o indivíduo chega com a queixa de HIC e é capaz de relatar todas suas manifestações. Muitas vezes, é uma vítima de trauma, que já chega em coma. Nesses casos, avaliamos clinicamente HIC através da tríade de Cushing: ● Hipertensão arterial sistêmica ● Bradicardia ● Irregularidades do padrão ventilatório (Vídeo Cheyne-Stokes [CLIQUE AQUI]) ○ Hiperventilação seguida de apnéia Em indivíduos sedados/intubados, a irregularidade ventilatória não pode ser vista, mas ainda assim apresentará HAS e bradicardia, sinais clássicos de HIC. Escala de Coma de Glasgow [pode cair na prova] Indivíduos com HIC estão sob o risco iminente de redução do nível de consciência, portanto é bom revisar essa tabela. Anisocoria Como dito anteriormente, a herniação mais comum é a transtentorial (ou uncal), que comprime o mesencéfalo. A anisocoria é uma manifestação da compressão dessa região: quando o uncus é desviado medialmente e se insinua entre a borda livre da tenda do cerebelo e o mesencéfalo, atinge o III par de nervo craniano – o oculomotor. Esse nervo tem três funções: motricidade ocular extrínseca, motricidade palpebral e motricidade ocular intrínseca – essa última é representada pela contração do músculo esfíncter da pupila. Essa função é do sistema nervoso autônomo. https://youtu.be/lkLbV6_HKVs?t=18 7 Existem fibras do sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático no III nervo: as parassimpáticas, que promovem a miose (quando a pupila fecha), estão presentes na constituição do nervo oculomotor desde a sua origem, no mesencéfalo. Já as fibras simpáticas só se integram ao oculomotor quando está próximo do globo ocular. Ao comprimir o III nervo pela herniação transtentorial, as fibras parassimpáticas param de funcionar e a função simpática é exacerbada, a midríase (o olho fica dilatado). A compressão é ipsilateral ao olho midriático: Nesse caso hipotético, a herniação transtentorial ocorreu do lado direito da paciente. Trato corticoespinal: além da anisocoria, o trato corticoespinal é comprimido, produzindo uma hemiparesia/hemiplegia contralateral. Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA): quando comprometido, o indivíduo entra em coma. A compressão do mesencéfalo leva a essas três manifestações: anisocoria ipsilateral, hemiparesia/hemiplegia e coma. Raramente essa sequência será observada. É comum ver um indivíduo em coma, com anisocoria. Caso seja identificado o indivíduo com anisocoria e ainda consciente, devemos preservar sua via aérea, estabilizar hemodinamicamente e fazer uma tomografia de crânio. Como monitorizar a PIC? Podemos fazer a monitorização com um cateter dentro do corno anterior do ventrículo lateral, dentro do parênquima cerebral ou dentro do espaço subdural, sendo a primeira opção a com resultados instantâneos mais fidedignos – além disso, também permite a drenagem do líquor, um método terapêutico, pois alivia a pressão intracraniana. A monitorização, entretanto, não é necessária para tratar o indivíduo com HIC. 8 Tratamento da HIC na UTI Indivíduo com Glasgow 8 (ou menos) e tomografia que indica HIC. Se possível, monitorar a PIC, mantendo a PPC acima de 50 mmHg. Se o monitor mostrar que a PIC está acima de 20 mmHg (HIC iminente) – tratamento de 1ª linha: ● Elevar a cabeceira a 30º ○ Facilita o retorno venoso pela jugular e não dificulta a chegada de sangue pelas carótidas. Se elevar mais, o sangue tem dificuldade de chegar; se deitar, o sangue tem dificuldade de sair. ● Sedação – 1ª opção midazolam (BZD) e fentanil (opióide/analgésico/sedativo em altas doses) ○ Diminui a demanda energética do encéfalo; “remove” a consciência, memória e dor ● Pressão de CO2 entre 35 e 38 mmHg ● Hiperventilação Diminui o CO2, que promove vasoconstrição. Não pode ser mantido por muito tempo, se não causa hipóxia. Todas essas medidas devem ser muito rápidas. ● Saturação de O2 acima de 95% ● Drenar líquor do catéter ventricular (derivação ventricular externa [DVE]) ○ Nunca drenar líquor lombar, pois cria uma pressão negativa na região da medula, “puxando” o cérebro para baixo, o que facilita herniações transforaminais ou transtentoriais por gradiente de pressão. Se a PIC continuar elevada, fazer outra tomografia. Se não há nada para ser drenado, inicia-se a 2ª linha de tratamento: ● Hiperventilação, mantendo a pressão de CO2 entre 30 e 35 mmHg ● Manitol ○ um diurético hiperosmolar que remove os líquidos intersticiais do cérebro, aliviando o edema. O problema é que é muito diurético, o que diminui a volemia, retorno venoso, débito cardíaco e fluxo cerebral, promovendo hipóxia (deve ser uma solução rapidamente revertida). ● Coma barbitúrico ○ Sedação mais intensa, diminuindo a demanda por oxigênio e glicose Intervenção de terceira linha – alta chance de mortalidade: ● Solução salina hiperosmolar ○ Semelhante ao Manitol, porém menos agressivo, portanto pode ser usado mais prolongadamente ● Hiperventilação, mantendo a pressão de CO2 abaixo de 30 mmHg ○ Quanto maior a ventilação, maior o risco de lesão hipóxica ● Craniectomia descompresiva ○ Se o edema for de apenas um lado do cérebro ● Hipotermia – diminui o metabolismo cerebral ○ Preserva o cérebro, um método muito agressivo. Mesmo que o indivíduo sobreviva, o que já seria raro, há grandes chances dele apresentar um coma ou estado vegetativo persistente. 9 Comentários aula prática ● A HIC é considerada uma síndrome (conjunto de sinais e sintomas) ○ Tríade associada a HIC: cefaléia, vômitos e rebaixamento do nível de consciência (Glasgow) ○ Diagnósticos diferenciais: hemorragia subaracnóidea (HSA) e meningite ■ Em ambas situações diferenciais, observamos rigidez de nuca ■ A diferença de ambas é que a velocidade de início de sintomas é muito diferente; na HSA o início é rápido, na meningite o início é progressivo ● De forma geral, doenças inflamatórias, infecciosas e tumores apresentam instalação progressiva ● Através dos mecanismos de compensação, o cérebro consegue equilibrar a pressão intracraniana (lembre-se da doutrina de Monro-Kellie) através da saída do líquor e sangue venoso ○ De acordo com a doutrina de Monro-Kellie se estabeleceu a curva de Langfitt [pode cair na prova] ■ A partir do ponto de descompensação, pequenas elevações no volume intracraniano geram grandes aumentos de pressão intracraniana ○ As herniações costumam acontecer no sentido crânio-caudal, sendo a subfalcina uma das primeiras e a amigdaliana (transforaminal) uma das últimas, que comprime o bulbo, levando a parada cardiorespiratória ○ A herniação uncal (transtentorial) comprime o uncus (parte mais medial do lobo temporal), estrutura encostadano mesencéfalo. Quando ocorre sua herniação, o III NC (oculomotor) é comprimido, relevando a anisocoria ipsilateral, ptose palpebral, e estrabismo divergente (porque o oculomotor inerva, dentre outros músculos, o reto medial; portanto prevalece o reto lateral/NC abducente). As manifestações acontecem exatamente nessa ordem (evolução natural) [pode cair na prova] ● Complacência: capacidade do cérebro se adaptar frente a um novo volume intracraniano sem aumentar as pressões intracranianas (1/Elastância) ● Elastância: resistência que o cérebro oferece ao novo volume (1/Complacência) ○ Na fase 1 (curva de Langfitt), por exemplo, a complacência é alta e a elastância baixa ○ Na fase 4, a complacência é baixa (o cérebro já se adaptou ao máximo) e a elastância é alta ● Um dos fatores que influencia na complacência e elastância é a velocidade da instalação do volume (a complacência é inversamente proporcional a velocidade de instalação do volume) ● Fluxo sanguíneo ideal: 100ml por 100g de tecido encefálico ● Existem tipos de edema cerebral: vasogênico [tumores cerebrais] e citotóxico [politrauma e AVCh] ○ Continuação de “Tratamento da HIC na UTI”: corticóides como dexametasona podem ser usados em edemas vasogênicos