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Módulo Tributo e Segurança Jurídica SEMINÁRIO V - SEGURANÇA JURÍDICA E PROCESSO: COISA JULGADA AÇÃO RESCISÓRIA E PRECEDENTES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA Questões 1. Tomando o conceito fixado por Paulo de Barros Carvalho1 acerca do princípio da segurança jurídica: “dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta.” Pergunta-se: a) Que é segurança jurídica? Qual sua relevância? O tema em questão possui elevada relevância e, ainda atualmente, continua sendo objeto de constantes discussões. Para introduzir essa reflexão, é essencial destacar os ensinamentos do renomado Humberto Ávila2, que defende que o direito deve ser “compreensível, estável e previsível”. Segundo o autor, é indispensável que o direito apresente um mínimo de clareza e precisão. Nessa mesma linha, o professor Paulo de Barros Carvalho3 ensina que o direito é uma criação humana, constituindo uma linguagem capaz de transformar a realidade social. Trata-se, portanto, de um conjunto de normas jurídicas vigentes em determinado território. Diante disso, torna-se evidente que o direito tem como propósito orientar e regular as relações sociais, sendo a previsibilidade e a segurança elementos indispensáveis para o cumprimento dessa função. Sob essa ótica, é inconcebível que, em um Estado Democrático de Direito, sejam desrespeitados o ato jurídico perfeito, 1. In Curso de direito tributário. 31ª edição. São Paulo: Noeses, 2021, p. 168. 2 ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 5ª ed. São Paulo:Malheiros, 2019. 3 O Princípio da Segurança Jurídica em Matéria Tributária, de Paulo de Barros Carvalho. Módulo Tributo e Segurança Jurídica especificamente no artigo 6º e seus parágrafos, que definem ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, nos seguintes termos: Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Considera-se ato jurídico perfeito aquele que já se consumou sob a égide da lei vigente ao tempo em que se realizou. § 2º São considerados adquiridos os direitos que seu titular, ou quem o represente, possa exercer, bem como aqueles cujo exercício tenha termo pré-fixado ou condição previamente estabelecida, não sujeita à modificação por vontade alheia. § 3º Dá-se o nome de coisa julgada ou caso julgado à decisão judicial da qual não caiba mais recurso. Além disso, ao analisarmos o Código Tributário Nacional (CTN), percebemos dispositivos que reforçam a centralidade da segurança jurídica, funcionando, de forma geral, como parâmetro de proteção ao contribuinte. O princípio da legalidade, por exemplo, está claramente consagrado no artigo 9º do CTN, que veda aos entes federativos instituir ou aumentar tributos sem previsão legal, princípio este também presente nos artigos 5º, inciso II, e 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Outro aspecto relevante é a consagração da irretroatividade como regra fundamental, manifestada nos artigos 105, 106, 116 e 146 do CTN, bem como nos artigos 5º, inciso XXXVI, e 150, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal. No âmbito processual, a busca pela segurança jurídica também se manifesta. O Código de Processo Civil (CPC) reflete essa preocupação, especialmente no artigo 926, que impõe aos tribunais o dever de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente. Da mesma forma, o artigo 976 do CPC trata do incidente de resolução de demandas repetitivas, instrumento criado para assegurar a uniformidade e previsibilidade das decisões judiciais. Tais dispositivos visam, claramente, mitigar a falta de isonomia nos julgamentos e garantir tratamento equânime entre os jurisdicionados. Diante desse panorama, é evidente que o princípio da segurança jurídica permeia não apenas as normas aqui analisadas, mas também diversas outras no ordenamento jurídico, consolidando-se como pilar essencial sustentado pela nossa Módulo Tributo e Segurança Jurídica Constituição Federal. b) As prescrições do CPC/15 voltadas à estabilização da jurisprudência vêm ao encontro da realização da segurança jurídica (vide arts. 9º, 10, 926, 535, §§ 5º, 6º, 7º e 8º, 927 todos do CPC/15) em hipóteses como a de mudança de orientação