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Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e a Leitura Larissa Rodrigues dos Santos* Introdução O presente trabalho tem o intuito de abordar questões sobre Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e a Leitura. Dessa forma, foi organizado em três seções: a primeira conceitua o TDAH, a segunda aborda as relações do TDAH e a Leitura e a última traz uma proposta de intervenção. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Estudos científicos mostram que portadores de TDAH têm alterações na região frontal e as suas conexões com o resto do cérebro. A região frontal orbital é uma das mais desenvolvidas no ser humano em comparação com outras espécies animais e é responsável pela inibição do comportamento, isto é, controlar ou inibir comportamentos inadequados, pela capacidade de prestar atenção, memória, autocontrole, organização e planejamento. Atualmente define-se o Transtorno de Déficit da Atenção/Hiperatividade (TDAH) como uma síndrome neurocomportamental com sintomas classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Assim, o TDAH se caracteriza por um nível inadequado de atenção em relação ao esperado para a idade, o que leva a distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e comportamentais (ROTTA, 2006). *graduanda em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Há três subtipos de TDAH: com predomínio de desatenção, com predomínio de hiperatividade e uma combinação de ambos. O TDAH é considerado um distúrbio do desenvolvimento que começa na primeira infância e que pode continuar até a idade adulta. “A etiologia do TDAH é multifatorial e fazem parte dela os fatores genéticos e os ambientais em diferentes combinações” (ROTTA, 2006, p. 303). TDAH e a Leitura Vários estudos que estabeleceram uma relação entre TDAH e a aprendizagem da linguagem escrita relataram que os problemas de aprendizagem mais prevalentes afetam a área da leitura (8-39%) e a escrita (60%). Segundo Lourencetti e Cunha (2011), a prevalência das dificuldades de leitura em crianças com TDAH não é consequência de uma desordem de linguagem de base fonológica, ou seja, a decodificação fonológica se processa bem, os problemas estão ligados à compreensão leitora e são frutos das dificuldades de autorregulação e de atenção inerente ao TDAH. Os autores argumentaram que, inicialmente, a decodificação de palavras demanda atenção e autorregulação, áreas que frequentemente são difíceis para as crianças com TDAH, por isso há uma forte associação entre TDAH e incapacidade de leitura. A Associação Brasileira do TDAH elenca um possível perfil, no que se refere à leitura, do portador de TDAH: • Fluência média, identificação das palavras; • Compreensão desigual; • Perde-se na leitura frequentemente; • Precisa ler oralmente, não consegue ler silenciosamente; • Esquece o que lê; • Tem baixo desempenho em trechos longos; • Desempenho médio em trechos curtos; • Evita ler. Assim, Rotta (2006) traz algumas indicações para o trabalho de leitura com alunos portadores do TDAH, são elas: pedir ao estudante com TDAH que leia a história oralmente, enquanto os colegas acompanham silenciosamente; sugerir que ilustre as história para facilitar a compreensão; ressaltar as ideias fundamentais do texto antes de pedir que ele leia, isso ajudará a entender o que é mais importante na leitura; discutir, antes da leitura, algumas questões que deverão ser respondidas com a leitura; incentivar o uso de histórias gravadas em áudio ou vídeo; estimular que a família tenha cópia dos livros didáticos para que possam ser retomados em casa. Proposta de Intervenção Considerando os pontos discutidos anteriormente, a proposta de trabalho em sala de aula apresentada neste trabalho tem o intuito de trabalhar a leitura com os alunos portadores de TDAH de maneira inclusiva em uma turma de 1° ano do Ensino Médio, buscando recuperar e valorizar as memórias dos alunos e ao mesmo tempo desenvolver a área pré- frontal. Essa área vem sendo considerada a “sede” da personalidade, nota-se que essa estrutura participa na tomada de decisões e na adoção de estratégias comportamentais mais adequadas à situação física e social; ademais, parece estar relacionada à capacidade de seguir sequências ordenadas de pensamentos e a modalidades de controle do comportamento emocional. A primeira parte da aula consiste em um jogo para toda turma. São exibidas logomarcas (Alguns exemplos no anexo 1) de vários alimentos e os alunos precisam dizer qual é a marca. Após essa introdução, os alunos terão três tarefas para executar, uma de cada vez, no caderno, são elas: 1- Resgatar uma experiência gastronômica e descrever a sensação em palavras; 2- Descrever o que é eternidade e relacionar com o prazer de comer essa comida; 3- Escolher um alimento que represente a eternidade e porquê. Após essa provocação inicial, será feita a leitura do conto “Medo da eternidade”, (Anexo 2) de Clarice Lispector, com as devidas intervenções e questionamentos da professora. Esse conto foi escolhido por, além de estar dentro do assunto do trabalho, ser um conto pequeno, de períodos curtos que facilitam a leitura por parte do aluno com TDAH. A próxima atividade diz respeito à compreensão leitora, para tal, os alunos responderam questões referentes ao texto, as quais servirão para a próxima atividade. São elas: 1-Qual é a ‘eternidade’ a qual a autora se refere no conto? 2-O que acontece no conto? 3- Qual é o prazer infantil existente ali? 4- Quem escreve é quem protagoniza a história? 5-Você acha que a memória retrata fielmente o que aconteceu, ou é a visão presente sobre o passado que cria essa memória? A partir da última questão, iniciar uma discussão sobre memória e verdade: até que ponto o meu olhar contemporâneo sobre o passado refaz uma lembrança fiel? Por fim, a última tarefa consiste em narrar para turma a sua experiência gastronômica utilizando-se da lembrança, do prazer e dos detalhes que compõem as memórias. Anexo 1 Anexo 2 Medo da Eternidade-Clarice Lispector Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas. Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: - Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa. - Não acaba nunca, e pronto. - Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta. - Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca. - E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamentedeveria haver. - Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. - Perder a eternidade? Nunca. O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola. - Acabou-se o docinho. E agora? - Agora mastigue para sempre. Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito. Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. - Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! - Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá. Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso. Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim. Referências ABDA- Associação Brasileira do Déficit de atenção. TDAH na escola. Disponível em: http://www.tdah.org.br/dicas02.php?id=4 acesso em 30/06/2017. COSTA, Sheila Pinheiro. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: implicações para aquisição da leitura. Brasília: UnB, 2013. ESPERIDIÃO, Antônio, V. et al. Neurobiologia das emoções. Rev. Psiq. Clín 35 (2); 55-65, 2008 LISPECTOR, Clarice. O medo da eternidade. In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. LOURENCETTI, Maria Dalva; CUNHA, Vera Lúcia Orlandi. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev. CEFAC, São Paulo: 2011. ROTTA, N. T. Transtornos de atenção: aspectos clínicos. In: ROTTA, N. T.; OH LWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 301-313.