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Psicologia e educação: Piaget SST Silva, Vitor Lima da Psicologia e educação: Piaget / Vitor Lima da Silva Ano: 2020 nº de p.: 13 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Psicologia e educação: Piaget 3 Apresentação A psicologia do desenvolvimento é uma área de pesquisa da Psicologia que busca compreender o desenvolvimento do ser humano de maneira global. Vamos refletir sobre a influência da psicologia do desenvolvimento sobre a educação, veremos as teorias que fundamentam esta área da Psicologia, e em seguida, conheceremos o teórico Jean Piaget que produziu amplo material e que ficou conhecido pela Psicologia Genética. Compreenderemos todas as etapas do desenvolvimento segundo Piaget e como aplicá-las numa melhor performance e intencionalidade na sua prática pedagógica. A psicologia do desenvolvimento e a educação A psicologia do desenvolvimento se baseia em outros campos, como a neurociência, para auxiliar o meio educacional. Ela geralmente envolve testes padronizados para obter informações sobre as habilidades de aprendizagem, como as crianças processam essas informações e qual o seu potencial de aprendizado. Isso nos permite recomendar estratégias e apoios específicos de aprendizado e ajudar as crianças a alcançar todo o seu potencial. Geralmente, esta atuação profissional se estende além da sala de aula, ou seja, para outros aspectos da vida diária, como gerenciamento de estresse e construção de resiliência e autoconfiança. Portanto, trabalhar com as crianças para descobrir como elas aprendem e processam as informações, é um dos fatores positivos de se alinhar a psicologia do desenvolvimento na educação buscando maneiras de melhorar seu desempenho. É fato, que não é apenas a inteligência que afeta os resultados da aprendizagem, sabemos que as questões emocionais, atitudes, motivação, autorregularão, comportamento e autoestima contribuem para o aprendizado. Uma avaliação de aprendizado geralmente é o primeiro passo no processo de alinhamento da psicologia do desenvolvimento e a educação. A questão não é apenas para 4 identificar distúrbios ou dificuldades de aprendizagem, mas sim realizar uma avaliação completa da aprendizagem (ou avaliação educacional) que pode também revelar pontos fortes e fracos específicos das habilidades de aprendizagem subjacentes, desempenho acadêmico comparado ao esperado para a idade e o nível educacional de uma criança, problemas ambientais e outros fatores que influenciam o processo de aprendizagem. Essas avaliações também podem revelar certas áreas problemáticas - como memória - ou fatores emocionais que afetam o aprendizado, como ansiedade. Portanto é importante verificar programas de intervenção precoce, estratégias específicas de aprendizagem para casa e escola, solidificar maneiras de como lidar com problemas emocionais ou ambientais. Todo esse processo colaborativo produz insights que são acionáveis - pelos pais, professores e crianças, e a ação entre estes é a única maneira de criar melhorias significativas nos resultados da aprendizagem. Jean Piaget e a psicologia genética Jean Piaget (1896-1980) nasceu na Suíça e já apresentava ímpetos científicos desde sua infância. Em sua autobiografia, ele relata que desde os sete anos gostava de observar os pássaros, conchas marinhas e moluscos que ficavam ao redor dos lagos suíços. O seu interesse pela observação empírica e pela biologia não se limitou à infância. Ele licenciou-se em Biologia em 1915 e defendeu tese de doutorado em 1918, sobre moluscos de Valais, na Universidade de Neuchâtel (Suíça). Da Biologia à Epistemologia, este foi o percurso que Piaget traçou quando começou a se interessar pela questão do conhecimento e de como o adquirimos ao longo do nosso desenvolvimento. Este tema se tornou ponto crucial em sua trajetória de pesquisa e produção teórica. Piaget preocupou-se em entender como o conhecimento é adquirido pelo indivíduo e como esta capacidade, especificamente humana, diferencia radicalmente o ser humano das demais espécies. Piaget importou algumas ideias e conceitos da Biologia para o campo do desenvolvimento infantil, pois para Piaget, o desenvolvimento é um processo contínuo de trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente. Outra referência da Biologia utilizada é de que o organismo vivo está em processo constante de adaptação por meio da busca pelo equilíbrio com o meio ambiente. Neste sentido, Oliveira pontua que: 5 [...] o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no individuo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso – da harmonia entre organismos e meio – causando um desequilíbrio (OLIVEIRA & DAVIS, 1994, p. 38). Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo é definido como um contínuo processo de busca pelo equilíbrio entre as capacidades cognitivas do indivíduo e as condições do meio. O processo de equilibração envolve dois mecanismos, a assimilação e a acomodação, que atuam no sentido de permitir ao indivíduo atingir um novo estado de equilíbrio. Na prática, esses dois mecanismos ocorrem simultaneamente. Assimilação: É o mecanismo de significação, sem alteração da estrutura, destinada a novos elementos do meio. Acomodação: É o processo no qual o indivíduo modifica estruturas internas a partir de situações externas às quais está submetido. Piaget desenvolveu inúmeros experimentos práticos com grupos variados de crianças, e a influência dos estudos da Biologia possibilitou-lhe um rigor metodológico que aplicou nas pesquisas sobre o desenvolvimento intelectual da criança. Ele sistematizou os resultados e as informações obtidos nas pesquisas e produziu um amplo material teórico, que é comumente referenciado no campo da Psicologia da Educação. A principal preocupação de Piaget está em descobrir como a criança adquire novos conhecimentos, assim o enfoque de suas pesquisas é o desenvolvimento cognitivo da criança, se preocupando mais com o desenvolvimento das estruturas mentais do que com os processos de aprendizagem em si. Segundo ele, o processo de desenvolvimento é gradual e contínuo e só é possível passar a uma nova etapa quando os requisitos da etapa anterior estão contemplados. A aquisição de novas qualidades do pensamento influencia no desenvolvimento global do indivíduo. 6 Etapas do desenvolvimento infantil Piaget organizou as etapas do desenvolvimento de acordo com as habilidades predominantes na faixa etária de cada período. Apesar de todas as pessoas passarem por todas as fases, o início e o fim de um determinado período podem variar de acordo com as características biológicas do indivíduo, estímulos do ambiente e condições sociais e culturais. Veja a seguir quais são essas etapas. Período sensório motor (0 a 2 anos) Nesse período a criança utiliza basicamente as percepções sensoriais e esquemas motores para interagir com o mundo que a cerca. A exploração do mundo externo se dá pelo corpo, ou seja, para conhecer, é necessário interagir diretamente com as coisas. O recém-nascido possui vida mental restrita aos aparelhos reflexos, tais como a sucção. Com o passar dos dias, estes esquemas se modificam e ficam cada vez mais elaborados. Os reflexos inatos vão se aperfeiçoando com as experiências da criança e, juntamente com o desenvolvimento dos esquemas motores, ampliam as possibilidades de interação e exploração do mundo. Nesse período, a criança ainda não consegue representar, e a vida ocorre apenas no plano concreto do aqui-e-agora. 7 Período sensório motor Fonte: Plataforma Deduca (2020) É uma fase em que a inteligência e a afetividade estão interligadas por meio das interações sociais e estímulos oriundos das experiências com outras pessoas. No final desse período, a criança acumulou certa experiência sensório motorae demonstra Inteligência prática. O desenvolvimento físico avança bastante nestes dois anos, o que dá suporte para o desenvolvimento de esquemas motores mais elaborados. Este processo de amadurecimento físico repercute diretamente na capacidade de a criança desenvolver novas habilidades e comportamentos, como sentar-se, andar e manusear objetos ao seu redor com certo nível de controle, o que amplia sua capacidade de explorar e atuar no ambiente. Outro processo importante neste período é a construção da noção de “eu”. O bebê começa a perceber os limites entre seu corpo e o mundo externo. Ele explora o próprio corpo e acumula registros diversos de sua própria emoção, que vai dando contorno ao seu autoconceito. Ele já admite que as outras coisas existam independentes dele, ou seja, a experiência deixa de ser puramente imediata, e a realidade das coisas começa a ter uma estabilidade para além do momento percebido. 