de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como, por exemplo, ocorreu no caso do direito à manutenção do crédito de ICMS na hipótese de saída de mercadorias com redução de base de cálculo (Vide anexos I e II)? Quando tratamos da seara tributária, ao abordarmos o princípio da segurança jurídica, é inevitável refletir sobre o intenso debate que envolve os efeitos decorrentes de eventuais alterações na jurisprudência. Afinal, essas mudanças fazem parte da própria dinâmica do sistema jurisdicional, estando sempre presentes na sua essência. O Código de Processo Civil, por sua vez, reforçou a importância da vinculação aos precedentes, buscando não apenas assegurar a isonomia, mas também conferir maior celeridade à atividade jurisdicional, especialmente diante do expressivo volume de demandas repetitivas. Esse mecanismo, portanto, tem como objetivo promover a uniformização da jurisprudência. Contudo, situações que envolvem a alteração do entendimento de um Tribunal, como a hipótese apresentada no enunciado da questão, são sempre sensíveis e, embora possam gerar insegurança, muitas vezes se revelam necessárias. Isso, porém, desde que o novo entendimento se mostre claramente mais adequado e coerente do que aquele anteriormente adotado. É fundamental que essas mudanças sejam conduzidas com cautela, sempre em respeito a princípios basilares como a segurança jurídica e a boa-fé objetiva. Ainda assim, mesmo diante da superação de uma tese anterior, é imprescindível preservar institutos essenciais, como o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, que garantem a estabilidade das relações jurídicas. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Os Anexos I e II ilustram precisamente essa mudança de entendimento por parte do Tribunal. No primeiro caso, através do RE 161.031, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a redução do valor da base de cálculo do ICMS não enseja, sob a ótica constitucional, a vedação à compensação do imposto recolhido na etapa anterior. Isso porque as disposições das alíneas “a” e “b” do inciso II do §2º do artigo 155 da Constituição Federal aplicam-se apenas às hipóteses de isenção ou não incidência, as quais não se confundem com o benefício fiscal discutido. Por outro lado, no segundo caso, analisado no RE 174.478, o STF adotou um posicionamento diverso, concluindo que, nas situações de isenção fiscal parcial, deve ser realizado o estorno proporcional dos créditos, especialmente quando os insumos adquiridos para industrialização resultam em saídas tributadas com base de cálculo reduzida. 2. Jurisprudência, precedente e julgamento de caso repetitivo são utilizados como termos sinônimos no CPC/15? No desenvolvimento desse tema, é essencial destacar uma valiosa lição trazida por Fredie Didier Jr., que leciona: “À luz das circunstâncias específicas envolvidas na causa, interprestam-se os textos legais (latu senso), identificando a norma geral do caso concreto, isto é, a ratio decidendi, que constitui o elemento nuclear do precedente. Um precedente, quando reiteradamente aplicado, se transforma em jurisprudência, que, se predominar em tribunal, pode dar ensejo à edição de um enunciado na súmula da jurisprudência deste tribunal (...)”.4 Ao aprofundarmos a análise dos conceitos de “jurisprudência”, “precedente” e “julgamento de casos repetitivos”, torna-se evidente que há, por vezes,uma confusão na forma como o legislador emprega esses termos, muitas vezes tratando- os como sinônimos de forma inadequada. 4 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação da tutela. Salvador: Jus Podivm, 2015. Módulo Tributo e Segurança Jurídica De maneira ampla, pode-se compreender a jurisprudência como um conjunto de decisões judiciais que seguem uma mesma linha de entendimento, possuindo, portanto, caráter mais geral e abstrato. Por sua vez, o precedente corresponde a uma decisão utilizada como referência para resolver casos futuros. É importante observar que, quando o precedente não possui efeito vinculante, ou seja, quando se aplica restritamente às partes do processo, não há obrigatoriedade de sua observância pelo Judiciário. Nesse cenário, ele se limita a uma ferramenta de reforço argumentativo, tanto por magistrados