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Fundamentos de Nutrição 2020.2 Ian C.C. Nóbrega Prof. Titular - DEA Universidade Federal da Paraíba Departamento de Engenharia de Alimentos Fibras Alimentares Até os anos 1960, a fração fibra dos alimentos era considerada, por muitos, como parte inaproveitável ou de pouco relevância, afinal as fibras não eram nem energéticas nem nutrientes essenciais. Todavia, no início dos anos 1970 apareceram algumas observações empíricas que associavam a falta de fibras na alimentação com o aparecimento de certas doenças, chamadas de “moléstias da civilização”, tais como: hipertensão arterial, infarto do miocárdio, obesidade, hemorroidas, diverticulite e câncer do intestino grosso. A partir dos anos 1970, despertou-se o interesse sobre o assunto e muitas pesquisas foram desenvolvidas, tanto do ponto de vista da composição química das fibras quanto da sua ação protetora relativa a certas doenças. Comecemos a estudar as fibras lembrando que elas são, em sua maioria, tipos de carboidratos. Onde as fibras são alojadas na classificação de carboidratos? “Fibra alimentar é a parte comestível das plantas ou carboidratos análogos que são resistentes à digestão e absorção no intestino delgado humano, com fermentação completa ou parcial no intestino grosso. A fibra alimentar inclui polissacarídeos, oligossacarídeos, lignina e substâncias vegetais associadas. Fibras alimentares promovem efeitos fisiológicos benéficos, incluindo laxação e/ou redução do colesterol no sangue e/ou redução da glicose no sangue ". Fonte: https://www.cerealsgrains.org/initiatives/definitions/Pages/DietaryFiber.aspx Antes de apresentarmos outras definições de fibras alimentares, convém primeiro mostrar o sistema digestivo humano, com especial atenção aos intestinos delgado e grosso. fígado Vesícula biliar duodeno Cólon transverso Cólon ascendente Íleo Jejuno Intestino delgado (duodeno, jejuno e íleo) : ~4m de comprimento (adulto) Intestino grosso (ceco, cólon e reto): ~1,6 m de comprimento (adulto) Ceco Apêndice cecal Cólon descendente Pâncreas Estômago Esôfago (~25 cm) faringe Glândula parótida (salivar) Boca Cavidade oral Glândulas submandibulares e glândulas sublinguais Reto Ânus O SISTEMA DIGESTIVO HUMANO Definição Na União Europeia, o Regulamento 1169/2011 (UE 2011) define fibras alimentares como polímeros de carboidratos com três ou mais unidades monoméricas que não são digeridas nem absorvidas no intestino delgado humano. Ainda de acordo com tal definição, as fibras pertencem as seguintes categorias: 1. Polímeros de carboidratos comestíveis que ocorrem naturalmente nos alimentos quando consumidos; 2. Polímeros de carboidratos comestíveis obtidos a partir de matérias-primas alimentares por meios físicos, enzimáticos ou químicos e que tenham um efeito fisiológico benéfico demonstrado por provas científicas e aceitas; 3. Polímeros de carboidratos sintéticos comestíveis que tenham um efeito fisiológico benéfico demonstrado por provas científicas e aceitas. RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003, item 2.6: Fibra alimentar: é qualquer material comestível que não seja hidrolisado pelas enzimas endógenas do trato digestivo humano. Definição - ANVISA Classificação das Fibras Uma terminologia frequentemente encontrada na literatura é a classificação da fibra alimentar em solúvel e insolúvel. Esta distinção foi feita com base nos diferentes efeitos fisiológicos dos dois tipos de fibra. No entanto, ao longo dos anos, uma boa quantidade de pesquisas científicas mostrou que a solubilidade não é necessariamente um determinante do efeito fisiológico. Todavia, apresentamos a seguir tal classificação baseada na solubilidade. Fibras Solúveis Se ligam com a água, formando géis. São fermentadas, totalmente ou parcialmente, pela