8 Neste processo, a criança elabora sua organização psicológica básica, que inclui o desenvolvimento de sua experiência motora, perceptiva, afetiva, social e intelectual. O bebê não está mais imerso no mundo das emoções primárias e sai de uma posição passiva diante das coisas para começar a manifestar preferência afetiva por objetos e pessoas. A função simbólica surge e dá à criança a capacidade de representar o futuro, transformando radicalmente a maneira como o bebê interage com seu meio e cria as condições para ingresso no próximo período. Período pré-operatório (2 a 7 anos) Esse período é conhecido também como primeira infância, onde a aquisição da linguagem é o fator de maior destaque no desenvolvimento da criança, pois implica mudanças substanciais nos aspectos intelectual, afetivo e social. A criança começa a externalizar o seu mundo interior pela linguagem, desenvolvendo a capacidade de representar e prever ações futuras. À inteligência prática desenvolvida no estágio anterior, agrega esquemas representativos ou simbólicos que permitem antever uma ideia preexistente. Neste momento, ela consegue formar representações, ou seja, o pensamento passa por um processo de desenvolvimento intenso. No início do período, os pensamentos são pura expressão de seus desejos e fantasias (jogo simbólico) e, no decorrer desta fase, a criança passa a usar sua referência de eu para explicar o mundo. Mas vale destacar que a criança não consegue realizar um distanciamento em relação ao seu próprio eu e, por isso, o pensamento, neste momento, é chamado de pensamento egocêntrico. Pensamento egocêntrico: É um momento de “reconhecimento do eu, e a criança não consegue se colocar no lugar do outro: o trabalho em grupo torna-se difícil. Ao final do período, a criança passa a procurar explicação causal e finalista para tudo: é a fase em que ela quer saber o “porquê” de tudo. Neste momento, ela já se mostra mais adaptada ao outro e ao real. 9 O pensamento pré-operatório depende da percepção momentânea da criança, podendo gerar distorções em relação à realidade, ou seja, a criança não tem noção de conservação: mudando a aparência do objeto, ela pensa que muda também a quantidade, o volume, a massa e o peso. Apesar de as ações no período pré-operatório serem internalizadas, a criança não domina a noção de reversibilidade, que é uma das condições para que haja uma ação operatória. Isso quer dizer que a criança não consegue retornar mentalmente ao início de uma operação. Período operatório-concreto (7 a 11 ou 12 anos) Nesse período a criança possui características marcantes que a diferenciam do período anterior. O desenvolvimento mental superou a fase do pensamento egocêntrico e começa a construção lógica, o que possibilita a ela lidar com pontos de vistas diferentes. O reflexo no plano afetivo é caracterizado pelo desenvolvimento da habilidade interpessoal de cooperar com o outro e aceitar a existência das diferentes opiniões, tornando possível o trabalho em grupo, sem deixar de exercer sua autonomia. As ações interiorizadas tornam-se mais flexíveis, e a criança consegue executar a reversibilidade das operações, daí o período ser denominado operatório. Ela já entende, por exemplo, que 5-3=2, pois sabe que 2+3=5. Esta operação de reversibilidade reflete-se na capacidade de compreender a noção de conservação. O pensamento é pautado mais no raciocínio lógico do que na percepção. Deste modo, alterar o tamanho de um recipiente com a mesma quantidade de água não afeta a noção de que a quantidade de água se mantém a mesma. O pensamento operatório-concreto não sofre tanta influência da percepção, e a criança tem noção de conservação quanto à massa, ao peso e volume dos materiais. Ela também consegue estabelecer relações de causa e efeito, meio e fim, além de conseguir sequenciar eventos ou ideias. Assim, a criança irá formar o conceito de número, que no início estará atrelado ao objeto concreto. 