quanto por advogados. Por fim, o julgamento de casos repetitivos surge como instrumento processual que confere caráter vinculante a determinados precedentes, com o claro objetivo de promover a uniformização da jurisprudência sobre temas específicos. Esse procedimento ocorre por meio da instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, conforme disposto no Código de Processo Civil. Exponha o alcance e o conteúdo de cada um desses três termos. Considerando sua resposta a essa primeira parte da pergunta, responda: a) Jurisprudência, precedente e julgamento de caso repetitivo são normas jurídicas? Se sim, de que tipo? Em alinhamento com o que foi anteriormente exposto, observa-se que, muitas vezes, tanto a jurisprudência quanto o precedente funcionam apenas como instrumentos de técnica argumentativa, sem possuir, necessariamente, caráter vinculante para outros órgãos jurisdicionais. Por essa razão, não se pode considerá- los, por si só, como normas jurídicas. Por outro lado, os julgamentos de casos repetitivos, cuja disciplina está solidamente prevista no Código de Processo Civil, possuem natureza distinta. Nesses casos, a decisão proferida no processo paradigma adquire status de norma geral e abstrata, convertendo-se em precedente vinculante. Dessa forma, impõe-se a observância obrigatória por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário sempre que estiverem diante de controvérsias que apresentem idêntica situação fática e jurídica. Módulo Tributo e Segurança Jurídica b) A obrigação positivada no art. 927 do CPC/15 vincula os julgadores à jurisprudência, (e/ou) ao precedente, (e/ou) ao julgamento de caso repetitivo (e/ou) ao julgamento com repercussão geral? Esse art. 927 do CPC/15 é instrumento hábil para garantia da segurança jurídica? (Vide arts. 926, 927, 988, IV do CPC/15). O Código de Processo Civil de 2015 introduziu dispositivos importantes com o propósito de ampliar ainda mais a segurança jurídica, especialmente por meio da uniformização da jurisprudência. Nesse contexto, os artigos 926 e 927 do CPC demandam do intérprete uma atenção redobrada aos precedentes, atribuindo significativa relevância ao entendimento dominante adotado por determinado tribunal sobre temas e situações fáticas específicas. Além disso, os julgadores são compelidos a observar as normas previstas nos incisos I a V do artigo 927, visando garantir que a jurisprudência se mantenha estável, íntegra e coerente ao longo do tempo. 3. Uma lei tributária municipal é considerada inconstitucional por uma Associação que possui representação em âmbito estadual. Quais seriam os caminhos para a discussão da questão com efeitos erga omnes sem que seja necessária a discussão individual por cada contribuinte? Analise as opções seguintes motivando as razões do cabimento ou não e, no último caso, o foro de ajuizamento: a) Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI: Esse tema carece de previsão legal específica, embora tenha sido objeto de frequentes debates no âmbito do Supremo. É importante destacar que a legislação municipal somente poderá ser submetida à fiscalização do STF quando for analisada no controle difuso de constitucionalidade ou por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A Constituição Federal, em seu artigo 102, estabelece que apenas os atos Módulo Tributo e Segurança Jurídica normativos federais ou estaduais podem ser questionados por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, entende-se que não é admissível a propositura de ADI contra leis tributárias de âmbito municipal. b) Mandado de Segurança Coletivo: A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXX, alíneas “a” e “b”, estabelece a legitimidade para a impetração do Mandado de Segurança Coletivo, que pode ser promovido por partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano. Nesse mesmo sentido, a Lei nº 12.016/2009, em seu artigo 21, reconhece essa legitimidade para assegurar a defesa dos interesses legítimos relacionados à finalidade partidária, ou por meio de organização sindical, entidade de classe ou associação. Entretanto, a Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal impede a declaração de inconstitucionalidade por