microbiota do intestino grosso, alterando sua composição (aumento, por exemplo, de bifidobactérias e lactobacilos). Encontradas em frutas, hortaliças, feijões, aveia, cevada, dentre outros. A seguir abordaremos alguns exemplos de fibras solúveis em maiores detalhes. Polissacarídeos estruturais de cadeias de ácido galacturônico e unidades de ramnose, pentose e hexose. São solúveis em água quente e formam géis depois do resfriamento, por isso são usadas como espessantes em alimentos. Fibras solúveis: Pectinas As pectinas são quase completamente fermentadas no cólon (parte mais central do intestino grosso), restando menos de 5% nas fezes. Têm capacidade de retenção de água, cátions e material orgânico como a bile. Estão presentes principalmente nas frutas cítricas e nas maçãs, mas também podem ser encontradas em leguminosas e castanhas. • b-Glucanas: polímeros de glicose unidas por ligações glicosídicas do tipo β. Tipicamente, forma um esqueleto linear com ligações do tipo β-1,3, mas outros tipos de ligação b, como b-1,4 e b-1,6, podem ocorrer. Fibras solúveis: β glucanos (ou b glucanas) • b-glucanas são componentes estruturais da parede celular de fungos, leveduras e de alguns cereais, sendo encontrados principalmente em aveia e cevada. Glucanas: polímeros de glicose b-1,3 b-1,4 b-1,3b-1,4 b-glucana típica da aveia e cevada b-glucanas típicas de células de leveduras e cogumelos: ligações b-1,3 e b-1,6 b-1,3 b-1,3 b-1,6 b-1,6 • As b glucanas têm capacidade de retardar ou reduzir a absorção de colesterol e de glicose. • O farelo de aveia é um alimento que apresenta boa concentração de β glucanas. Info. Nutricional do Farelo de Aveia Orgânico Nestlé 0,9/2,6 = 0,346 35% da fibra alimentar na forma de b glucana b-glucanas típicas de aveia, cevada e centeio : ligações b-1,3 e b-1,4 b-1,3 b-1,4 b-1,3b-1,4 1 3 1 1 4 1 3 4 13 Curvatura na ligação b-1,3 • Mucilagens são polissacarídeos pouco ramificados e de natureza viscosa. Fibras solúveis: mucilagens • São encontradas no interior das sementes e nas algas, sendo também denominadas de hemicelulose neutra (pobre em ácidos urônicos). São constituídas de galactose, manose, ramnose, arabinose, xilose e ácido galacturônico. • Gomas são polissacarídeos não estruturais formados por amplas cadeias de ácido urônico, xilose, arabinose e manose Fibras solúveis: gomas • Podem ser encontradas em algas, em diversas plantas (por ex., a goma guar é obtida de sementes de Guar, planta nativa da Índia) e serem produzidas em resposta a um dano externo (reparação de áreas lesadas) como a goma arábica. • Algumas gomas também podem ser produzidas por microrganismos como: goma xantana e dextrana. • Tanto gomas como mucilagens podem ser utilizados como espessantes, gelificantes, estabilizantes e emulsificantes. Fibras solúveis: Fruto-oligossacarídeos (FOS) • Fruto-oligossacarídeos (FOS) são oligossacarídeos que ocorrem naturalmente em plantas como cebola, chicória, alho, aspargos, banana, alcachofra, entre muitos outros. • FOS são compostos de cadeias lineares de unidades de frutose ligadas por ligações b-2,1. O número de unidades de frutose varia de 2 a 60 e geralmente termina em uma unidade de glicose com ligação do tipo a-1,2. • Os FOS da dieta não são hidrolisados pelas enzimas do intestino delgado e atingem o início do intestino grosso inalterados. Lá, eles são metabolizados (fermentados) pela microflora intestinal para formar vários metabólitos importantes; portanto, os FOS têm propriedades prebióticas. • Os FOS têm um número de propriedades interessantes, incluindo: são livres de calorias, não são carcinogênicos e são considerados como fibra alimentar solúvel. • Normalmente os FOS são obtidos a partir da inulina naturalmente presente em vegetais, em especial a raiz da chicória (Cichorium untybus) • INULINA - Termo aplicado