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Alcaloide de sabor amargo, branco, inodoro, cristalino, com proprie- dades anestésicas e vasoconstrictoras, extraído das folhas da Eri- throxylum coca, um arbusto nativo da América do Sul. Seu nome quí- mico é benzoilmetilecgonina. Apresentações e formas de uso Folhas de Coca: Mascadas junto com substância alcalinizante ou sob a forma de chá Cloridrato de Cocaína: pó fino e branco; utilizado por via nasal (aspirar, cheirar) ou venosa. Crack: Nome popular para a cocaína básica, pedra de cocaína, fu- mada, obtida através da conversão do cloridrato de cocaína para a sua forma de base livre, com o seu aquecimento com bicarbonato de sódio ou hidróxido de sódio, formando uma pedra cristalizada rígida, pouco solúvel em água e que se torna volátil quando aquecido próximo a 100ºC. Merla: Nome popular para a forma em pasta da cocaína, pouco so- lúvel em água e se torna volátil quando aquecida próximo a 1000 C, sendo também fumada em cachimbos Mecanismo de ação Bloqueio da recaptura de catecolaminas (dopamina, adrenalina e no- radrenalina) no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso periférico (SNP) Isso gera um prolongando da ação desses neurotransmis- sores, levando a efeitos simpáticos, como agitação psico- motora e estimulação dos receptores alfa, beta1 e beta2 adrenérgicos e com isto, taquicardia, vasoconstrição e con- sequente hipertensão arterial; Bloqueio da recaptação da serotonina; podendo levar a alucinações, psicose, anorexia e hipertermia; Bloqueio dos canais de sódio: Ação anestésica local. Também pode agir a nível cardíaco, causando fibrilação No coração, se utilizada em altas doses, pode levar a uma ação qui- nidina-like com alargamento do QRS, prolongamento do QT, bradi- cardia e hipotensão; Aumento da concentração de aminoácidos excitatórios do SNC (glu- tamato e aspartato); Aumento da produção de endotelina Diminuição da produção de óxido nítrico: Gerando a vasoconstrição com hipertensão, taquicardia e todas as manifestações adrenérgicas O uso crônico pode levar a focos de microfibrose miocárdica e mio- cardite, independente da presença ou não de lesão coronária prévia; Podem ocorrer reações distônicas, acatisia e pseudoparkinsonismo, pela depleção de receptores dopamina-1. Dose tóxica Variável dependendo da tolerância de cada indivíduo e forma de uso. EX: a aplicação rápida de uma dose IV pode levar a convulsões e arritmias, a mesma dose inalada ou ingerida pode produzir somente euforia. A ingestão única de 1 g ou mais de cocaína pode ser fatal. Há relatos de óbito com doses de 20 mg utilizadas de forma parenteral. *Associação de etanol forma o complexo coca-etileno, que aumenta o tempo de ação e intensifica as ações de vasoconstrição. *Associação com antidepressivos pode estimular uma síndrome se- rotoninérgica, tendo 2 moléculas aumentando o estímulo de seroto- nina, piorando o quadro. Se for tricíclico, é pior ainda pois eles são inespecíficos (elevam, além da serotonina, dopamina e outros neuro- transmissores). Farmacocinética Absorção Bem absorvida por todas as vias. Quando aplicada em mem- branas mucosas ou ingerida, suas propriedades vasocons- trictoras retardam a absorção; Pico plasmático: Distribuição Volume de distribuição: 2,7 L/Kg; Ligação Proteica: 90%. Metabolismo Biotransformação: No fígado e pela pseudocolinesterase (3 metabólitos principais ativos): o Norcaína: menos de 5% do total; cruza rapida- mente a barreira hematoencefálica. o Ecgonina metil-éster: de 32 a 49% do total. Sem atividade vasoconstritora. o Benzoilecgonina: até 50% do total - detectada na urina até 30 dias, em usuários crônicos. Eliminação Excreção renal; Meia-vida: 30 a 60 minutos. Obs: Na presença de etanol, a cocaína forma um composto chamado de cocaetileno. Manifestações clínicas O quadro clínico mais proeminente se deve à estimulação simpática decorrente da síndrome adrenérgica. Intoxicação leve a moderada: Agitação psicomotora, apreensão, pseudoalucinações, inquietude, instabilidade emocional, movimentos estereotipados, tiques, tremores não intencionais de face e dedos das mãos, palidez, hipertensão arterial, taquicardia, dor torácica, hi- pertermia, diaforese, midríase, cefaleia, náuseas