meio do Mandado de Segurança, razão pela qual não se admite o uso desse instrumento constitucional para questionar lei em tese. Além disso, os efeitos de eventual decisão seriam restritos às partes envolvidas, atingindo apenas os associados da entidade impetrante, já que o foro competente para o ajuizamento seria estadual. c) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Conforme o artigo 1º da Lei nº 9.882/1999, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) deve ser proposta perante o Supremo Tribunal Federal, tendo como objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental decorrente de ato do Poder Público. Módulo Tributo e Segurança Jurídica No parágrafo único desse mesmo artigo, está previsto que a ADPF também é cabível quando a controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal for relevante, incluindo aqueles anteriores à Constituição vigente. O inciso I desse parágrafo estabelece que os legitimados para propor ADPF são os mesmos autorizados a propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Assim, de forma geral, entende-se que as associações, por não estarem incluídas no rol previsto no artigo 103 da Constituição Federal de 1988, não possuem legitimidade para propor ADPF. d) Ação popular: A Lei nº 4.717/1965 regula a ação popular, conferindo a qualquer cidadão o direito de propor essa ação para anular ou declarar a nulidade de atos que causem prejuízo ao patrimônio público nas esferas federal, estadual ou municipal, abrangendo ainda autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com recursos públicos. Vale destacar que a ação popular representa uma forma de ativismo popular, possibilitando à população o exercício direto da fiscalização sobre o poder público. Entretanto, no presente caso, entende-se que a associação não detém legitimidade para ajuizar ação popular, pois tal instrumento é cabível apenas para contestar atos lesivos concretos, não sendo adequado para o controle abstrato da legislação. e) Ação Civil Pública: A ação civil pública é um instrumento constitucional destinado à defesa de interesses difusos e coletivos, regulada pela Lei nº 7.347/85. Conforme o artigo 5º, inciso V, alínea “a”, dessa lei, associações podem propor a ação civil pública desde que estejam constituídas há pelo menos um ano, conforme a legislação civil. Módulo Tributoe Segurança Jurídica No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem flexibilizado essa exigência temporal, admitindo o ajuizamento da ação mesmo antes de completar um ano, desde que o interesse social e a dimensão do dano sejam comprovados. Quanto à possibilidade de questionar a constitucionalidade por meio da ação civil pública, o Supremo Tribunal Federal (STF) admite esse manejo pela via difusa, considerando-o um instrumento de controle incidental de constitucionalidade. Entretanto, a alegação de inconstitucionalidade deve ser tratada como questão prejudicial, ou seja, um aspecto necessário para a solução do conflito principal da demanda. f) Ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária: Essa ação terá efeitos inter partes e deverá ser julgada de forma individual, perante o foro de domicílio do contribuinte, conforme a competência estabelecida pelo Código de Processo Civil (CPC). A inconstitucionalidade da lei municipal deverá ser suscitada pela via difusa, de forma incidental. 4. Pode o Supremo Tribunal Federal, ao julgar Recurso Extraordinário que trate de matéria tributária modular os efeitos de decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade de forma a lhe dar efeitos ex nunc, proibindo com efeitos erga omnes a repetição do indébito tributário dos valores recolhidos até a data do julgamento? Há norma que preveja a modulação de efeitos em controle de constitucionalidade em matéria tributária em hipótese como a apresentada nesta pergunta? Pode haver modulação de efeitos por meio da edição de Súmula Vinculante? (Vide no acordão proferido no RE 556.664 - parte afeta à modulação de efeitos – ementa e parte final da discussão em Plenário – e a Súmula Vinculante 8) (Vide anexos III e IV) A Lei 9.868/99 dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF. O art. 27 da referida lei estabeleceu, inicialmente, a