a uma mistura heterogênea de polímeros de frutose que ocorrem na natureza como carboidratos de armazenamento de plantas. Quimicamente, é um polímero de frutose, com grau de polimerização (GP) de até 60, unidas por ligação do tipo β-2,1. Ver estrutura a seguir. • OLIGOFRUTOSE - É um subgrupo de inulina, consistindoem polímeros com um GP ≤10. São produzidos por hidrólise enzimática parcial da inulina. Tem um sabor doce, agradável e é altamente solúvel. Pode ser usado para: fortificar alimentos com fibras sem impactar negativamente na parte sensorial; melhorar o sabor e a doçura dos alimentos de baixa caloria; melhorar a textura de alimentos com redução de gordura. a-D-glicopiranose 1 2 b-D-frutofuranose 1 2 b-D-frutofuranose 2 2 2 1 1 1 1 FOS (F=frutose; G=glicose) Inulina: F entre 11 e ~60 Oligofrutose: F entre 3 e 10 1 2 b-D-frutofuranose FORMAÇÃO DOS FOS b-2,1 b-2,1 a-1,2 Amido resistente (AR) é aquele que resiste à hidrólise enzimática. Ele pode ser fisiologicamente definido como a soma de amido e produtos da degradação de amido que não são absorvidos no intestino delgado de indivíduos saudáveis, podendo ser fermentado no intestino grosso. Existem 4 tipos de AR (AR1, AR2, AR3 e AR4), descritos a seguir Fibras solúveis: amido resistente AR por ligação cruzada: A ligação cruzada envolve a introdução de um número limitado de ligações entre as cadeias de amilose e amilopectina. O processo reforça as pontes de hidrogênio É uma fibra de característica estrutural e tem a capacidade de retenção de água e cátions; pode ser encontrada em frutas, hortaliças, leguminosas e castanhas. Fibras solúveis: hemicelulose Heteropolímeros associados à celulose nas paredes celulares, constituídos por 50-200 unidades de hexoses e pentoses (glicose/6C, galactose/6C, xilose/5C, arabinose/5C, manose/6C), e quantidades variáveis de ácidos hexurônicos. Existem mais de 250 tipos desses polissacarídeos, que podem estar na forma solúvel ou insolúvel. Fibras Insolúveis • Fazem parte da estrutura das células vegetais. Apresentam efeito mecânico no trato gastrointestinal, são pouco fermentáveis e estimulam o bom funcionamento intestinal (aceleração do trânsito). • São encontradas principalmente em hortaliças, farelo de trigo e grãos integrais. • A seguir abordaremos alguns exemplos de fibras insolúveis em maiores detalhes. Fibra insolúvel: celulose Polissacarídeo linear composto de até 10 mil unidades de glicose unidas por ligações β-1,4. Várias moléculas compactadas formam longas fibras resistentes à digestão pelas enzimas do sistema digestório. Principal componente da parede celular dos vegetais, por isso é considerada estrutural; A celulose apresenta grande capacidade de retenção de água; cada grama de celulose pode reter 0,4 g de água no intestino grosso. São utilizados como ingrediente alimentar. Têm alta solubilidade e formam soluções viscosas decorrentes de alterações na estrutura cristalina. Obs: a celulose pode sofrer modificações físicas e químicas e ter diversas aplicações industriais Celulose Modificação física celulose em pó e celulose microcristalina Modificação química carboximetilcelulose (CMC), etc. • Quimicamente, é um polímero de polifenóis contendo os álcoois cumarilíco, coniferílico e sinapílico. 