e vômitos, dor ab- dominal. Intoxicação grave: Além dos sintomas acima podem ocorrer arritmias cardíacas, hipotensão arterial (predomínio das respostas parassim- páticas como efeito compensatório), dispneia, IAM, convulsão e sta- tus epiléptico; Se não houver resposta à medicação, poderá ocorrer in- suficiência renal (por vasculite e rabdomiólise), coma, fibri- lação ventricular, insuficiência respiratória e óbito. • Palidez: Vasoconstrição periférica pela noradrenalina, agindo nos receptores alfa adrenérgicos. • Midríase: Estimulação simpática, glutamato e aspartato. Bloqueio da recaptação de serotonina, aumentando a concentração. • Agitação Psicomotora: Devido a elevação dos neurotransmissores citados (catecolaminas e serotonina) à nível central. Confere sensa- ção de bem-estar, prazer. • Hipertensão: Vasoconstrição, aumento da FC e força de contração. Oligúria também influencia. • Oligúria: Menos urina. Vasoconstrição das arteríolas aferentes re- nais, redução da oferta de nutrientes e oxigênio. • Hipertermia: Aumento do metabolismo e aumento da serotonina, glutamato e aspartato que agem nos canais de sódio, estimulando as sinapses e atingindo o SNC, aumentando a temperatura • Mialgia: Células musculares sendo destruídas, membranas sendo rompidas, liberação de proteínas no plasma… • Rabdomiólise e Insuficiência Renal: Degeneração muscular, liberação de proteínas musculares no sangue, as mioglobinas (leva nutrientes aos músculos). Mioglobinas elevadas no plasma, aumentando a pres- são e dificultando o processo de FG, causando uma insuficiência renal aguda. • Encefalopatia Hepática: Hepatócitos são lesionados e sua função é comprometida, tendo efeitos neurais. Acúmulo de aminas, bilirrubinas diretas (que vêm do grupo M e está dentro das hemácias). No fígado, as bilirrubinas são conjugadas com composto hidrossolúvel (ácido gli- curônico) para favorecer a excreção. O aumento dessa substância no sangue, faz com que ela se deposite na pele, no globo ocular, no cérebro (SNC- prejuízo do funcionamento neural). Eleva amônia, que também é tóxica para o SNC • Hepatomegalia dolorosa: Aumento do fígado gerando dor, pois os hepatócitos estão destruídos e a possível compressão de nervos pelo aumento dos tecidos pode gerar essa resposta dolorosa • Aumento da função e bioquímica hepática: Elevação das transami- nases indica grave lesão hepática. Apoptose celular • TAP RNI: Pela destruição dos hepatócitos, os fatores de coagulação não são mais sintetizados. • Insuficiência Respiratória • Síndrome coronariana: A coronária irriga o coração. Se houver blo- queio, pode ter irrigação prejudicada, causando isquemia, sendo ma- nifestada como angina (dor torácica). • Aumento da adesão plaquetária: Aumento da endotelina (vasocons- trição), aumento da serotonina e diminuição do óxido nítrico, causam aumento da adesão plaquetária, aumentando risco de formação de trombos, acarretando em AVCs, tromboembolismo Diagnóstico Anamnese: Qual via foi utilizada? Quanto tempo após o uso os sinto- mas se iniciaram? O paciente é alcoólatra? A paciente está grávida? Tem dor torácica? Abdominal? Associou com bebida alcoólica? Houve associação com medicamentos? Clínica: Suspeitar de intoxicação por cocaína ou crack em adultos jo- vens que desenvolvem síndrome adrenérgica. Lesões de mucosa na- sal ou restos de pó ao redor das narinas podem ser achados em indivíduos que utilizaram a via intranasal. Nos usuários de crack é comum encontrar queimaduras em pontas dos dedos. Exames complementares: Testes qualitativos em urina e Cromato- grafia em camada delgada (CCD) em urina (a fita é cromatografada conforme apresença de compostos liberados se há uma intoxicação por cocaína Laboratorial geral: Monitorar eletrólitos, glicose, função renal, RX tó- rax e abdome se dor torácica e abdominal, gasometria, CPK, urina com pesquisa de mioglobinúria na suspeita de rabdomiólise, ECG, tro- ponina na suspeita de isquemia miocárdica, TC de crânio se os sinto- mas neurológicos persistentes. *Presente na urina até 48 horas. Alguns derivados podem ser iden- tificados na urina em até 30 dias. Tratamento Medidas de suporte e Descontaminação: Indicada em casos de inges- tão