modulação temporal dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade, possibilitando sua aplicação por Módulo Tributo e Segurança Jurídica meio de ADI e ADC. No mesmo ano, por meio da Lei 9.882/99, em seu art. 11, possibilitou tal aplicação também por meio de ADPF. Tais disposições foram criadas para solucionar casos rodeados de insegurança jurídica e de excepcional interesse social motivados frente a autênticas expectativas normativas prejudicadas pelo controle de constitucionalidade. Em regra, no que se refere ao controle difuso, é que os efeitos sejam inter partes, de modo ex tunc. Em que pese a falta de previsão legal dispondo desse posicionamento, alguns ministros do Supremo compactuam com esse entendimento, como é o caso do Min. Gilmar Mendes: “Desse modo, não há que se falar em incompatibilidade entre a fiscalização difusa e a modulação de efeitos. Isso porque a limitação de efeitos apresenta base constitucional, porquanto reclama a ponderação de interesses entre o princípio da nulidade e o da segurança jurídica, ambos constitucionalmente assegurados, o que propõe a sua utilização no modelo de jurisdição constitucional em sua totalidade."5 Ao se falar em modulação em matéria tributária, a questão se torna ainda mais complexa, pois, em inúmeras vezes estarão envolvidos pedidos de restituição de tributos que foram pagos a maior ou indevidamente. O problema está, quando no julgamento de casos como esse, o STF, ao aduzir a modulação, resta por usar justificativas consequencialistas, primordialmente em litígios que abrangem bilhões de reais e, com isso, em nosso entender, resta por incentivar a produção de leis inconstitucionais. Entretanto, em que pese verificarmos que no STF está repleto de precedentes que não admitiram a modulação de efeitos ex nunc em julgamentos de repetição de indébito, ainda podemos constatar que o Tribunal não tem esse entendimento consolidado, sobretudo quando se refere ao controle difuso. Quanto à possibilidade de haver modulação de efeitos por meio da edição de Súmula Vinculante, entende-se pela impossibilidade, mesmo que a orientação seja 5 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: Estudo de direito constit ucional. São Paulo: Saraiv a Jur, 2012. Módulo Tributo e Segurança Jurídica pela verificação do teor do julgamento do caso concreto, ao passo que para ser validada a modulação, deverá haver de forma expressa a deliberação dos ministros. 5. Um contribuinte recolheu determinado tributo a partir de uma base de cálculo prevista em lei. A instrução normativa regulamentadora (IN n. 01/18) esclareceu que, na base de cálculo, não deveria ser considerado o valor do transporte pago a terceiro (frete). Um ano depois, a IN n. 03/23 esclareceu que o frete pago a terceiro integraria a base de cálculo do tributo em questão. Nesse contexto, o contribuinte consultou você questionando a necessidade de complementação do recolhimento durante a vigência da IN n. 01/18. O que você responderia? Analise os arts. 100, 103 e 146 do CTN na resposta. (Vide anexo V) Entendo que a lei não pode retroagir para prejudicar o contribuinte. Além disso, não considero que existam leis puramente interpretativas. Por isso, quando a autoridade administrativa altera o critério de aplicação de uma norma, essa mudança só pode alcançar fatos que ocorrerem depois da alteração. Aplicá-la a situações passadas viola o princípio da irretroatividade. Com base na análise dos artigos citados no enunciado da questão, oriento que o contribuinte não deve complementar o recolhimento do tributo durante a vigência da IN nº 01/02. Já a IN nº 03/03, que modificou a base de cálculo, só pode produzir efeitos a partir da data de sua publicação. O artigo 146 do Código Tributário Nacional é claro ao afirmar que “A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. Isso confirma que a nova instrução normativa só pode incidir sobre fatos geradores ocorridos após sua edição. 