10 Pensamento operatório-concreto Fonte: Plataforma Deduca (2020) À medida que a criança se desenvolve, ela ganha autonomia e confiança em si, o que faz com que se distancie das ideias dos adultos e comece a organizar seus próprios valores morais. Aparece também a vontade própria como referência para a tomada de decisão em situações conflituosas. Ao final desta fase, a criança encontra no grupo de amigos um espaço de segurança e afeto. O sentimento de pertencer ao grupo ganha intensidade, e a convivência com a opinião dos adultos (especialmente dos pais) dá lugar aos enfrentamentos e embates. Período operatório-formal (11 ou 12 anos em diante) Neste período, ocorre a mudança do pensamento concreto para o pensamento formal ou abstrato. O adolescente ingressa no mundo das ideias e não necessita operar sobre o concreto, como na fase anterior. Os esquemas mentais estão mais complexos e progressivamente suportam raciocínios abstratos e generalizações teóricas. 11 Período operatório-formal Fonte: Plataforma Deduca (2020) O fato de não precisar mais do mundo real para pensar sobre ele liberta o pensamento do adolescente do mundo concreto. A capacidade de abstração passa a ser utilizada para pensar seu próprio mundo e questionar os modelos próximos, principalmente dos pais. Neste processo, o adolescente tende a ficar mais interiorizado e distante da família, mantendo as reflexões críticas em relação à sociedade. É um segundo momento de (re)constituição da identidade do indivíduo. O período da adolescência é marcado por conflitos, necessidade de contrariar o modelo dos pais e questionar as regras. Com o decorrer do tempo, o adolescente encontra um equilíbrio entre seus ideais e a realidade possível e constata a importância da reflexão para atuar sobre o mundo real. Piaget pontua que a personalidade começa a se formar no final da infância, entre oito e doze anos. Neste período, o indivíduo inicia a organização das próprias regras, valores e a afirmar a própria vontade. Estas características agrupam-se num projeto de vida que passa a nortear as escolhas e preferências do sujeito. Este processo não é rígido e nem linear, pelo contrário, ele é dinâmico e mutável, assim como o próprio período da adolescência. O período operatório-formal representa o mais alto grau de complexidade do desenvolvimento cognitivo. É importante destacar que o amadurecimento da capacidade cognitiva do sujeito adulto se dá em termos qualitativos e de profundidade, já que as experiências da vida continuam oportunizando aprendizados. 12 Fechamento Vimos que o desenvolvimento humano é focado a partir de duas dimensões física- orgânica e a mental-psicológica, e podemos observar como o avanço dos estudos do desenvolvimento humano repercutiu diretamente no campo da Educação. Refletimos sobre como as crianças aprendem e processam as informações, e que isso é um dos fatores positivos de se alinhar a psicologia do desenvolvimento na educação buscando maneiras de melhorar seu desempenho. Por fim, conhecemos como Piaget importou ideias e conceitosda biologia para o campo do desenvolvimento infantil e postulou quatro estágios: sensório-motor (0 a 2 anos), pré-operatório (2 a 7 anos), operatório-concreto (7 a 11 ou 12 anos) e operatório-formal (a partir dos 11 ou 12 anos). Para saber mais sobre as características típicas da adolescência e os desafios e conflitos que rondam esse período do desenvolvimento humano, permeado por rebeldia e contestação às normas estabelecidas, assista ao filme “Kids”. https://www.youtube.com/watch?v=eGd1K0Rhzzk Saiba mais 13 Referências How Does Educational Psychology Help Children’s Learning? by Melbourne Child Psychology & School Psychology Services, Port Melbourne. Disponível em: <https:// www.melbournechildpsychology.com.au/blog/educational-psychology-how-it-helps- learning/- Acesso em: 18, Maio 2020. OLIVEIRA, Z. R., DAVIS. C. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez 1994. Piaget, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998.