acidental, body packers ("mulas"), pode fazer transporte usando cápsulas por ingestão ou por via retal Não há antídotos Sintomáticos: Os benzodiazepínicos são fundamentais para o controle da agitação, pois causam aumento do influxo da cloreto nas células, diminuindo respostas adrenérgicas e promovendo depressão do SNC e tratando os sintomas. Esperar de 5 a 10 minutos, acompanhar e oferecer de novo o benzo se não melhorar. *Nos casos graves, podem ser necessárias intubação orotraqueal e medidas de resfriamento corporal. Hidratação Adultos: Diazepam de 5 a 10 mg de diazepam IV repetidos a cada 5 a 10 minutos até o controle das manifestações ou até 1 mg/Kg. Na impossibilidade de obtenção de acesso venoso, pode-se utilizar mi- dazolam IM; Não usar neurolépticos (haloperidol, clorpromazina) pelo risco de con- vulsão, taquicardia, arritmias, piora da hipertermia e indução de rea- ções distônicas. Também deve-se evitar medicamentos com ação anticolinérgica im- portante como a prometazina; Se ocorrer hipotensão ou choque, colocar o paciente em posição de Trendelemburg e infundir cristaloides e aminas vasoativas, se neces- sário. Preferir dopamina, e se não houver resposta norepinefrina. Para o controle das convulsões, sugere-se a utilização de benzodia- zepínicos e, em casos refratários, fenobarbital; Pacientes assintomáticos e com sinais vitais e exames laboratoriais normais por mais de 12 horas, podem receber alta hospitalar e se- rem encaminhados para serviço especializado para tratamento da dependência. Síndrome coronariana aguda/hipertensão/taquicardia. Terapia medicamentosa de primeira linha * Oxigênio; * Aspirina (325 mg); * Diazepam - 5 a 10 mg/IV, a cada 5 a 10 minutos, até 1 mg/Kg. Pode ser substituído pelo midazolam; * Nitroglicerina - 50 mg/250 mL SG 5% IV; infundir 5 a 100 micro- gramas/minuto. Terapia medicamentosa de Segunda Linha * A angioplastia primária tem preferência ao uso de trombolíticos; * Nitroprussiato de Sódio - 50 mg/500 mL SG 5% - 0.1 μg/Kg/Min; * Fentolamina (1 mg/IV em bolo, seguido por 1 a 5 mg/min em SG 5%), em caso de persistência da dor. Pode haver aumento reflexo da frequência e da contratilidade cardíaca. Taquicardia ventricular, fibrilação Ventricular - O trata- mento vai depender do tempo de início da arritmia em relação ao uso da cocaína Taquiarritmias que iniciam logo após o uso da cocaína - resultam do bloqueio dos canais de sódio no miocárdio: * Primeira linha: Bicarbonato de sódio; * Lidocaína (em modelo animal) pode exacerbar convulsões e arrit- mias pelos efeitos similares nos canais de sódio. Taquiarritmias que iniciam várias horas após o uso da cocaína: *São usualmente secundárias à isquemia. *O tratamento deve ser direcionado à isquemia; *Pode ser usado lidocaína para arritmias persistentes ou recorren- tes. Observação: Está formalmente contraindicado o uso de betabloque- adores em intoxicações por cocaína na fase aguda devido à piora da vasoconstricção coronária e ao aumento da pressão arterial devido à falta de oposição aos efeitos α-adrenérgico. Vários modelos expe- rimentais mostram um aumento da frequência de convulsão e da mortalidade. Body Stuffer: É o eventual ou pequeno traficante que ingere pequena quantidade da droga para se livrar do flagrante policial. *Tratamento: carvão ativado em dose única, catártico salino, moni- torização, sintomáticos. Body Packer: É o transportador de grande quantidade de drogas - cocaína, hero- ína, etc - através da ingestão de cápsulas hermeticamente fechadas contendo a droga. Geralmente faz viagens internacionais e é conhe- cido como "mula". Há grande perigo de rompimento de uma cápsula e consequente morte súbita. *Tratamento: lavagem intestinal contínua com solução de polietileno- glicol (manipulada) até eliminação total das cápsulas: * Adolescentes e adultos, 1.500 a 2.000 mL/hora; * 6 a12 anos, 1.000 mL/hora; * 9 meses a 6 anos, 500 mL/hora. *Monitorização: Em caso de início de sintomas, intervenção cirúrgica imediata. Body pusher: É também “mula” que transporta grande quantidade de drogas em- baladas hermeticamente e introduzidas nos orifícios naturais – reto, vagina, ânus. *Tratamento: retirada mecânica e/ou catártico salino. Maria Eduarda Sborz