6. A empresa XYZ Comércio e Distribuição de Inteligência Ltda. obteve decisão favorável transitada em julgado no sentido da inconstitucionalidade de determinado tributo. Cinco anos depois, o Supremo Tribunal Federal Módulo Tributo e Segurança Jurídica decidiu, em controle abstrato de constitucionalidade, que referido tributo é constitucional. Nesse contexto, pergunta-se: a) a XYZ Comércio e Distribuição de Inteligência Ltda. deve passar a pagar o tributo em pauta (considere em sua resposta duas possibilidades: tratar-se de tributo recolhido de forma continuada e tributo não recolhido de forma continuada)? A XYZ Comércio e Distribuição de Inteligência Ltda. deve passar a pagar o tributo em pauta caso ele seja de exigência continuada, como nos casos de contribuições mensais ou impostos periódicos. Isso decorre da tese firmada no julgamento do RE 949.297, que determinou que decisões do Supremo em controle concentrado de constitucionalidade superam a coisa julgada em matéria tributária nas relações jurídicas de trato continuado, a partir do julgamento da decisão definitiva pelo STF. Assim, mesmo havendo decisão anterior transitada em julgado que reconhecia a inconstitucionalidade do tributo, a XYZ deverá voltar a recolhê-lo. No entanto, se o tributo não for de trato continuado, por exemplo, sendo de fato gerador único ou isolado, a coisa julgada permanece hígida, uma vez que se trata de relação jurídica exaurida. Nesses casos, não há obrigação de retomar o pagamento. b) a XYZ Comércio e Distribuição de Inteligência Ltda. deve pagar o valorcorrespondente aos últimos 5 anos de tributo não recolhido? A XYZ não deve pagar os valores correspondentes aos últimos cinco anos em que não recolheu o tributo, pois nesse período estava amparada por uma decisão judicial com trânsito em julgado que lhe assegurava o direito à não incidência. O STF deixou claro, ao modular os efeitos da decisão nos julgados dos anexos, que o novo entendimento não tem eficácia retroativa, ou seja, só produz efeitos a partir da data da decisão no controle abstrato, não podendo alcançar o passado garantido pela coisa julgada. Ainda que a decisão do STF tenha declarado a constitucionalidade do tributo, a XYZ agiu amparada em decisão judicial válida, sendo, portanto, vedada a cobrança retroativa, conforme também reforçado no julgados, que tratou da modulação de efeitos das decisões em controle concentrado com impacto em decisões individuais já transitadas em julgado. Módulo Tributo e Segurança Jurídica c) Caso a XYZ Comércio e Distribuição de Inteligência Ltda. tenha que pagar o tributo após o entendimento fixado pelo STF em controle concentrado, não haverá violação ao princípio da segurança jurídica e à coisa julgada? Embora possa haver argumento no sentido de que a exigência do tributo após anos de desoneração judicial possa representar violação ao princípio da segurança jurídica e à coisa julgada, o STF firmou a tese de que não há violação nesses casos, desde que a nova decisão decorra de controle concentrado de constitucionalidade e envolva relação jurídica de trato continuado. Isto preserva a unidade da Constituição e a isonomia tributária entre contribuintes. Contudo, sob um olhar crítico, é possível afirmar que tal orientação relativiza sobremaneira a coisa julgada material, especialmente porque o contribuinte confiou na estabilidade da decisão judicial definitiva. Essa flexibilização do alcance da coisa julgada em matéria tributária pode comprometer a previsibilidade e a estabilidade nas relações entre fisco e contribuinte, gerando insegurança para quem baseou sua conduta em decisões firmes do Judiciário. d) Se a XYZ Comércio e Distribuição de Inteligência Ltda. não tiver que pagar o tributo após o entendimento fixado pelo STF em controle concentrado, não estará em vantagem competitiva em relação às demais empresas do mercado? Caso a XYZ não tenha que pagar o tributo, mesmo após o STF declarar sua constitucionalidade, estará sim em situação de vantagem competitiva indevida frente a seus concorrentes, que recolhem regularmente o tributo. Diante disso, entendo que esse é justamente um dos fundamentos para a tese dos julgados mencionados, a necessidade de igualdade tributária e isonomia concorrencial. A manutenção da eficácia de decisões individuais contrárias à decisão do Supremo em sede de controle concentrado implicaria tratamento desigual e quebra da concorrência leal, valores que a Constituição Federal tutela de forma expressa.