25% da madeira é formada por lignina. Fibra insolúvel: ligninas • Única fibra estrutural que não é um carboidrato, mas está ligada à hemicelulose na parede celular vegetal. • Função: conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais. Lignina (~25% da madeira): um polímero de polifenóis fenol Efeitos das fibras alimentares na saúde humana • O trato gastrintestinal (TGI) possui mais de 500 espécies diferentes de bactérias. No cólon (parte majoritária do intestino grosso), a flora bacteriana consiste quase que totalmente de bactérias anaeróbias estritas, como Bifidobacterium, Clostridium e Lactobacillus. • A fermentação das fibras ocorre no cólon pela ação das bactérias anaeróbicas. O grau de fermentação sofre interferência da composição da flora intestinal e do tipo de fibra. • Os principais substratos para fermentação são as fibras da dieta como FOS, amidos resistentes e ainda outros substratos, como os açúcares arabinose/5C, xilose/5C, manose/6C e ramnose/6C. • Os produtos da fermentação bacteriana das fibras são: - Ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), dos quais os mais importantes são o acético, o butírico e o propiônico; - Gases hidrogênio, metano e dióxido de carbono (que são excretados via retal); - Energia (utilizada para crescimento e manutenção das bactérias). No intestino, especialmente no cólon: • O ácidos graxos de cadeia curta (propionato, butirato e acetato), que são produtos da fermentação bacterianas das fibras no cólon, têm importante papel na fisiologia do intestino, a saber: principal fonte de energia para enterócitos (célula epiteliais da camada dos intestinos delgado e grosso); estimula a proliferação celular do epitélio; melhora o fluxo sanguíneo; aumentam a absorção de água e sódio, importantes nos casos de diarréia; diminui o pH intraluminal (diminui a absorção da amônia); favorecem a absorção de vitamina K e magnésio devido à acidificação do lúmen intestinal; favorecem a absorção de cálcio no cólon; facilitam a absorção do potássio. TIPOS DE FIBRAS E SEUS EFEITOS FISIOLÓGICOS Efeito da fibra sobre a saúde Reduz risco de desenvolver Diabetes, Doenças Cardiovasculares Obesidade Câncer (colón) Constipação Diverticulite Auxilia Perda de peso Aumento da saciedade Redução da glicemia pós- prandial • AS FIBRAS EXERCEM EFEITO NA MICROFLORA DO CÓLON • CASO FIQUE PROVADO QUE A MICROFLORA DO CÓLON EXERCE ALGUM EFEITO NO COMPORTA- MENTO PSICOSSOCIAL HUMANO, PODERÍAMOS DIZER QUE AS FIBRAS ALIMENTARES QUE CONSUMIMOS AO LONGO DO TEMPO TAMBÉM EXERCEM? IMPLANTAÇÃO DE MIBROBIOTA/MICROBIOMA DO CÓLON DE INDIVÍDUOS COM AUTISMO EM CAMUNDONGOS PROMOVE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (EM CAMUNDONGOS) https://www.cell.com/cell/pdf/S0092-8674(19)30502-1.pdf TD =typically developing “Propomos que a microbiota intestinal regula comportamentos em camundongos através da produção de metabólitos neuroativos, sugerindo que as conexões entre o cérebro e o intestino contribuem para a fisiopatologia do transtorno do espectro do autismo (TEA)” https://www.cell.com/cell/pdf/S0092-8674(19)30502-1.pdf https://www.nature.com/articles/s41564-018-0337-x POSSÍVEIS EFEITOS ADVERSOS DAS FIBRAS • Dietas com excesso de fibras, por aumentarem a excreção fecal, podem também aumentar a excreção dos nutrientes como proteínas, carboidratos, lipídios e minerais, e consequentemente, diminuir sua absorção. • Também podem, quando em excesso, levar a carência de minerais como o zinco e ferro, que têm sua absorção prejudicada pela presença de fitatos, substâncias classificadas como antinutrientes e que se encontram presentes em vegetais. • Dessa forma, devido a esses efeitos, poderá haver restrições para consumo de fibras por indivíduos nas seguintes situações: carência nutricional, crianças e idosos. Ingestão Dietética Recomendada FAO e OMS: consumo acima de 25 g de fibras alimentares totais por dia, atingidas a partir da ingestão ≥ 400 g de frutas e hortaliças diárias. O Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde: 25 g de fibras alimentares ao dia para adultos (em uma dieta de 2.000 kcal/dia). Acrescenta ainda que se a alimentação contiver quantidades adequadas de cereais, tubérculos, raízes, frutas, hortaliças e leguminosas, essa quantidade de fibras será atingida. (OU ALTO TEOR DE FIBRAS) RELEVÂNCIA DO USO DE FIBRAS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS